Выбрать главу

– Mas o senhor não está no caminho certo, é preciso ir para trás conosco. Levaremos o senhor para muito perto de Santa Marta. a 8 quilômetros.

Não tenho jeito de recusar, pareceria anormal. Por outro lado, gostaria de dizer que vou ficar com o chofer do caminhão para ajudá-lo mas, diante da dificuldade de falar tanta coisa, prefiro dizer: “Gracias; gracias”.

E aí estou na carroça, com as três meninas. As duas bondosas irmãs estão sentadas no banco com o carroceiro.

A gente começa a andar e, na verdade, viajamos bastante depressa ara percorrer os 5 ou 6 quilômetros feitos por engano com o caminhão Uma vez na estrada certa, vamos a bom passo e, por volta do meio-dia, paramos num albergue para comer. As três meninas e o carroceiro numa mesa e as duas boas irmãs e eu numa mesa vizinha. As freiras são jovens, de 25 a trinta anos. A pele muito branca. Uma é espanhola, a outra irlandesa.

– O senhor não é daqui, não é?

– Sim, sou de Barranquilla.

– Não, o senhor não é colombiano, seus cabelos são muito claros e sua pele está escura porque o senhor está queimado de sol. Donde vem?

– De Rio Hacha.

– Que fazia por lá?

– Eletricista.

– Ah! Tenho um amigo na companhia de eletricidade, chama-se Perez, é espanhol. Conhece-o?

– Sim.

– Isto me dá prazer.

No fim do almoço, elas se levantam para ir lavar as mãos e a irlandesa fica sozinha. Olha-me e, a seguir, diz em francês:

– Não trairei o senhor, mas minha companheira diz que viu sua fotografia num jornal. O senhor é o francês que fugiu da prisão de Rio Hacha, não é?

Negar seria pior ainda.

– Sim, irmã. Peço-lhe, não me denuncie. Não sou o homem mau que andam dizendo. Amo a Deus e o respeito.

A espanhola chega, a outra diz: “É ele, sim”. Ela responde muito depressa uma coisa que não entendo. Ficam com o ar de refletir, levantam-se e vão à privada de novo. Durante os cinco minutos da ausência delas, reajo rapidamente. Devo partir antes que voltem, devo ficar? Dá no mesmo, caso elas estejam pensando em me denunciar, porque, se dou o fora, me acharão muito depressa. Esta região não é uma “selva” muito espessa e os acessos aos caminhos que levam às cidades logo ficarão certamente vigiados. Vou me entregar ao destino que, até hoje, não foi mau comigo.

Elas voltam muito sorridentes e a irlandesa pergunta pelo meu nome.

– Enrique.

– Bem, Enrique, o senhor virá conosco até o convento para onde vamos, que fica a 8 quilômetros de Santa Marta. Conosco na carroça, o senhor nada tem a temer na estrada. Não fale, todo mundo acreditará que o senhor é um trabalhador do convento.

As irmãs pagam o almoço de todos. Compro um pacote de doze maços de cigarros e um isqueiro. Saímos. Durante todo o trajeto, as irmãs não me dirigem mais a palavra e eu lhes fico agradecido. Dessa maneira, o carroceiro não percebe que falo mal a língua do país. Lá pelo fim da tarde, paramos num albergue grande. Vejo um ônibus onde leio: “Rio Hacha-Santa Marta”. Tenho vontade de tomá-lo. Aproximo-me da irmã irlandesa e lhe falo da minha intenção de utilizar este ônibus.

– É muito perigoso – diz ela – porque, antes de chegar a Santa Marta, há, pelo menos, dois postos de polícia, onde exigem dos passageiros sua cédula (documento de identidade), o que não acontecerá com a carroça.

Agradeço a ela vivamente e, então, a angústia que passei a sentir depois que me reconheceram desaparece imediatamente. Foi, pelo contrário, uma sorte enorme para mim ter encontrado estas boas irmãs. Efetivamente, ao anoitecer, chegamos a um posto de polícia (em espanhol, alcabale). Um ônibus, que vinha de Santa Marta e ia para Rio Hacha, estava sendo inspecionado pela polícia. Estou deitado de costas na carroça, meu chapéu de palha em cima do rosto, fingindo dormir. Uma menina de uns oito anos tem a cabeça apoiada no meu ombro e dorme de verdade. Quando a carroça passa, o carroceiro pára seus cavalos justamente entre o ônibus e o posto.

– Como están todos por aqui? - diz a irmã espanhola.

– Muy bien, hermana.

– Me alegro, vámonos, muchachos.

E saímos andando, tranqüilamente.

Às 10 horas da noite, um outro posto, muito iluminado. Duas filas de viaturas de toda classe esperam, paradas. Uma vem pela direita, a nossa pela esquerda. As malas dos carros são abertas e os policiais olham dentro. Vejo uma mulher, obrigada a descer, remexendo na sua bolsa. Ela é levada ao posto de polícia. Não tem, provavelmente, a cédula. Neste caso, não há nada a fazer. Os veículos passam, um depois do outro. Como existem duas filas, não se, pode ter uma passagem de favor. Por falta de espaço, é preciso se resignar a esperar. Sinto-me perdido. À nossa frente, está um ônibus pequeno cheio de passageiros. Em cima, sobre o teto, maletas e grandes embrulhos. Atrás, também, uma espécie de rede grossa cheia de embrulhos. Os policiais obrigam os passageiros a descer. Este ônibus não tem mais de uma porta, na frente. Homens e mulheres descem. Mulheres com crianças nos braços. Uma a uma tornam a subir.

– Cédula! Cédula!

E todos saem e mostram um cartão com sua fotografia.

Zorrillo nunca me falou nisso. Se soubesse, teria talvez tentado arranjar uma cédula falsa. Fico pensando que, se passar por este posto, pagarei o que for preciso, mas arranjarei uma cédula antes de viajar de Santa Marta a Barranquilla, cidade muito importante da costa atlântica: 250 000 habitantes, diz o dicionário.

Deus do céu, como é demorada a operação de exame desse ônibus. A irlandesa se volta para mim: “Fique calmo, Enrique”. Tomo imediatamente um susto com esta frase imprudente, o condutor certamente ouviu.

Chegando nossa vez, a carroça avança nesta luz brilhante. Resolvo me sentar. Ficando deitado, segundo me parece, posso dar a impressão de que me escondo. Apoiei as costas nas tábuas da carroça e olho para as costas das irmãs. Só posso ser visto de perfil e tenho o chapéu bastante afundado na cabeça, mas sem exagero.

– Como están todos por aqui? - repete a boa irmã espanhola.

– Muy bien, hermanas. Y como viajam tan tarde? (Muito bem, irmãs. E por que viajam tão tarde?)

– Por una urgencia, por eso no me detengo. Somos muy apuradas. (É um caso de urgência, por isso não paro. Estamos muito apressadas.)

– Vayanse con Dios, hermanas. (Vão com Deus, irmãs.)

– Gracias, hijos. Que Dios les protege. (Obrigado, meus filhos. Que Deus os proteja.)

– Amén - dizem os policiais.

E nós passamos tranqüilamente, sem que ninguém nos exija coisa alguma. As emoções dos minutos passados devem ter dado dor de barriga nas boas irmãs, porque, a 100 metros dali, fazem parar a viatura para descer e desaparecer por um instante no mato. Voltamos a andar. Acendo um cigarro. Estou tão emocionado, que, quando a irlandesa sobe, eu lhe digo:

– Obrigado, minha irmã.

Ela me diz:

– Não há de que, mas nós tivemos tanto medo, que isso nos desarranjou os intestinos.

Por volta da meia-noite, chegamos ao convento. Um grande muro, uma grande porta. O carroceiro saiu para ajeitar os cavalos e a carroça e as três meninas são conduzidas ao interior do convento. Na escadaria do pátio, uma discussão acalorada se trava entre a irmã porteira e as duas irmãs. A irlandesa me diz que não quer acordar a madre superiora para lhe pedir autorização para que eu durma no convento. Aí, fico indeciso. Deveria aproveitar rapidamente este incidente para me retirar e partir para Santa Marta, uma vez que sabia que só faltavam 8 quilômetros.

Este erro me custou, mais tarde, sete anos de cana.