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— Tudo bem? — pergunta Rebecca. O batom está borrado ao redor da boca, como se ela tivesse comido framboesas.

— Tudo bem — concordo, e ela está em cima de mim de novo. O gosto dela lembra levedura de cerveja e Golden Virginia e a oleosidade perfumada do batom. Não consigo deixar de me preocupar com o curry que comi mais cedo. Será que devo fingir ir ao banheiro e escovar os dentes? Mas aí Rebecca vai saber que escovei os dentes por causa dela e não quero parecer convencional. Será que mau hálito é, de algum modo, não convencional? É provável que não, mas, se eu escovar os dentes, Rebecca pode pensar que quero que ela escove os dentes também, o que não quero. Na verdade, adoro gosto de tabaco, dessa sensação de fumar por tabela. É melhor continuar. Mas o que fazer a seguir? Como um ventríloquo, tento passar a mão nas suas costas, por baixo da blusa, mas ela ainda está de sobretudo, e, quando consigo me desvencilhar do sobretudo, percebo que o suéter está preso na saia. Então, tento encontrar uma via alternativa pela gola do suéter. Preciso torcer o braço para fazer isso e girar a mão nos ângulos certos, como o pior batedor de carteiras do mundo, mas acabo chegando lá. O sutiã é preto, de renda e levemente acolchoado, o que me surpreende, e, por um momento, me vejo refletindo sobre a política desse sutiã. Por que acolchoado? Não é fora do normal para Rebecca? Por que ela sentiria necessidade de se conformar com noções de feminilidade convencionais definidas pelos homens? Por que seria obrigada a adquirir a convencional imagem corporal sensual que, na verdade, nenhuma mulher é capaz de alcançar na vida real, exceto, talvez, Alice Harbinson.

De repente, ela interrompe o beijo e imagino que vá me perguntar o que eu acho que estou fazendo, porém, em vez disso...

— Brian?

— O quê?

— Tem uma coisa que eu preciso contar. Eu não estava brincando agora há pouco. Quando disse que estava daquele jeito.

— Tudo bem. Eu também estou daquele jeito.

Ela me dá um olhar zombeteiro.

— Por alguma razão, acho que não está, Bri...

— Não, sério, estou. Posso não ter parecido estar, mas estou mesmo...

Ela faz uma careta.

— Você está menstruado?

— Como? Ah, entendi! Não, desculpa, achei que estava querendo dizer, você sabe...

— O quê?

— Daquele jeito?

— O que é daquele jeito?

Penso por um segundo.

— Uma gíria? — proponho, esperançoso, no entanto minha mão já está fora do sutiã para nunca mais voltar. Ela se senta na beira da cama e ajeita a meia-calça, vendo se rasguei o suéter ou estraguei tudo.

— Talvez não seja uma ideia tão boa assim, afinal.

— Eu não me importo, sinceramente...

— E o que você quer dizer com isso?

— Quero dizer que, por mim, tudo bem você estar menstruada.

— Ah, bem, fico contente de estar tudo bem, Jackson. Pois, afinal, não tem merda nenhuma que eu possa fazer a respeito, tem?

— Desculpe... Não sei mais o que dizer.

— Aposto que Alice Harbinson nem menstrua...

— O quê?

— ...ela deve pagar alguém pra menstruar por ela...

— Espera aí! O que isso tem a ver com Alice?

— Nada!

Ela se vira e parece a ponto de surtar comigo de novo, mas abre um sorriso, ou, ao menos, um meio sorriso.

— É melhor você limpar esse batom da cara. Está parecendo um palhaço... — Limpo a boca na ponta do edredom e escuto ela murmurar:

— Você é um palhaço.

— O que eu fiz agora?

— Você sabe.

— Ei, foi você quem começou!

— Comecei o quê?

— A falar de Alice...

— Pelo amor de Deus, Jackson...

— Só estou falando porque você falou antes...

— Mas você está pensando nela, não está?

— Não! É claro que não! — replico.

Mas estou. Rebecca continua a me olhar nos olhos até ter certeza do fato e vira para o outro lado.

— Isso é estúpido... — diz baixinho, apertando os olhos com as palmas das mãos. — Estou meio alta. Acho melhor ir embora. — Talvez eu não soubesse antes, mas agora definitivamente não quero que Rebecca vá embora. Por isso, pulo na frente dela e tento beijá-la de novo. Ela vira o rosto.

— Por que você tem que ir embora?

— Eu não... Não sei... Sobre o que acabou de acontecer. Podemos esquecer isso?

— Ah... Tudo bem... OK. Eu preferia que não fosse embora, mas se é isso que você quer...

— Acho que sim. Eu quero — e está de pé ajeitando o sobretudo e indo em direção à porta, enquanto fico me perguntando o que havia feito daquela vez. Quero dizer, além do normal, da minha inépcia completa. Desço a escada com ela até o corredor, no qual ela escala o amontoado de bicicletas bloqueando o caminho.

— Olha só! Agora, rasguei a droga da meia-calça...

— Pelo menos, deixe eu acompanhar você até a sua casa.

— Não, obrigada.

— Eu não me importo...

— Estou bem...

— Você não devia voltar sozinha...

— Vou ficar bem...

— De verdade, eu insisto... — e ela dá meia volta, aponta o dedo para mim e rosna: — E eu insisto que você não me acompanhe! Está claro?

Nós dois ficamos surpresos pela maneira áspera como ela fala. Acho que até dou um passo atrás. Olhamos um para o outro nos perguntando sobre o que estava acontecendo. Depois, ela diz:

— Além do mais, você devia ir para a cama. Você está daquele jeito, lembra? — Abre a porta. — Nunca mais vamos falar disso, ok? E não conte a ninguém, tudo bem? Especialmente para maldita Alice Harbinson. Promete?

— É claro que não. Por que eu contaria...?

Mas ela já está na metade dos degraus, e desaparece na noite sem olhar para trás.

Terceira Rodada

— Sinto muito — disse Sebastian, depois de algum tempo. — Receio não ter sido muito acolhedor esta tarde. Brideshead costuma causar esse efeito em mim.

EVELYN WAUGH, Memórias de Brideshead

23

PERGUNTA: Estriado, cardíaco e liso são três tipos de que tecido?

RESPOSTA: Muscular.

Algumas resoluções de Ano-novo

1.

Passar mais tempo trabalhando na minha poesia. Se quiser levar a poesia a sério como forma literária, assim como uma maneira de ganhar um dinheiro extra, vou ter de trabalhar nisso, em especial se quiser descobrir meu estilo próprio. Lembre-se: T. S. Eliot trabalhava em um banco quando escreveu Quatro quartetos. Por isso, não ter tempo não é desculpa.

2.

Parar de futucar minha cara, especialmente quando estou falando com as pessoas. Se a ciência nos ensinou algo, é que futucar a cara só espalha a infecção e causa cicatrizes. Fique quieto, encontre outra coisa para fazer com as mãos, aprenda a fumar ou coisa assim. Lembre-se: ninguém quer beijar uma cara com o rosto sangrando.

3.

Seja distante. Banque o desinteressado com Alice. Ela vai respeitá-lo mais por isso.

4.

Ficar ligeiramente musculoso.

A lista acima foi escrita, mais ou menos, às 22h45 da véspera do Ano-novo, e, àquela altura, eu estava bem bêbado, o que significa que a caligrafia está um pouco tremida. Vinte minutos depois, eu estava dormindo, trocando o conceito e o clichê convencional que diz que somos obrigados a ter uma véspera de Ano-novo maravilhosa e divertida por uma noite de merda nada convencional.