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Terminadas as zumbaias de parte a parte, o samurai – que não fala chim, embora, tal como Zhi, saiba escrever os seus caracteres – desenha com uma cana na areia a frase Não sabemos de que nação é esta gente que trazes a bordo; deixa que o capitão a leia, apaga-a e volta a escrever: Parecem muito estranhos, não parecem?.

Entrega a cana a Zhi que traça no solo: São mercadores dos povos bárbaros do Sudoeste. Compreendem até um certo ponto a distinção entre o senhor e o servidor, mas não creio que tenham conhecimento da Via das Cinco Relações Humanas160 ou de qualquer sistema próprio de um cerimonial cortês. Como assim?, desenha Oribenoj-o, e o corsário rabisca: Quando bebem, não usam taças, comem com os dedos, não com paus, como nós. Mostram as emoções sem qualquer domínio e desconhecem a nossa escrita.

– Ah! – exclama o samurai, mirando as roupas dos dois estrangeiros, em particular os estranhos objectos de madeira com ferro, em forma de tubo comprido, que um traz ao ombro e o outro debaixo do braço. Escreve: Então esses nanbanjins comportam-se como bichos?.

Zhi abana a cabeça com complacência e desenha a frase: São mercadores, acostumados a deambular de lugar para lugar, trocando cousas que têm por aquilo que não têm. Não são assim tão estranhos, em geral, são bastante inofensivos.

Oribenojō sorri, aliviado, como se lhe tirassem um grande peso dos ombros e o corsário debuxa na areia: O nosso barco foi muito maltratado pelo tufão, precisamos de o consertar. O samurai acena em concordância e escreve: Estas águas são pouco fundas, não servem para acolher um grande navio. A treze ri161, na ilha de Tanega, existe o porto de Akogi162, que é morada dos meus antepassados; possui milhares de casas e os habitantes são muito abastados, graças aos tratos com mercadores do norte e sul. Faríeis melhor em navegar para esse porto, onde o mar é profundo e muito tranquilo. Eu levarei aviso ao daimyo Tanegashima Tokitaka, o décimo quarto senhor destas doze ilhas, e a seu pai, Shigetoki163. Esperai pela sua resposta.

Zhi regressa ao junco com os seus homens e Oribenoj-o cavalga mais de trinta e cinco milhas até à residência dos seus senhores, em Ak-ogi, para lhes fazer em pessoa o relatório do extraordinário acontecimento da vinda do Nanseigo ou Estrela do Sul, um grande junco que o povo nomeou já por nanbansen ou navio dos bárbaros do Sul.

Os juncos não podem navegar à volta do cabo sem ajuda, nem subir pela costa ocidental da ilha de Tanegashima, sobretudo na presente estação dos tufões, por isso o senhor Tokitaka, mal recebe a notícia da sua vinda, envia trinta barcos a remos para rebocar o nanbansen até ao seu porto, onde chega dois dias mais tarde, a vinte e sete de Agosto, hora do porco, ou seja, por volta das dez da noite, no tempo em que as ilhas do arquipélago se achavam em estado de guerra, sob o governo do imperador Konara e do shogun Josiharu.

Ainda a ampulheta não esgotara a areia da segunda hora, após a ancoragem na calheta para onde os rebocadores os haviam conduzido, já uma multidão, muito maior do que a de Nishimura Koura, acorrera ao porto. Encostado à bordadura do junco, Fernão segue com grande interesse o movimento e emoção das gentes da terra, que num súbito alvoroço abrem alas, lançando-se de rojo no chão, criando um largo corredor para dar passagem ao jovem daimyō Tokitaka e ao seu numeroso séquito, que se dirigem à praia onde os espera uma formosa funce164 muito embandeirada para os levar ao nanbansen.

Com toda a sua equipagem bem ordenada para lhe prestar homenagem, Wang Zhi acode a recebê-lo, tendo a seu lado O-tama, uma mulher das ilhas de Ryūkyū que lhe serve de tçuzzu ou intérprete para a língua chim e, a curta distância, os portugueses que dissimulam sob a roupa os mosquetes carregados. O capitão e Tokitaka trocam intermináveis cortesias, até o daimyō se certificar de que é seguro subir a bordo, o que logo faz, acompanhado por alguns parentes, gente nobre e mercadores que trazem baús e cofres cheios de prata para fazerem tratos.

São os portugueses que ali o trazem, curioso da novidade, pois o seu olhar colhe os cem ocupantes num rápido relance, indo pousar demoradamente em Pinto, Borralho e Zeimoto, vestidos com as roupas ocidentais nunca antes vistas naquelas paragens. Muito moço, de uns quinze anos de idade, o daimyō tem um rosto afável, olhos vivos e inteligentes que captam todas as particularidades do junco, como mostra com as suas perguntas e comentários a Zhi, enquanto o percorre da popa à proa.

Senta-se, com divertida estranheza, numa cadeira que o capitão lhe preparou na tolda e acena a Tadashi Shuza, um bonzo da seita Nichiren muito versado em textos chins, que vem postar-se atrás dele para lhe fazer a dupla interpretação nos assuntos mais elevados. É, todavia, a léquia O-tama quem traduz a primeira pergunta sobre os nanbanjins, dirigida ao capitão corsário:

– Necodá, vemos na diferença do rosto, barbas e trajos que estes homens não são chins. Onde os achaste? A que título os trazes a esta nossa terra?

– São mercadores, nobre senhor. Uma gente boa. sem nenhuma falta, que achei perdida em Lampacau e recolhi por esmola. Habitam uma terra chamada Malaca, há muitos anos sujeita ao rei de Pu-Li-Du-Jia165, um reino no cabo do mundo onde o sol se põe.

Tokitaka faz um gesto de espanto, dizendo para os do seu séquito:

– Que me matem, se não são estes os tenjikujins referidos nos nossos livros sagrados! Os que vêm voando por cima das águas, para fazerem tratos com os habitantes das terras onde se criam as riquezas do mundo. A profecia consumou-se pois eles visitam a nossa ilha em título de boa amizade.

– Somos chenchicogins? – pergunta Fernão por entre dentes. – Que cousa são, os chenchicogins?

– O língua referiu gente da Índia, estrangeiros.

O daimyō chama-os para mais perto dele e António da Mota junta-se-lhes. Vendo que os nanbanjins falam a língua chim, Tokitaka prossegue com a dupla interpretação:

– Como vos chamais?

Dizem os nomes e o bonzo, muito seguro do seu saber, traslada Francisco Zeimoto em Furanchisuku Chimoro, Cristóvão Borralho em Kirishita Bōryōshukusha, designando António da Mota apenas por Da-Mōta e Fernão Mendes por Murashukusha. Tratando-os por estes nomes, com grande afabilidade, o daimyō faz-lhes muitas perguntas sobre as suas vidas, mostrando ser um governante curioso e inclinado a coisas novas, apesar da sua juventude. Respondem-lhe o melhor que podem, de modo a comprazê-lo, avaliando o gosto que o moço tem naquela prática pelo tempo que gasta com eles. O sol declinava quando Tokitaka dá a conversa por terminada, fazendo-lhes um convite que o língua dirige a Zhi:

– O templo budista de Jionji pertence aos monges de Nichiren Hokku, a principal religião de Akōgi. É assaz grande para alojar os cem membros do teu nanbansen, enquanto estiverem a repará-lo. Podeis ir para lá quando quiserdes.

O daimyō interrompe os agradecimentos efusivos do capitão, para se despedir dos portugueses:

– Furanchisuku, Murashukusha e Kirishita, amanhã ide ver-me a minha casa. Levai-me um grande presente de novas desse grande mundo por onde andastes, das terras que tendes visto, porque vos afirmo que essa só mercadoria comprarei mais a meu gosto que todas as outras.

A pedido de Zhi, Tokitaka ordena a Tadashi Shuza que durma essa noite no junco, a fim de responder às perguntas dos tenjikujins e de os acompanhar na manhã seguinte a sua casa. Fazem-lhe muitas zumbaias, até ele embarcar na sua funce e partir. Mal o barco se afasta, os portugueses levam o bonzo para um coberto, onde o crivam de perguntas sobre o arquipélago e as suas gentes.

– A nossa nação é composta de muitas ilhas, algumas separadas apenas por pequenos golfos ou braços de mar. A principal é Nipongi, Princípio do Sol, porque é a mais oriental, a primeira onde nasce o sol e jaz a cidade de Meaco com a corte e residência do imperador. Esta ilha tem a figura de um leão, de rosto para o nascente, o flanco virado para a terra da China, na província de Mangi, da qual dista cerca de quarenta léguas. O seu cabo é da feição de uma cauda de raposa sobre as grandes ilhas de Ximo e Xicoco. Nipongi está dividida em cinquenta e seis governanças, Ximo tem dez governanças, divididas por quatro senhores, os Iacatas, sendo o de Bungo o mais poderoso. O senhor de Tanegashima governa sobre doze ilhas.