Terminadas as cerimónias, com a libertação de pombas e outros pássaros cativos a fim de ganhar a benevolência dos deuses e a sua permissão para a alma da defunta se libertar da terra e subir aos céus, o monteo entrega no templo a parte do legado da sua parente destinada ao imperador – uma obrigação de todos os que ali têm os seus ossos, que é honrada pelas suas famílias, cujos legados se destinam a alimentar no tronco do Xinanguibaleu os trezentos mil presos que ali vivem encerrados, enquanto não vão cumprir pena de trabalhos forçados na Grande Muralha.
Enquanto as mulheres regressam a casa, o monteo leva toda a companhia masculina a banquetear-se em honra da morta, incluindo os três degredados no seu convite e, durante o festim à charachina, roga-lhes que contem a sua aventura amorosa, para lhes alegrar a tristeza. Os folangji já não estranham que os chins festejem a morte com alegria e, em paga da generosidade do amo, decidem contar-lhes a sua ida ao Mercado dos Cavalos Magros, cada um tratando de embelezar o feito para maior agrado dos ouvintes.
– Quando recebemos a primeira paga do notável e generoso capitão Liu Xugang – começa Fernão, com as costumeiras zumbaias tão do agrado dos chins –, quase perdemos o siso, de tão felizes por estarmos livres e a trabalhar em casa de pessoa de tanta qualidade que nos punha dinheiro no bolso.
– Tendo passado mais de um ano presos, desterrados da nossa nação e das nossas famílias, à espera da morte – acrescenta Borralho –, era mister espairecer e nós os três fomos em busca de um tasco para beber um copo e alegrarmo-nos.
.Andávamos já há algum tempo a percorrer o bairro de tavernas e estalagens da cerca exterior, mirando de fora, sem nos decidirmos a entrar em nenhuma, por medo de sermos roubados ou enganados. Ouvimos falar tanto de um certo Mercado dos Cavalos Magros que o quisemos visitar e perguntámos onde era. A nossa pergunta causou grande riso, decerto por falarmos mal a língua, mas, conhecendo-nos por estrangeiros, logo nos ensinaram como lá chegar, assegurando-nos de que seríamos muito bem recebidos.
A rua assinalada era igual às outras, com tendas de desvairados produtos, tascas e casas de chá, tendo às portas homens e mulheres a chamarem os fregueses. Como íamos honestamente trajados com as roupas oferecidas pelo nosso generoso capitão, mal perguntámos onde podíamos mercar os ditos cavalos magros, fomos agarrados por uma multidão de solícitos vendedores que quase nos despedaçaram. Um gigantesco eunuco levou a melhor sobre a concorrência e arrastou-nos de supetão para dentro de uma casa.
Surpreendeu-nos ver, em vez de uma cavalariça ou picadeiro com as ditas alimárias magras, uma sala bem concertada com mesas, bancos e cadeiras onde se sentavam algumas moças, por sinal, bem gentis. A patroa fez-nos sentar, bateu as palmas e ordenou:
“– Menina, cumprimente Suas Senhorias”.
Uma das meninas ergueu-se do banco e acercou-se com o andar saltitante de pássaro, ao modo das donzelas de qualidade, curvou-se em graciosas vénias, serviu-nos chá e doces com muito primor.
Por duas vezes a matrona bateu as palmas e as duas moças que acudiram ao chamado vieram saracotear-se ante nós, ora virando-se de costas ora de frente, erguendo um pouco a falda da veste para mostrar os pés pequeninos, expondo o rosto à luz para que a víssemos bem e retirando-se em seguida.
Sem saber o que dizer ou fazer, olhávamos uns para os outros, alparvados, percebendo por fim que nos achávamos num mercado para comprar mulher ou concubina. Quando a terceira moça acabou a sua apresentação, levantámo-nos de chofre e saímos a correr, empurrando uma multidão de solicitadores que nos esperavam e nos perseguiram quase até casa.
– Eram bem bonitas, as meninas! – exclama Zeimoto, a concluir a história dos desamores dos folangji, contada a três vozes, para grande gáudio dos convivas que, por diversas vezes, os haviam interrompido com estrondosas gargalhadas e ditos brejeiros.
– Devíeis ter tomado um pouco de âmbar, que é o melhor remédio para uma boa cópula, com homem ou mulher.
– Sem dúvida! Fortalece o ímpeto amoroso, além de aproveitar ao coração, cérebro e estômago.
– Ímpeto e vontade tínhamos sobejos, elas é que não estavam ao alcance das nossas bolsas! – suspira Fernão, aproveitando a pausa em que os convivas limpavam os olhos e rostos das lágrimas causadas pelo riso. – Só tivemos aquele bom recebimento porque a alcoviteira e o capado se deixaram enganar pelas farpelas novas oferecidas pelo nosso generoso e ilustre capitão Liu Xugang.
– Eram bem formosas, lá isso eram!
Os três namorados lusos suspiram ruidosamente fazendo recrudescer os risos e os aplausos dos chins, numa galhofa mais própria da celebração de um casamento do que das exéquias de um parente.
– Se queríeis quebrar o jejum de mulher, não era aí que devíeis ter ido, mas sim ao jardim das flores ou, na falta de melhor, ao bairro das lanternas vermelhas.
118 Sunü jing ou Arte do Quarto de Cama (Clássico da Donzela Branca), um dos mais antigos livros de medicina chineses sobre sexo e sexualidade, dos finais do período Han, 27-260 d. C. Texto traduzido pela autora de uma versão em inglês.
XI
Um homem feliz é como um barco que navega com vento favorável
(chinês)
Do Sunü jing ou Arte do Quarto de Cama (Clássico da Donzela Branca):
Huangdi: Como podemos saber se a mulher está a sentir um orgasmo?
Sunü: Há cinco sinais, cinco desejos e dez movimentos. Podereis sabê-lo observando o processo da sua transformação.
Os cinco sinais da mulher:
1. A sua tez torna-se afogueada. O homem deve acariciá-la gentilmente.
2. Os mamilos endurecem e aparece transpiração no nariz. Então o homem deve penetrá-la devagar.
3. A sua garganta fica seca e ela engole. Agora o homem deve movimentar-se suavemente.
4. A vagina torna-se viscosa. Então a penetração pode ir mais fundo.
5. A sua secreção corre. O homem deverá retirar-se gentilmente.
Os cinco desejos da mulher que pedem resposta:
1. Pensamento: a mulher retém a respiração.
2. Vagina: as suas narinas e boca estão bem abertas.
3. Desassossego: fica excitada e abraça o seu parceiro.
4. Coração: a sua transpiração molha-lhe as roupas.
5. Orgasmo: ela estira o corpo e cerra os olhos.
Os dez movimentos da mulher:
1. Abraça o parceiro de tal modo que os seus genitais se tocam.
2. Estende as coxas de modo a esfregá-las contra o seu parceiro.
3. Expande o ventre para aumentar a excitação.
4. Move as nádegas para estimular o vigor e o prazer.
5. Ergue as pernas para obter maior penetração.
6. Aperta as coxas uma contra a outra para preparar o orgasmo.
7. Vira-se para um lado, a fim de conseguir uma penetração mais profunda, acariciando ao mesmo tempo ambos os lados.
8. Ergue o corpo para mostrar que se está a vir.
9. Estica o corpo para expressar a sua satisfação orgástica.
10. Termina o acto.
Se virdes os sinais acima mencionados, sabereis que a mulher teve o orgasmo.
Sendo uso entre pessoas de qualidade oferecer festas e banquetes, a fim de manter a face, acrescentando a sua honra e estado – as duas coisas que os chins mais prezavam no mundo –, Liu seguia a tradição. Nos dias de festim o monteo alargava a mão e os cordões à bolsa, a fim de receber os seus convidados com representações de farsas e exibições de animais bravios ou com os maiores primores de canto e dança, executados por formosas cortesãs e mulheres de partido contratadas nos mercados do vento e da lua, os seus bordéis, colhendo no fim a paga em louvores dos lisonjeiros e murmurações dos ociosos, para acrescentamento do nome da sua família.
Como os folangji eram a gente mais exótica, bárbara e cómica que havia visto em toda a sua vida, o monteo decidiu incluí-los entre os seus convidados para o banquete da primeira noite da lua cheia, um mês depois da entrada do estranho bando na sua casa. Nenhuma farsa ou ópera da melhor companhia de artistas de Pequim lograria causar nos seus refinados convivas o mesmo grau de diversão e espanto que o mero comportamento dos estrangeiros à mesa, condimentado pelo picante das suas canções e histórias. O capitão apostava a vida em como o seu banquete haveria de ser falado, durante muitas luas, com admiração, despeito e cobiça.