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A chegada de Niyai Pombaya, a Irmã Mais Velha, uma mulher de sessenta anos de idade, viúva do supremo imã Kiyai Pembayun, enviada por Trenggana, o imperador de toda a ilha de Jaoa, Angenia, Bali, e Madura, com todas as mais ilhas deste arcipélago – os títulos que o tirano mouro atribuíra a si próprio – veio estilhaçar a paz e os negócios dos portugueses.

O reino gentio de Sunda ou Banten, outrora aliado dos portugueses, fora subjugado no ano de vinte e sete com grande violência e mortandade, por Trenggana, o sultão muçulmano de Demaa, na costa norte de Java Central, sendo agora seu vassalo. No entanto, apesar da mudança de poder e de religião, o rajá Hasanudin consentia que a sua gente fizesse tratos comerciais com os portugueses, de modo que eram frequentes as viagens de Goa ou de Malaca a Banten para resgatar pimenta, como fora o intento de Fernão.

Estando sujeito ao Pangeran de Demaa, com cuja filha casara, o rajá quis ir em pessoa, com grandes mostras de cortesia, receber a embaixadora Niyai Pombaya ao seu calaluz, um pequeno mas rápido barco a remos muito comum nos mares de Java, que atracara ao cais. A ostentação e pompa do seu cortejo fizeram pasmar Fernão e os restantes portugueses.

Todos os caminhos do percurso real, desde os paços ao cais, tinham de cada lado incontáveis estandartes e bandeiras a esvoaçarem ao vento, intervalados por páyungs ou pára-sóis de três fieiras, de seda franjada, ornamentados com ouro, assim como grande número de gamelans com os músicos a tangerem com todo o vigor a panóplia dos seus instrumentos. Uma fila interminável de lanceiros com os seus trajos de guerra, de cuja faixa de cintura de várias voltas pendiam a espada e três crises, um de cada lado e o terceiro atrás, exibiam-se em atitude de combate.

Nenhum pormenor fora descurado para mostrar a riqueza e o alto estado do rei, a começar pelo páyung cor de ouro que só ele pode usar, erguido bem alto por um portador na frente do cortejo. Numa carreta puxada a cavalos, em forma de leito, com um belo trabalho de marcenaria, vem Hasanudin, nu da cintura para cima, com o torso e os braços cobertos por um pó amarelo brilhante. Ornado com muitas jóias, traz um pano de seda a envolver-lhe as ancas, caindo em pregas, apertado por uma faixa de cintura, onde brilha o punho trabalhado do cris de ouro. A seu lado repousa o escudo, com incrustações de pedras preciosas, mais por vaidade do que para se proteger dos ataques traiçoeiros de um qualquer amouco ou rival que lhe cobice o trono, porque para o defender tem a sua poderosa hoste de lanceiros, os wáhos. Seguem-no oito portadores das imagens do elefante sagrado e do touro e um segundo grupo de palafreneiros que conduz quatro cavalos ricamente ajaezados.

Atrás da carroça vão os nobres com as insígnias do poder real, umas figuras douradas de um palmo de altura, representando um elefante, uma serpente, um touro, um veado e um galo de combate. Seguem-nos os carregadores de utensílios do serviço de Hasanudin, como o dámpar, o banco de ouro ou prata com almofada de veludo onde se senta, a caixa do bétele e o pote para cuspir, a bolsa com uma erva misturada com anfiam ou ópio186, que ali se fuma para avivar os espíritos, o seu cachimbo, o tapete, as salvas e recipientes da herança muito venerada da família real, e ainda dois cavalos de sela com os seus moços tratadores, quatro baús levados em ombros por dois homens, respectivamente com as roupas do rajá, as armas pessoais, os jaezes dos seus cavalos, as provisões e tudo o mais que o soberano possa vir a precisar, estando fora do palácio.

À passagem do cortejo, todos baqueiam, fazendo o dódok, sentados nos calcanhares, de mãos postas, erguidas até à testa, em sinal de acatamento e obediência. Apinham-se no cais, a uma distância conveniente, ávidos de verem o espectáculo dos cumprimentos reais, mas também de saberem a razão da visita da emissária do poderoso Pangeran Trenggana, que sempre é prenúncio de sacrifícios para o povo.

Hasanudin desce da sua carroça e os chefes vêm fazer-lhe a saudação de obediência, beijar-lhe o joelho, o peito do pé ou a sola do sapato, segundo a diferença de estado de cada um. O rajá dirige-se em seguida ao calaluz para saudar e conduzir Niyai Pombaya aos seus paços, onde pousará com a rainha, sua esposa. Durante o tempo que a embaixadora permanecer no reino, a fim de mais a honrar, el-rei ocupará outros aposentos, afastados dos das mulheres.

Fernão admira a importância e o respeito que são dados naquelas terras às mulheres, a quem os reis confiam as embaixadas dos negócios mais delicados, quando se requer paz e concórdia entre os reinos, tão diferente do uso português.

– É um costume antiquíssimo nestes reinos os sultões escolherem donas viúvas ou casadas para as suas embaixadas – explica-lhe o jau que lhe serve de língua, rindo-se da sua perplexidade. – As mulheres, graças à sua branda natureza, ganham o respeito da parte contrária e são capazes de levar a bom termo as missões mais difíceis, porque têm mais afabilidade, autoridade e paciência do que os homens, que são secos e, por isso, muito menos agradáveis ao trato.

– Que atributos tem de ter essa mulher para ser embaixadora? Pode ser qualquer dona ou donzela?

– Para que possa fazer o negócio bem feito, ela tem de ser esposa legítima, mãe de filhos criados ao peito ou viúva honesta. Não pode ser solteira nem demasiado formosa, porque perderá a honra ao sair de casa e, por ser mais motivo de desinquietação nas cousas em que se requer concerto, que de as trazer ao fim da paz e concórdia que se pretende. Que quererá ela d’el-rei?

Mais uma vez não se enganara a arraia miúda, sujeita como sempre à vontade dos poderosos, a que não podem resistir. A ordem, disfarçada de recado, era uma convocação para a guerra: No termo de mês e meio, o sultão Hasanudin deverá ir com o seu exército encontrar-se com o Pangeran Trenggana, na cidade de Japara, onde o imperador se está a fazer prestes para ir acometer a cidade de Panarukan, do reino gentio de Blambangan, no nordeste de Java.

Depois da partida do cortejo, de regresso ao paço real, com el-rei a cavalo e Niyai Pombaya posta na carroça, com as cortinas corridas, a multidão dispersa sem alegria, falando baixo como a medo, sobretudo as mulheres do povo que choram. Fernão fica a observá-los, captando-lhes as expressões e reacções a uma notícia que lhes trouxe uma ameaça de dor e morte.

Os homens são atarracados, grossetes, de peitos largos, rostos grandes, as barbas peladas, tal como os demais pêlos do corpo, por vaidade e galanteria; tosquiam a cabeça por baixo, deixando um tufo de cabelos levantados no alto, como a crista dos seus galos de combate. Os ricos e principais da terra usam um pano largo de algodão pintado ou de seda, até meio da coxa, os de baixa condição cobrem-se com um pano branco de algodão, atado à volta da cintura, que passam por entre as pernas e prendem atrás, muito mal entrouxado. Sempre com o seu inseparável cris à cintura ou às costas, de punho ricamente trabalhado e lâmina ondulada como uma cobra, feita para esgaçar a carne do inimigo e causar feridas muito difíceis de sarar, a que também acrescentam peçonha.

As mulheres untam o rosto e o corpo com uma mistura de óleo perfumado e um pó amarelo, para os fazerem macios, tingem os dentes de negro como as de Samatra e metem pesados ornamentos nos lóbulos das orelhas, estirando-os como compridos fios de carne, com o cabelo longo, brilhante de óleo, preso num carrapito por paus de madeira, prata ou ouro. Usam um pano em volta do corpo, atado acima dos seios que cai até abaixo do joelhos ou pelos tornozelos.

As de mais qualidade não se mostram fora de casa e, quando saem, vão dentro de um norimon, uma espécie de gaiola ou jaula de topo cónico, com uma argola por onde passa um bambu grosso que é levado ao ombro por dois escravos; a gaiola é toda tapada à volta para que não se veja quem lá vai dentro, escoltada por eunucos, de que há grande quantidade na terra para estes serviços, por serem os jaus muito ciosos. Um homem pode ter todas as mulheres e concubinas que consiga manter, todavia, sendo tanto eles como elas muito ciumentos e vingativos, a paixão que mais frequentemente os leva ao crime é o ciúme, em que se fazem amoucos.