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— Uau... Um ataque proustiano! — diz Alice. — Essa música é a minha infância. Puta merda, eu amo, adoro essa música! Você não gosta? Muito bem, venha aqui, mocinho, levante e fique com as costas retas... — Nos ajoelhamos em cima da cama de frente um para o outro e ela aproxima o rosto a poucos centímetros do meu.

— OK, ponha as mãos aqui... — pega meus pulsos e coloca atrás das minhas costas — ...E abra os lábios, assim. — Sua boca está a centímetros da minha. Sinto o cheiro adocicado do molho de soja e gengibre em seu hálito. Ela ergue as mãos e aperta minhas bochechas num bico exagerado.

Froggy went a courtin‘ He did ride, uh-hum…

— Senhor Brian Jackson, vou te dar uma mãozinha, mas não é o que está pensando. Por isso, nada de atrevimentos, por favor. Vou soprar a fumaça na sua boca e você tem que inalar e prender nos pulmões sem tossir, entendeu? É proibido tossir! E vai prender a respiração o máximo possível antes de soltar a fumaça. Está claro?

— Perfeitamente.

— OK. Vamos lá!

Ela põe o baseado nos lábios, dá uma tragada profunda, sorri e ergue as sobrancelhas como que perguntando preparado? e eu faço que sim com a cabeça. Sim, estou preparado. Aproxima os lábios bem perto dos meus, a centímetros, milímetros de distância, com certeza nem isso, eles estão se tocando, e assopra e eu sugo o ar, o que é natural dadas as circunstâncias. E quero que esse momento dure para sempre.

Froggy went a courtin‘, he did ride

A sword and pistol by his side

A froggy went a courtin‘, he did ride, uh-hum . . .

Finalmente, quando meus pulmões estão prestes a explodir, solto a fumaça e ela se afasta e pergunta:

— O que achou?

Quando consigo voltar a fazer minha boca funcionar, respondo:

— Legal!

— Está sentindo alguma coisa?

— Não muito.

— Quer fazer de novo?

Meu Deus, Alice! Se quero? Mais do que qualquer coisa no mundo...

— Quero, sim, tudo bem...

— Tem certeza? Isso é bem forte...

— Tenho, Alice, sério. Eu seguro a onda.

Quando recobro a consciência, Alice se foi e eu estou debaixo do edredom e a música ainda toca. A fita está no automático. Não faço a menor ideia de

quanto tempo fiquei apagado; então, aperto o botão stop e procuro meu despertador de viagem. É 1h30 da manhã e, de repente, estou morrendo de sede, mas, graças a Deus, ainda tem meia garrafa de vinho ao lado da cama; então eu me sento e bebo a maior parte da garrafa. Verifico se Alice tirou minhas calças antes de me colocar na cama e constato que não, mas estou muito chapado para saber se estou feliz ou desapontado.

Além do mais, estou muito ocupado pensando em comida. Nunca senti tanta fome na vida. Até a abobrinha me parece apetitosa. Felizmente, lembro de que sou detentor de umas carnes frias! Abençoada seja minha mãe! Desencavo o pacote da mala, arranco a beirada de gordura de um pedaço de bacon cozido e enfio a parte magra na boca. É bom, mas está faltando alguma coisa. Pão. Preciso fazer um sanduíche. Preciso de pão.

Andar é mais difícil do que eu imaginava, e descer a escada parece quase impossível. Não quero acender as luzes, porém está escuro como breu, então me apoio nas paredes dos dois lados, dou passos leves pelo corredor e desço até a cozinha. O tempo se alonga e a viagem parece levar alguns dias, mas acabo chegando e dou início à exigente tarefa física de cortar duas fatias de pão caseiro integral. O sanduíche tem o tamanho, o peso e a textura de um tijolo, mas não ligo, porque contém as carnes frias. Sento-me à mesa e me sirvo de um pouco de leite, para tentar tornar o pão menos arenoso, mas o leite talhou, e, quando estou prestes a ir até a pia para cuspir, a luz se acende, e ouço um rangido no alto da escada.

Talvez seja Alice! Talvez a gente possa continuar de onde parou. Mas não é ela. É a Sra. Harbinson. Rose. Nua. Rose. Eu engulo o leite talhado.

Claro que eu deveria dizer alguma coisa amena, um assexuado e casual Olá, Rose!, mas o baseado e o vinho me deixaram confuso e desnorteado, e não quero uma mulher nua gritando comigo às 2h da manhã. Então, fico bem quietinho, torcendo para ela ir embora. Rose abre a porta da geladeira e se inclina para a frente, e a luz branca da geladeira e sua posição fazem com que pareça realmente nua. Um exame mais detalhado mostra que, na verdade, ela está usando meias cinza grossas o que dá à sua nudez um certo ar integral, de granola, como um diálogo de Os prazeres do sexo, e, no meu estado drogado e aturdido, me pergunto se existe a palavra pubicidade. O que ela está procurando? E por que está demorando tanto? Fico pensando que ela está bem para a idade também, mas, até aí, eu nunca vi uma mulher totalmente nua, não em carne e osso e tudo de uma vez, só em pequenas partes e nenhuma com mais de 19 anos. Por isso, não sou autoridade no assunto. Ainda assim, suponho que não falte um erotismo banal na situação, embora ligeiramente temperado pelo pacote de presunto em temperatura ambiente aninhado no meu colo. Com medo de que ela sinta o cheiro da carne, tento dobrar o pacote sem fazer barulho, mas o rangido parece reverberar pela cozinha como uma tempestade elétrica.

— Oh, meu Deus! Brian!

— Olá, Sra. Harbinson! — respondo, animado. Imagino que ela vá cobrir a nudez com os braços, porém ela não parece incomodada e só pega calmamente um pano de prato e enrola na cintura para cobrir o quadril como um sarongue. O estampado do pano cobre suas pernas.

— Oh, querido, espero não ter chocado você.

— Não, não...

— Mas tenho certeza que você já viu centenas de mulheres nuas.

— Você ficaria surpresa, Sra. Harbinson.

— Já falei para me chamar de Rose. Senhora Harbinson me faz sentir mais velha!

Faz-se um silêncio momentâneo enquanto procuro alguma coisa para dizer, a fim de minimizar qualquer desconforto ou constrangimento da situação, e penso na solução perfeita.

Digo, com um sotaque americano:

— Você está tentando me seduzir, Sra. Harbinson?

O que eu acabei de dizer...?

— Perdão?

Não fale de novo...

— Você está tentando me seduzir? — repito.

Rápido, explique, explique...

— Lembra-se da senhora Robinson, do filme...? — tento explicar.

Rose me encara sem entender.

— Quem é a senhora Robinson?

— É uma citação. De A primeira noite de um homem...

— Bem, Brian, devo dizer que não tenho intenção nenhuma de seduzir você...

— Eu sei, eu sei, e também não quero ser seduzido por você...

— Certo, hum... Que bom, então...

— Não que eu não ache você atraente...

— Como?

— Mas que merda está acontecendo aqui embaixo? — brada uma voz, e outra figura está trotando escada abaixo, as pernas musculosas e o peito forte. As musculosas pernas nuas e o peito forte do Sr. Harbinson. Parece estar com um guarda-chuva fechado entre as pernas, mas um exame mais detalhado revela ser um pênis. Agora, eu não sei mesmo para onde olhar. Deixar de olhar para a genitália de Rose parece dirigir meu campo de visão diretamente para a genitália do Sr. Harbinson, e, de repente, é difícil achar algum lugar na cozinha em que não haja uma genitália. Então, enfim, escolho um ponto no teto, logo acima do fogão, e me concentro, me concentro, me concentro.