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Mas acho que isso acabou chamando atenção para mim, de uma maneira meio terrível; uma espécie de glória piegas, o garoto do pai que morreu. Sabe, muitas garotas que nunca tinham falado comigo antes vinham me oferecer um chocolate e passar a mão nas minhas costas... E teve um pouco de bullying, é claro. Alguns garotos tirando sarro da minha cara me chamando de desabrigado, esse tipo de coisa, o que nem era inteligente, porque eu ainda tinha minha mãe. Mas aí eu fiz um amigo, o Spencer, que, por alguma razão, resolveu tomar conta de mim, e isso ajudou. As pessoas tinham medo do Spencer. E com toda a razão, porque ele é um cara durão, o Spencer...

— Você tem uma foto dele?

— Do Spencer? Ah, do meu pai. Não, não na carteira. Por quê? Você acha que eu deveria ter?

— Não necessariamente.

— Em casa, eu tenho. Se você quiser me visitar... Não precisa ser hoje, mas qualquer dia desses...

— E você pensa nele?

— Ah, sim, é claro. O tempo todo. Mas é difícil, pois, na verdade, a gente nunca se conheceu muito bem. Pelo menos, não como dois adultos.

— Tenho certeza de que ele gostaria muito de você.

— Você acha?

— É claro. Você não?

— Não tenho certeza. Acho que ele me acharia um pouco estranho, para ser sincero.

— Ele se sentiria orgulhoso.

— Por quê?

— Por muitas razões. Pela universidade. Por ser a estrela do time que vai participar do programa na TV e tudo o mais...

— Pode ser. A única coisa em que ainda penso, e não sei por que, pois não é racional, já que, tecnicamente, não é culpa deles, mas eu gostaria de conhecer os empregadores do meu pai, as pessoas que ficavam com todo o dinheiro e faziam ele trabalhar daquele jeito, porque acho que são uns filhos da puta. Desculpe o palavrão. Nem sei o nome deles ou onde estão agora. Talvez em alguma puta mansão na região de Algarve ou coisa assim, e nem sei o que eu diria se os encontrasse, porque eles não fizeram nada de errado, estavam só tocando um negócio, ganhando dinheiro, e, afinal, meu pai poderia ter saído do emprego se odiava tanto assim, montado na sua moto e procurado outra coisa, mesmo que fosse uma floricultura ou uma carreira de professor primário ou coisa assim, não foi um caso de negligência criminal, acidente numa mina ou num barco ou coisa assim. Era só um vendedor, mas não é certo alguém odiar tanto o trabalho desse jeito, e acho que as pessoas que faziam ele trabalhar daquela maneira, bem... acho que são uns filhos da puta e odeio todos eles, todos os dias, onde quer que estejam, por me tirarem... Bom, deixa pra lá... Aliás, você me dá licença um minuto? Eu preciso ir ao toalete.

16

PERGUNTA: O ducto e a glândula lacrimais são os principais responsáveis pela produção e pela distribuição do quê?

RESPOSTA: Lágrimas.

 

No fim, acho que foi uma bênção termos ficado tão perto do banheiro.

Estou aqui já há algum tempo. Talvez tempo demais. Não quero que ela pense que estou com diarreia ou coisa assim, mas também não quero que me veja chorar. Como técnica de sedução, o choro incontrolável está, definitivamente, ultrapassado. Agora, ela vai achar que sou um daqueles garotos que choram. Provavelmente, está ao lado da porta, balançando a cabeça, pagando a conta e correndo para contar tudo isso a Erin: Meu Deus! Você não acredita a noite que eu tive. Ele é um daqueles caras que choram...

Ouço baterem na porta do cubículo e imagino que seja Luigi, vendo se não fugi pela porta de incêndio, mas eis que surge uma voz...

— Brian, tudo bem?

— Ah, oi, Alice!

— Tudo bem com você

— Ah, sim, tudo bem.

— Não quer abrir a porta, querido?

Oh, Deus, ela quer entrar no banheiro comigo!

— Abra a porta, meu bem...

— Está tudo bem. Falo com você num minuto. — Espera aí... Querido ?

— Tudo bem. Mas você vai voltar logo para mim, não vai?

— Dois minutos — grito, e quando ela está saindo: — Pode ir pedindo a sobremesa, se quiser!

E ela sai. Espero um momento, depois saio do cubículo e me olho no espelho. Não é tão ruim quanto eu imaginava: os olhos estão um pouco vermelhos, mas o nariz parou de escorrer. Então, ajeito a gravata-borboleta, ajeito a franja no lugar, abotoo o suspensório e volto para a mesa de cabeça baixa para Luigi não me ver. Quando me aproximo, Alice se levanta e me dá um abraço bem apertado, a bochecha encostada na minha. Fico sem saber o que fazer, então retribuo o abraço, inclinando para a frente a fim de deixar espaço para o vestido de baile armado, uma das mãos no cetim grafite e a outra nas suas costas, suas lindas costas, a carne salta um pouquinho do cetim, e ela sussurra no meu ouvido:

— Você é um cara adorável.

E eu acho que vou chorar de novo, não porque sou um cara adorável, mas porque eu sou um puta de um imbecil, um tremendo babaca. Então, fecho os olhos bem apertados e ficamos assim por um tempo. Quando abro os olhos, vejo Luigi me observando, piscando, com os dois polegares para cima. Não sei exatamente como reagir a isso e retorno o sinal com os polegares, e, imediatamente, me sinto desprezível, porque não entendo bem por que estou com os polegares para cima.

Claro que, depois de algum tempo, meu suspensório se solta e Alice interrompe o abraço, sorri para mim, o tipo do sorriso pesaroso que as mães dão para crianças chorando nos comerciais da TV. Começo a me sentir bem desconfortável agora, então digo:

— Desculpe por tudo isso. Em geral, só começo a chorar bem mais tarde da noite.

— Vamos embora?

Mas eu ainda não quero ir embora.

— Você não quer sobremesa? Um café ou outra coisa?

— Não, não.

— Acho que eles servem profiteroles. Que tal um chocolate...?

— Não, sério, eu estou cheia — e, de algum lugar nas dobras do vestido, ela tira a menor bolsa do mundo e começa a abrir.

— Ei, você é minha convidada — digo.

Aí, pago a conta, que, afinal, foi bem razoável, graças a eu ter surtado em vez de pedir a sobremesa, e saímos.

No caminho de volta para o alojamento, mudamos de assunto e conversamos sobre livros, como nós dois odiamos D. H. Lawrence e quais são nossos Thomas Hardy preferidos. Eu fico com Judas, o obscuro, e ela com Longe da multidão. É uma noite agradável de fim de novembro e as ruas estão úmidas, apesar de não ter chovido. Alice sugere que a gente volte por uma rota pitoresca e subimos o morro que tem vista para a cidade, um pouco ofegantes por causa do exercício e da conversa que nunca para. O ruído dos carros nas ruas fica lá embaixo e o único barulho além das nossas vozes é o vento nas árvores e o som farfalhante do vestido de cetim de Alice. Na metade da subida do morro, ela desliza o braço pelo meu, dá um pequeno aperto e descansa a cabeça no meu ombro. A última pessoa a me dar o braço dessa maneira foi minha mãe, no caminho para casa depois de assistir ao meu Jesus em Godspell. Claro que mamãe tinha acabado de me ver ser crucificado, o que sempre tem algum efeito emocional em uma mãe, mas lembro que, assim mesmo, isso me fez sentir um

pouco estranho, meio orgulhoso, meio envergonhado, como se eu fosse o seu soldadinho ou coisa assim. O braço de Alice pegando no meu não me deixa menos constrangido, como se fosse algo saído de uma novela de época, mas é legal, eu me sinto quente e uns 5cm mais alto.

No alto do morro, sentamo-nos em um banco, e ela se aninha com a cintura bem junto à minha e ficamos juntinhos na beirada, e não ligo de sentir a umidade passando pela minha calça e saber que vai ficar suja de musgo. Na verdade, eu poderia ficar ali para sempre, olhando a cidade lá embaixo, o desenho sinuoso das luzes da estrada na paisagem.