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Por fim, a madre superiora foi acordada, e me dão um quarto no segundo andar. Da janela, vejo as luzes da cidade. Distingo o farol e as luzes fixas. Do porto sai um barco grande.

Adormeço e o sol está alto quando batem à minha porta. Tive um sonho atroz. Lali abria a barriga dela em minha presença e nosso filho saía de sua barriga aos pedaços.

Faço a barba e me lavo muito rapidamente. Desço. Ao pé da escada está a irmã irlandesa, que me recebe com um ligeiro sorriso:

– Bom dia, Henri. O senhor dormiu bem?

– Sim, minha irmã.

– Venha, por favor, ao escritório de nossa madre superiora, que quer ver o senhor.

Entramos. Uma mulher está sentada atrás de uma escrivaninha. Um rosto extremamente severo, de uma pessoa de cinqüenta e tantos anos talvez, me encara com olhos negros sem brandura.

– Señor, sabe usted hablar español?

– Muy poco.

– Bueno, Ia hermana va a servir de intérprete.

– O senhor é francês, foi o que me disseram.

– Sim, madre.

– O senhor fugiu da prisão de Rio Hacha?

– Sim, madre.

– Há quanto tempo?

– Perto de sete meses.

– Que fez durante este tempo?

– Estive com os índios.

– O quê? O senhor, com os guajiros? Isso não se admite. Esses selvagens nunca permitiram ninguém no seu território. Nenhum missionário conseguiu penetrar ali, imagine. Não admito essa resposta. Onde o senhor esteve? Diga a verdade.

– Madre, estava com os índios e tenho prova.

– Qual?

– Pérolas que eles pescaram.

Desprego o saco que está seguro com alfinetes no meio das costas do meu paletó e o entrego a ela. Ela abre o saco e dele sai um punhado de pérolas.

– Quantas pérolas há aí?

– Não sei, talvez quinhentas ou seiscentas. Mais ou menos.

– Isso não é uma prova. O senhor pode ter roubado em outro lugar.

– Madre, para que sua consciência fique em paz, se quiser eu fico aqui o tempo que for preciso para que possa se informar se houve um roubo de pérolas. Prometo à senhora não me mexer de meu quarto até o dia em que a senhora decidir o contrário.

Ela me olha muito fixamente. Suponho que deve dizer a si mesma: “E se você fugir? Já fugiu da prisão, daqui é mais fácil…”

– Deixarei com a senhora o saco de pérolas, que são toda a minha fortuna. Sei que estou em boas mãos.

– Bem, está combinado. Não, o senhor não precisa ficar fechado no seu quarto. De manhã e à tarde, pode descer ao jardim, quando minhas filhas estão na capela. O senhor comerá na cozinha, junto com os empregados.

Saio desta entrevista um pouco tranqüilizado. No momento em que vou subir ao meu quarto, a irmã irlandesa me leva para a cozinha. Uma taça grande de café com leite, pão preto muito fresco e manteiga. A irmã me vê comer sem dizer uma palavra e sem se sentar, de pé à minha frente. Tem um aspecto preocupado. Digo:

– Obrigado, minha irmã, por tudo que fez em meu favor.

– Gostaria de fazer mais ainda, mas não posso fazer mais nada, meu amigo Henri – e, com estas palavras, sai da cozinha.

Sentado diante da janela, olho a cidade, o porto, o mar. O campo ao redor está bem cultivado. Não consigo me desfazer da impressão de que me encontro em perigo. A tal ponto, que decido escapar na noite próxima. Tanto pior para as pérolas, que fiquem para seu convento ou para ela própria, a madre superiora. Ela não confia em mim e, além do mais, não devo me enganar, porque não é possível que não fale francês, uma catalã, madre superiora de um convento, portanto instruída. Isso é bem esquisito. Conclusão: nesta noite caio fora.

Sim, nesta tarde vou descer ao pátio, para ver o lugar por onde posso saltar o muro. Por volta da 1 hora, batem à minha porta:

– Desça, por favor, para comer, Henri.

– Sim, já vou, obrigado.

Sentado à mesa da cozinha, mal começo a me servir da carne com batatas cozidas, quando a porta se abre e aparecem, armados de fuzis, quatro policiais em uniformes brancos, um com galões, de revólver na mão.

– No te mueve o te mato! (Não te mexas ou te mato!)

Ele me põe algemas. A irmã irlandesa dá um grande grito e desmaia. Duas irmãs da cozinha a levantam.

– Vamos - diz o chefe.

Ele sobe comigo ao meu quarto. Minha trouxa é revolvida e encontram logo as 36 moedas de ouro de 100 pesos que ainda me restam, porém não examinam o estojo com as duas flechas. Sem dúvida, acreditaram que eram lápis. Com uma satisfação não escondida, o chefe bota nos seus bolsos as moedas de ouro. A gente sai. No pátio, uma viatura comum.

Os cinco policiais e eu nos amontoamos nesta droga de carro e Partimos a toda, conduzidos por um chofer com roupa de policial, negro como carvão. Estou arrasado e não protesto; procuro me manter digno. Não devo pedir compaixão, nem perdão. Seja homem e pense que não deve jamais perder a esperança. Tudo isso passa rapidamente pelo meu cérebro. E, quando desço do carro, estou tão decidido a ter o ar de um homem e não de um trapo e o consigo tão bem, que a primeira palavra do oficial que me examina é para dizer: “Este francês é bem calejado, não parece muito emocionado por estar em nossas mãos”. Entro no seu escritório. Tiro meu chapéu e, sem que me mandem, me sento, com a trouxa entre meus pés.

– Tu sabes hablar español? (Falas espanhol?)

– Não.

– Llame el zapatero. (Chame o sapateiro.)

Poucos instantes depois, chega um homenzinho com um avental azul e um martelo de sapateiro na mão.

– Você não tem o polegar da mão esquerda. Sim. Então é você.

– Não, não sou eu, porque eu não fui embora há um ano. Fui embora há sete meses.

– É o mesmo.

– Para você, sim, não para mim.

– Você é o francês que fugiu de Rio Hacha há um ano?

– Não.

– Você está mentindo.

– Não estou mentindo. Não sou o francês que fugiu de Rio Hacha há um ano.

Tirem-lhe as algemas. Tire o paletó e a camisa.

Ele pega um papel e olha. Todas as tatuagens são anotadas.

– Já vi tudo: você é o tipo do matador. Seja francês ou colombiano, todos os matadores são os mesmos: indomáveis. Sou somente o subcomandante desta prisão. Não sei o que se vai fazer com você. Por enquanto, vou botar você junto com os seus velhos camaradas.

– Que camaradas?

– Os franceses que você trouxe para a Colômbia.

Sigo os policiais, que me levam para um cárcere cujas grades dão para o pátio. Reencontro meus cinco amigos. A gente se abraça. “Pra nós, você estava salvo para sempre, meu camarada”, diz Clousiot. Maturette chora como rapazola que é. Os três outros também estão consternados. O reencontro me dá forças.

– Vá contando – dizem.

– Mais tarde. E vocês?

– Estamos aqui há três meses.

– São bem tratados?

– Nem bem, nem mal. Aguardamos para ser transferidos a Barranquilla, onde, parece, vão nos entregar às autoridades francesas.

– Aquele bando de miseráveis! E como faremos para fugir?

– Nem bem chegou e já pensa em fugir!

– Não, ora essa! Você pensa que entrego os pontos sem mais nem menos? Vocês são muito vigiados?

– De dia, não muito, mas de noite tem uma guarda especial para nós.

– Quantos?

– Três vigias.

– E sua perna?

– Vai indo, nem estou mancando.

– Vocês estão sempre fechados aqui dentro?

– Não, a gente passeia pelo pátio tomando sol, duas horas de manhã e três horas de tarde.

– Que jeito têm os outros, os prisioneiros colombianos?

– Tem uns caras muito perigosos, tanto os ladrões como os assassinos.

De tarde, estou no pátio, para falar em particular com Clousiot, quando sou chamado. Sigo o policial e entro no mesmo escritório da manhã. Aí encontro o comandante da prisão, acompanhado do que já me interrogou. A cadeira de honra é ocupada por um homem muito escuro, quase preto. Pela cor, puxa mais para o negro do que para o índio. Seus cabelos curtos, encarapinhados, são cabelos de negro. Tem cerca de cinqüenta anos, olhos pretos e maus. Um bigode curtíssimo pende sobre um beiço grosso de uma boca raivosa. Tem a camisa meio aberta, sem gravata. À esquerda, a fita verde e branca de uma condecoração qualquer. O sapateiro também está aqui.