— Não está acontecendo nada, Michael. Só desci para pegar algo para beber e Brian estava aqui, só isso...
Por que ela está parecendo tão culpada? Será que está querendo que ele me mate?
— E sobre o que vocês estavam conversando?
Meu Deus! Ele me ouviu! Estou morto...
— Nada! Brian me deu um susto, só isso...
O Sr. Harbinson e seu pênis não parecem convencidos, e percebo que ele, na verdade, não está cobrindo o pênis com a mão, mas, sim, o segurando. E, por um instante, sinto um medo irracional de que vá me bater com ele.
— Bem, falem baixo, sim? Rose, venha para a cama! — e sai trotando escada acima segurando seu guarda-chuva fechado. Claramente envergonhada, Rose pega um avental floral de vinil de um gancho perto do fogão, e o veste relutante, enquanto recolho qualquer indício de carne da mesa e o enfio na gaveta de talheres.
Enfim, ela se aproxima da mesa e sussurra:
— Acho melhor jamais comentarmos sobre isso, não é, Brian?
— Tudo bem, mas só queria dizer que eu estava citando...
— Vamos esquecer isso, sim? Fingir que nunca aconteceu... — ela está olhando para o meu rosto — Brian, você está se sentindo bem?
— Claro...
— Está parecendo um pouco pálido.
— Ah, essa é a minha cor normal, Rose!
Olha para o copo na minha frente.
— Isso é leite?
— Uh-hum.
— Então, você estava com o leite todo esse tempo?
— Acho que sim.
— Eu estava procurando esse leite, Brian — pegando o copo.
— Desculpa, mas eu não beberia isso se eu fosse você!
— Por que não?
— Está estragado, talhado. Está nojento...
Ela pega o copo de leite talhado, cheira, prova, olha para mim com o maior desdém e diz:
— Isso é leite de soja, Brian.
Em algum lugar do chalé Blackbird, soam gargalhadas histéricas, um cacarejo louco, horrível, a gargalhada de uma criança patética e depravada, e levo algum tempo para perceber que estão vindo de mim.
Quando acordo na manhã seguinte, passo pelo habitual hiato de três segundos antes de perceber que deveria estar me sentindo muito envergonhado e me lembrar do motivo. Solto um gemido, de verdade, um gemido em voz alta, como se alguém tivesse pulado no meu peito. Olho para o despertador. São 11h30 e sinto como se estivesse saindo de um coma.
Continuo deitado por um tempo, tentando pensar na melhor maneira de lidar com a situação. A melhor maneira de lidar com a situação seria me matar, mas a segunda melhor maneira envolve uma grande quantidade de súplicas e humilhação, rastejar e zombar de mim mesmo. Quando começo a me vestir para acabar logo com aquilo, alguém bate à porta.
É Alice, com uma expressão séria, aliás bem adequada. Será que ela sabe que a mãe estava nua e acha que eu tentei seduzi-la?
— Olá, Bela Adormecida... — murmura.
— Alice, sinto muito, sinto muito mesmo por ontem...
— Ora, tudo bem, não foi nada, esqueça... — Obviamente, ela não sabe. — Olha, Brian, aconteceu uma coisa. Preciso ir a Bournemouth... — Senta-se na beira da cama e parece que vai chorar.
— O que aconteceu?
— A vovó Harbinson caiu da escada ontem à noite. Está no hospital com a bacia fraturada e nós precisamos ir até lá...
— Que pena, Alice...
— Mamãe e papai já foram, mas eu tenho de ir também. Então, acho que o nosso Ano-novo não vai rolar.
— Ah, tudo bem... Vou verificar o horário dos...
— Já fiz isso. Tem um trem partindo para Londres em 45 minutos. Levo você até a estação. Tudo bem?
Então, começo a fazer a mala, enfiando livros e roupas na mala como se fosse uma evacuação de emergência e, em 10 minutos, estamos no Land Rover com Alice na direção. Ela parece pequena atrás do volante, como uma boneca dirigindo um jipe. A neve se transformou numa lama cinzenta e suja e parece que estamos indo muito rápido, o que só contribui para o clima geral de tensão e ansiedade.
— Estou com uma dor de cabeça terrível — comento.
— Eu também — responde ela.
Percorremos 200 metros.
— Encontrei, por acaso, com sua mãe e seu pai na cozinha ontem à noite — disse, de modo casual.
— É mesmo?
Outros 200 metros.
— Eles comentaram alguma coisa a respeito?
— Na verdade, não. Por que deveriam?
— Por nada.
Parece que estou seguro. Claro que não estou feliz com a queda da vovó Harbinson da escada, mas, ao menos, ela deu uma ajudinha.
Chegamos à estação 15 minutos antes da hora, e Alice me ajuda a carregar a mala até a plataforma vazia.
— Desculpe por você não poder ficar para o Ano-novo.
— Ah, tudo bem... Mande lembranças à vovó Harbinson.
Por quê? Eu nem conheço a mulher, pelo amor de Deus!
— E, realmente, sinto muito pela overdose de ontem à noite.
— Sem problema... Olha, você se importa se eu não esperar o trem chegar? Tenho que ir logo... — Nós nos abraçamos, mas não nos beijamos, e ela vai embora.
Chego em casa perto da hora do chá e entro. Minha mãe está deitada no sofá na sala de moletom assistindo a Blockbusters num volume altíssimo, com um cinzeiro equilibrado na barriga, um balde de doces Quality Street e uma garrafa de licor Tia Maria na mesinha à sua frente. Quando entro, ela se senta e esconde a garrafa embaixo da almofada, mas, depois, percebe que deixou o copo à mostra e tenta segurar com as duas mãos, como se fosse uma xícara de chocolate quente ou algo assim.
— Você voltou mais cedo!
— Sim, mãe, eu sei...
Vou ficar com um P, Bob...
— O que aconteceu?
— A avó da Alice quebrou a bacia.
— Como isso aconteceu?
— Eu a empurrei escada abaixo.
— Não, sério...
— Não faço ideia, mãe.
Qual palavra começada com P é o principal ingrediente químico na fabricação de fósforos?
— Coitadinha... Ela vai se recuperar?
— Como é que eu vou saber? Não sou o médico da mulher, sou? Pólvora.
Resposta certa.
— O quê? — pergunta minha mãe.
— A televisão! — respondo.
— Vou escolher um H, por favor, Bob...
— Algum problema, Bri?
— Não, problema nenhum!
Qual palavra começada com H deu o nome para o...?
— Você brigou com a sua namorada...
— Ela não é minha namorada!
— Tudo bem! Não precisa gritar!
— Não é um pouco cedo para coquetéis, minha mãe?
Subo correndo a escada, sentindo-me abatido e mesquinho. De onde saiu aquele desagradável e irritante minha mãe? Nunca a chamei de minha mãe. Vou para o meu quarto, bato a porta, deito na cama e coloco o fone de ouvido para ouvir meu cassete de Lionheart, o lindo segundo álbum de Kate Bush, Symphony in Blue, lado A, faixa 1. Mas, imediatamente, percebo que está faltando alguma coisa.
As carnes.
Deixei o pacote de carnes frias na gaveta da cozinha na noite passada. Não tenho o número dos Harbinson em Bournemouth. Então, decido ligar para o chalé e deixar uma mensagem para quando Alice chegar. Depois de quatro toques, a caixa de mensagens é ativada e já estou pensando no que dizer quando inesperadamente alguém atende.
— Alô...?
— Oh, alô, é... É Rose?
— Quem está falando?
— É Brian, amigo da Alice.
— Oh, Brian, olá! Espere só um pouquinho, sim?
Ouço um farfalhar quando ela põe a mão no receptor, um vago murmúrio e, então, Alice atende.