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– Tereis de vos contentar com a linguagem dos gestos. Espero que tu sejas um bom conversador, mesmo sem a dupla interpretação. – interrompe Zeimoto, provocando novos risos, acrescentando por entre gargalhadas: – Mas, se precisares, olha que eu não me importo de te servir de língua.

– A casamenteira disse que o compromisso será selado pela carta do dia seguinte, em que confirmareis o vosso agrado pela noiva e o casamento – conclui o corsário, quando os risos abrandam. – Sem isso, a família não poderá tratar da cerimónia. Para ganhar tempo, como não conheceis a língua, pedi ao monge tçuzzu que a escrevesse nos termos habituais. Aqui a tendes – estende a carta a Fernão que, de tão pasmado, a recebe sem dizer palavra. – Dos presentes para a noiva e seus pais me encarrego eu.

A novidade da carta do dia seguinte fechava a cadeado o colar de ferro que lhe tinham lançado ao pescoço, qual vítima de uma intriga, apanhada à traição e metida em cadeias, sem direito a apelação.

– Além do segredo da pólvora e das armas, que mais esperam de mim, a noiva e a família? – pergunta com ironia, num último assomo de brio. – E onde irei viver com a minha esposa?

– A família Yaita é muito tradicional – esclarece Zhi. – A casamenteira disse-me que é costume as suas filhas continuarem a viver em casa dos pais até ao nascimento do primeiro filho. O marido pode ir viver com a esposa e trabalhar para eles como um filho adoptivo ou apenas visitá-la algumas noites, regressando a sua casa depois de cada visita.

– Do mal o menos.

– Tereis sempre de lhes prestar alguns serviços, como um bom filho, os quais terão a ver.

– .com o fabrico das armas, não digas mais! – atalha Fernão, resignado.

Bebe o último trago e desce ao reservado a fim de se preparar. Iria receber a futura esposa com um sorriso nos lábios, porque a homem desamorado não se pode ter amor e a moça também fora obrigada àquele casamento, forjado pela ambição da família. Para mais, tinha o dobro da sua idade e uma aparência que costumava assustar os meninos que o viam passar nas ruas de Ak-ogi, embora procurasse atenuar as diferenças quer no trajo quer no corpo, banhando-se tantas vezes quanto eles, aparando as barbas e os cabelos, por saber que tomavam o excesso de pêlo como coisa de bárbaros, sem polícia. A educação e disciplina, tanto dos homens como das mulheres e crianças, dava-lhe uma certa esperança de que, mesmo aterrorizada com a sua vista, a noiva não começaria aos gritos nem saltaria do junco para o mar, embora pudesse sofrer um vagado e cair no chão desacordada.

Desejara com toda a sua alma o casamento com Huyen, a Noiva Roubada, a quem amara com uma desatinada paixão, que perdurara além da sua morte; na China, aceitara o amor da desafortunada Meng, esperando que a amizade com o tempo se fizesse bem-querer, tornando-lhe o desterro menos penoso. Ainda mal refeito da sua perda, impunham-lhe esta noiva que não conhecia, nem desejava, mas não podia recusar.

A chegada da funce que transportava as duas mulheres com os seus criados fê-los acorrer à amurada, para as receber. Foi um momento atribulado, o da sua passagem para o junco, com Zhi e Mota a içarem Fukumi, auxiliados pelos desajeitados servos e Borralho a ajudar a imobilizar o barco para o noivo receber Wakasa nos seus braços.

É leve, graciosa como uma boneca de louça e, antes de a pousar no convés, Fernão sente-lhe o medo no corpo que treme, na respiração entrecortada como se lhe custasse respirar. Condói-se da pobre menina, vítima inocente de uma intriga de ambiciosos, enviada ao junco como uma rês ao açougue ou, pior ainda, como uma condenada sem culpa ao cutelo do carrasco.

Contempla-lhe o rosto pela primeira vez e o abalo que sente é semelhante a um murro no estômago; um vagado enevoa-lhe os olhos, cambaleia como se estivesse bêbado e só com muito esforço logra recompor-se. Apesar do alvaiade que lhe cobre o rosto, dos olhos baixos, por timidez ou modéstia, Wakasa é a viva imagem da Noiva Roubada. Na sua turvação, Fernão pensa se não será o sake que lhe subiu à cabeça ou se, mau grado o devaneio com Meng, a sua paixão por Huyen ainda arde no seu coração como um rescaldo de fogueira, cuja flama a presente situação da noiva forçada veio reacender, como um sopro infernal, ensandecendo-o a ponto de o fazer imaginar fantasmas.

Ninguém se apercebe da sua perturbação, porque nesse momento o capitão acolhe as recém-chegadas com palavras corteses, a que a senhora Fukumi responde apropriadamente, entregando-lhe em seguida os presentes enviados pela família da noiva com o recado de Kiyosada para o Capitão Murashukusha: Se me ensinardes a fundir espingardas, dou-vos em recompensa esta minha humilde filha.

VIII

Mãe, que é casar? Filha, é fiar, parir e chorar

(português)

Genealogia da família Yaita Kiyosada:

O plano [de Kiyosada] resultou bem e ele conheceu o método da sua fabricação. Contudo, apesar de moer o cérebro, não conseguiu dominar a técnica do fechamento do cabo da coronha.

Passados alguns meses, o nanbansen soltou as velas e partiu com a sua filha a bordo. No momento da partida Kiyosada recebeu muitos presentes do nanbanjin.

No ano seguinte, o Kinoe tatsu [o décimo terceiro ou ano do dragão, mil quinhentos e quarenta e quatro], chegou outro nanbansen e ancorou ao largo de Kumano junto de Sakaimura. A bordo vinha Wakasa e pai e filha reuniram-se de novo.

Por felicidade vinha no navio um ferreiro e, com ele por professor, Kiyosada logrou aprender a técnica do fechamento do cabo da coronha.

Nesse tempo, estava lá também Tachibanaya Matasabur-o de Sakai em Izumi que, considerando os teppō uma maravilha, fez Kiyosada seu professor e aprendeu a sua técnica.

Os Senhores consideraram que os dois teppō eram para a glória do Japão. Foram tesouros da família durante anos, mas perderam-se num incêndio.

Fernão Mendes vê-se a viver um pesadelo do qual não consegue despertar. Apenas numa semana conhecera Wakasa, dormira com ela, casara-se e começara a trabalhar com o futuro sogro. Kiyosada fora o causador desse frenesim, como se a noiva estivesse prenhe e o casório fosse um caso de sangria desatada, para prender o pretendente antes que ele pudesse embarcar no junco e fugir.

Sem nenhum escrúpulo, em troca de uma informação que ele não saberia dar-lhe, Kiyosada tinha-lhe metido a filha na cama, à força, indiferente ao seu sofrimento, como se ela fosse uma escrava ou cortesã e não uma donzela inocente. Tão singela e assustada, na primeira noite no junco, que a concubina Oe, deixada por Fukumi para dar amparo à sobrinha, fora deitar-se com eles, decerto cumprindo ordens da matrona.

Pensar nesse episódio, apesar do agastamento que lhe causara a situação, fá-lo sorrir com ironia e alguma vergonha. O muito sake que consumira, para afogar as visões de Huyen que o atormentavam quando olhava para Wakasa, não lhe deixara grandes recordações dos sucessos passados no reservado do junco. Lembrava-se do seu pasmo ao ver a concubina entrar na câmara, cheia de zumbaias, ajoelhar-se ao lado de Wakasa que chorava, sossegá-la com palavras murmuradas, cálidas como afagos, soltar-lhe com sorrisos maliciosos os cingidouros e laços de seda da roupa e, deitando-se a seu lado no leito, guiar a donzela em voluptuosos jogos de Vénus para o seduzir.

De espírito turvado pelo vinho, deixara-se envolver na macieza da rede tecida a quatro mãos sobre o seu corpo, embalado pelos sussurros e suspiros deleitosos. Seduzido pelo calor dos corpos macios – o de Wakasa, esbelto e intocado, o de Oe, voluptuoso e sedento –, acabara por adormecer e sonhar com a Noiva Roubada, sem se dar conta se teria tido conversação com a sua prometida, se com a concubina de Kiyosada ou mesmo com as duas.

Despertara de madrugada, com o choro que Wakasa abafava na manga do quimono. Estavam sós e ele afagara-a com ternura, procurando consolá-la com as poucas palavras de amor que conhecia em língua chim, dos poemas que ouvira em casa do monteo ou nos Jardins das Flores, dizendo-as com voz doce e carinhosa, como se falasse com uma criança, até ela deixar de tremer e corresponder obedientemente às suas carícias. Fernão tomara-a de novo, sem pressas nem violência, beijando-a com a ternura que quisera dar a Huyen e Wakasa, num gesto inesperado, deitara-se sobre o corpo robusto do nanbanjin e abrira-se como uma flor ávida de seiva, sem mostras de medo ou de repulsa.