Выбрать главу

Os crisântemos, os cardos, as campainhas e os amores-perfeitos alinhados nos seus canteiros em doce harmonia não partilham da sua dor. As libélulas volteiam em frenéticas danças orquestradas pelas cigarras e os grilos, indiferentes ao seu desespero.

Do seu diário, escrito ao modo das histórias do Genji, da sublime Murasaki Shikibu, para onde copiara os poemas apropriados a cada sentir da sua alma, havia um, de Yamanoe no Okura, reservado aos dias de alma sombria:

Este nosso mundo

é cheio de horror e pejo.

Apesar de o sentir

não voo para longe

porque não sou ave.

Murashukusha fora enviado por Tokitaka a Satsuma, deixando-a livre por algum tempo para pensar na vida que a espera e num milagre que a possa salvar. Correra ao templo a purificar-se, fizera as suas ofertas, rogara a ajuda dos céus e os augúrios tinham-lhe sido favoráveis.

O pai parecia descontente com os nanbanjins em geral, e com o seu genro em particular, queixando-se da pouca ajuda que lhe prestava no fabrico das teppō e ela ouvira-o confessar à mãe que estava arrependido de a ter oferecido a um nómada estrangeiro, sacrificando a felicidade da filha em troca de quase nada. Haviam obtido o segredo do my-oyaku, o que menos lhe interessava, porque beneficiava muito mais Sasakawa Koshir-o, que já fizera testes e obtivera resultados, ao passo que as suas teppō, continuavam a ter a coronha lassa e a rebentarem depois de alguns disparos.

No junco que trouxera os nanbanjins, os trabalhos tinham terminado, o capitão estava a abastecê-lo de provisões e mercadorias, a fim de partir para apanhar a monção. Murashukusha não tardaria a regressar de Satsuma e Wakasa crê ser o momento asado para convencer o pai, que se sente enganado pelo genro, a salvá-la da infelicidade e do seppuku, que não hesitará em cometer se ele a forçar a seguir o marido.

XIII

Remexe no arbusto e dele sairá uma cobra

(japonês)

Da vaidade e falsa aparência destas virtudes dos japões:

Para ganharem e conservarem a reputação daquela honra, cortesia, modéstia e constância que vimos, nenhuma cousa procuram os japões com mais cuidado que o segredo dos próprios corações; por onde desde o berço se criam em esconder e encobrir o que entendem e desejam, não menos aos amigos que aos grandes inimigos; não mais aos estranhos, que aos próprios pais os filhos; e uns aos outros os parentes, irmãos, mulheres e maridos.

Donde se segue ser todo o seu trato um perpétuo fingimento e viva mentira, sim por não e não por sim, sem direito nem avesso; com tanto artifício e dobreza que, se algum modo vos fica, para atinardes com o que pretendem, é tomar ao revés quanto vos mostram e dizem.

Porque se nas palavras se mostram sofridos e compostos, por se autorizarem, nas obras, por se vingarem, são no extremo levados da ira, arrebatados e atraiçoados. Por maravilha se mata um homem (e matam-se muitos) que não seja entre os abraços (do matador que se contenta) com ficar mais quieto e seguro, acabando de cortar um homem pelo meio, quando se dele mais fiava, do que representava estar pouco antes conversando e comendo ambos.

Fazem-se muitas vezes algozes de si mesmos, encarecendo-lhe tanto qualquer perda na honra, e tão pouco a da vida, que mui levemente rasgam com os punhais as próprias entranhas, por não passarem a menor afronta. E é isto tão ordinário, que até os moços de catorze e quinze anos se matam intrepidamente cada hora no rosto dos pais, só por lho sentirem, e não lho sofrem carregado.

(História da Vida do Padre Francisco Xavier,

de P.e João de Lucena, 1600)

– Quando? Como pôde? – titubeia Fernão. – Ninguém deu por isso?

Em vez das saudações efusivas que esperara de Borralho e Zeimoto, quando lhes aparecera de surpresa, recebera a notícia que o deixara varado de espanto.

– Fê-lo muito escondidamente, quiçá de madrugada – responde Cristóvão, com pesar. – Foi a senhora Oe que encontrou o corpo.

– Uma moça, quase menina, mata-se rasgando o ventre com uma espada e ninguém na casa dá por nada? – repete incrédulo. – Wakasa não gritou quando a lâmina lhe cortou as carnes ou soltou sequer um gemido? Como foi possível? E porquê?

– Não conhecemos o caso com minudência.

– Consta que tinha medo da viagem ou não queria deixar Tanegashima – aventura Zeimoto.

– Eu nunca a forçaria a seguir-me, se não fosse essa a sua vontade!

– O corpo vai ser cremado hoje, no templo de Jionji, segundo a sua Lei – informa Borralho. – Não podiam aguardar mais pela tua vinda. Só te esperavam amanhã ou depois.

– O daimyō de Satsuma deu-me uma funce muito veloz – explica, alheado, para logo inquirir: – Fostes ao velório?

– Não. A família guardou muito segredo – diz Zeimoto e acrescenta com estranheza: – Mesmo Tokitaka crê que a moça morreu de maleita contagiosa, porque o corpo não esteve exposto, nem foi velado pela família.

– Quero ir ao templo já. Quero vê-la – murmura Fernão, afligido por remorsos que lhe põem lágrimas nos olhos.

– Nós vamos contigo – oferece Zeimoto, pensando no azar do amigo que em tão pouco tempo perdera as três mulheres que amara.

A caminho do templo, os dois companheiros guardam silêncio por respeito ao seu recolhimento em pensamentos dolorosos que lhe crispam o rosto. O sobrescrito do homem é a culpa e a sua é bem pesada se, por sua causa, duas formosas moças se matavam com as próprias mãos para não serem obrigadas a viver com ele. Tanto Wakasa como Huyen tinham preferido a morte voluntária à vida forçada a seu lado e Meng, que o amara, desaparecera na voragem dos tártaros, talvez por ele não ter feito um verdadeiro esforço para a proteger e salvar.

Os homens que não sentem são tanto pior que bestas quanto neles degenerou a natureza, mas ele não é uma fera sem entranhas: embora se sentisse humilhado, ferido no seu orgulho de homem pelo ódio e desprezo, primeiro de Huyen e depois de Wakasa, fora sensível ao sofrimento de ambas, tentara mesmo minorá-lo, apesar de também ele ser um peão dos Fados ou da Divina Providência que puseram essas mulheres no seu caminho, para o tentarem e lhe fazerem perder a alma ou o ensandecerem de dor.

Poderia ter evitado a morte das duas moças? E a de Meng? Não desejara o seu mal, mas o seu bem. Se não tivesse resgatado Huyen, como não a podiam devolver à família, acabaria por ser violada e fornicada pela tripulação durante o resto da viagem, depois vendida num mercado de escravas para um qualquer bordel de Liampó, Malaca ou Goa. Ele, pelo contrário, amara-a como a uma deusa, cortejara-a como a uma princesa, procurando conquistá-la com a sua devoção, desejando desposá-la e levá-la para o reino. Em vão ansiara por algumas migalhas do amor que ela votava ao noivo e só por desesperado ciúme a forçara, na esperança de vir a ser amado; por fim, apesar de ferido e humilhado pelo seu ódio, procurara salvá-la da morte com risco da própria vida.

Tão-pouco quisera causar a desgraça de Wakasa, não a roubara de sua casa, não a forçara a um casamento que também lhe desagradava; fora Kiyosada, o seu pai, a sacrificá-la sem remorsos aos seus próprios interesses. Condoído do seu desgosto e maravilhado pelas suas parecenças com Huyen, procurara não repetir os erros que cometera com a Noiva Roubada, usando para com ela de mil gentilezas, devotara-se a causar-lhe prazer, numa inversão de papéis que espantaria decerto qualquer esposa, consorte ou concubina, comum ou de qualidade, naquela terra.

Eram ambos culpados de fingimento e se, como diz o vulgo, entre culpados as culpas criam amor, julgara ter vencido o obstáculo, quando ela lhe correspondera às carícias com um fervor arrebatado de mulher enamorada. Engano seu, porque a amar e a rezar ninguém pode obrigar. Em boa verdade, o rosto de Wakasa mostrara-se sempre como uma folha em branco ou então fora ele que não soubera ler e interpretar os sinais da angústia e do martírio.