Выбрать главу

Quanto a ela e ao filho, logo se veria. Não pensava deixar Cochim, onde se sentia melhor do que em Portugal. A vida e o trabalho não a assustavam e conseguira juntar algum dinheiro nos sete anos que vivera como mulher do capitão da fortaleza. Sabia que podia contar com a ajuda de Surendra para se meter em negócios de tratos, de que conhecia todos os meandros e a gente certa para tudo o que necessitasse.

Haveria de criar o filho em Cochim, providenciar-lhe-ia uma boa educação, de modo a que Diogo pudesse subir na vida. Com a bênção de Afonso de Albuquerque, Iria alcançara também a sua alforria e encetava uma nova vida, ao entrar com um sorriso de confiança na torre que abria as pesadas portas para a acolher.

38 Livres, independentes.

39 Meninas escravas de várias raças, que se compravam ou cativavam nas guerras.

40 Leilão em hasta pública.

41 Ãdil Shãh, o Hidalcão das crónicas portuguesas era o sultão de Bijãpur, na Índia.

42 O rolo da massa.

43 Deutroa em alguns cronistas, uma planta cujas sementes em pó fazem dormir.

DIU

Estando o sultão de Cambaia [Madrefaxa, avô do sultão Bahadur] um dia sentado à porta da tenda, passando um milhano voando pelo ar, deu uma tolhedura, a qual lhe caiu na cabeça, e como os Mouros tenham muito respeito a qualquer leviandade destas, reduzindo-as a futuros efeitos, este rei, muito agastado, bradou, dizendo: Não haverá quem mate aquele milhano? Ninguém pôs nisso cuidado, por quão longe a dita ave já ia, senão um tártaro de nação que no exército ganhava seu soldo, por nome Melequeliaz, o qual ouvindo o que el-rei dizia, conquanto já viu o milhano mui afastado, confiado em sua força e destreza, pôs uma frecha no arco, atirou-lhe, e tão bem a guiou que veio o milhano ao chão atravessado na frecha. Muito satisfez a el-rei o tiro, por se haver por livre de algum mau prognóstico, que dali podia inferir; e, agradecendo ao tártaro a diligência que pôs em o servir . E desejando-lhe fazer mercê, sendo-lhe do dito Melequeliaz pedida aquela ilha de Diu, com sua povoação, não somente lhe deu o que lhe pedia, mas também houve por bem que na terra firme houvesse duas ou três léguas, quanto se estendia a mesma ilha.

(O Primeiro Cerco de Diu, por Lopo de Sousa Coutinho que nele tomou parte)

IV

Enquanto não conheceres o Inferno, o Paraíso não será bastante bom para ti

(árabe)

No fim deste ano de 1534, veio el-rei Humaium Padixá, filho de Baber Padixá, – queira Deus iluminar a câmara de ambos! – já rei de Deli, sobre o Guzerate, destruiu algumas das suas cidades, e desbaratou Bahadur Shāh. Este, receoso de Humaium, mandou pedir auxílio aos franges, que se apressaram a dar-lho, depois que por um tratado de paz lhes foram cedidos alguns portos, como Baçaim, Bombaim e outros mais, de que tomaram logo posse com todas as povoações e terras em roda.

Os franges auferiram grandes vantagens destas possessões, e engrandeceram o seu poderio, sobretudo com a posse de Diu, onde dominaram com toda a autoridade, recebendo metade dos impostos, a qual eles enobreceram e fortificaram. Os franges havia muito que cobiçavam a sua posse, e tentaram-no por diferentes vezes no tempo de Melique Iaz e no de seus filhos, mas sem êxito, graças a Allah todo poderoso.

Porém, quando a vontade deles se encontrou com a vontade de Allah, não lhes foi difícil; depois Allah glorioso e excelso entregou nas suas mãos a força, e eles mataram [Bahadur] e deitaram o seu corpo ao mar. Certamente nós pertencemos a Allah e a ele havemos de volver! A vontade de Allah é o destino decretado por ele! A sua morte foi a treze de Fevereiro do ano de 1536. E depois da morte d’el-rei Bahadur Sh-ah eles senhorearam completamente Diu, porque assi o determinou Allah todo poderoso e omnisciente, cujos decretos são inevitáveis e a sua vontade invencível.

(O Mimo do Campeão da Fé, de Zinadim, manuscrito do séc. XVI)

– É Diu! Por fim chegámos! – brada Bento Castanho.

Fernão acerca-se do homem que lhe matara enfado da navegação com as suas histórias e sorri com a ideia de que talvez um dia se venha a cruzar com Diogo Botelho Pereira, em qualquer porto dos sete mares por onde os portugueses navegavam, pois ouvira dizer que ele se achava de novo na Índia.

– O mar anda tão afumado esta noite – resmunga o mestre – que mal se enxerga a costa!

O capitão Jorge Fernandes Taborda dá ordem para chegar a nau bem a terra, a fim de saber algumas notícias, porque homem prevenido vale por dois e havia demasiados rumores da presença da armada dos turcos. Fernão lamenta a chegada da noite que o impede de ver Diu do lado do mar. Fora o primeiro porto da Índia que pisara, no ano de trinta e sete, e gostara logo da cidade, cercada por muralhas e fosso que a ligavam à imponente fortaleza de S. Tomé, a mais forte e inexpugnável de todas as fortificações que se fizeram na Índia.

Construída na ponta de Diu – cortada da terra firme por um rio de água salgada, formando uma ilha de duas léguas de comprimento e meia légua na parte mais larga –, a fortaleza estava protegida do lado do poente por recifes que não permitiam a passagem de navios; do levante, tinha um bom porto para a entrada de grandes naus de carga e de guerra, em frente do qual ficava a fortaleza de Baçaim, para lhe dar apoio em caso de necessidade.

De forma triangular, as muralhas estendiam-se até ao cimo da colina e de novo seguindo a direito até ao rio, por três grandes baluartes44 e duas torres, com a entrada de rosto para a cidade. Desse lado mais vulnerável, os muros com peitoril estavam protegidos por uma funda cava e, da banda do mar, a defesa era assegurada pela própria natureza, com uma penedia altíssima e escarpada. Dentro da fortaleza havia casas para seiscentos homens, uma igreja do orago de S. Tomé e duas cisternas cobertas.

Ao longo da costa avistam-se inúmeros fogos e, de tempos a tempos, sons de artilharia que põem em sobressalto tripulantes e passageiros.

– Amainai o traquete – ordena o capitão, depois de tomar conselho dos seus oficiais e gente principal. – Pairaremos com pouca vela e ao amanhecer saberemos o que se passa.

O resto da noite esfuma-se depressa e em desassossego, ninguém consegue dormir, de olhar preso no vulto da fortaleza que, no alvorecer, se torna a cada instante mais visível e nítido. Está cercada por uma multidão de galés e outros navios de velas latinas.

– É armada do reino, comandada pelo vizo-rei D. Garcia de Noronha! – alvitra alguém.

Em Ormuz, Fernão tivera notícia da chegada do vizo-rei da Índia, sobrinho do grande Afonso de Albuquerque.

– Não me parece – contraria o capitão. – Será talvez o governador Nuno da Cunha, vindo de Goa para fazer pazes com Mahmud, o novo sultão de Cambaia pela morte de Bahadur.

– Hão-de ser as fustas do Samorim de Calecut, sob o comando de Patih Marakkar, a cercar a nossa gente.

– O Samorim não tem destas galés! – exclama Bento Castanho, olhando para a barra, ansioso. – O que estais a ver é a armada dos rumes.

– Os turcos? – grita, assustada, a mulher do mercador de Cochim.

– Olhai! Que esquife é aquele?

O pequeno barco acercava-se tão veloz quanto lhe permitiam a corrente e a força que o homem imprimia aos remos. Com a roupa em farrapos, manchado de sangue e enfarruscado, parece um fugitivo negro, da casta dos intocáveis e da nau apontam-lhe os arcabuzes.

– Sou português! – brada o homem, mas os soldados não baixam as armas, e ele acrescenta impaciente: – Sou Tristão Gomes, bombardeiro. Os rumes tomaram a cidade e puseram cerco à fortaleza.

O nome parece familiar a Fernão, embora não reconheça o homem assim farrusco, nem sequer quando ajuda Bento Castanho, igualmente muito interessado nele, a içá-lo para a Cisne, porém, antes que chegue à fala com o capitão, os vigias dão o alarme. Cinco galés com grandes velas ou arrimões, em vez das bordadas mais pequenas, tinham largado do porto a todo o pano, com as suas bandeiras e os longos estandartes quarteados de verde e roxo a ondular, já bem visíveis na luz do sol que se erguia.