As festividades começam às 20h35, quando encontrei uma chave de fenda na gaveta da cozinha e desparafusei as portas do armário de Josh para pegar sua televisão portátil. Depois, acomodei-me para assistir ao filme do James Bond na ITV, juntando-me às fileiras de velhinhas doentes e pacientes mentais e todo mundo que fica em casa na noite de Ano-novo. Mas, quanto mais bebia, mas eu pensava no meu pai, e em Alice, e os dois acabaram se misturando estranhamente na minha cabeça. Por isso quando o Agente 007 arruinou os planos malignos de Scaramanga para dominar o mundo, eu era um desastre físico e emocional, tornando-me a primeira pessoa na história a chorar assistindo a 007 contra homem com a pistola de ouro, com a possível exceção de Britt Ekland. Depois disso, me recompus e escrevi as resoluções.
E, agora, duas semanas depois, as resoluções continuam firmes. É verdade que ainda não mergulhei na poesia, mas vou fazer isso em breve, assim que tiver tempo. E mal toquei no meu rosto. E estou bem distante da Alice também, em boa parte porque não a vi ou ouvi falar dela e não faço ideia de onde ela esteja. Em Memórias de Brideshead, o primo de Charles o adverte que, em geral, passamos o segundo ano na universidade evitando as pessoas indesejáveis que conhecemos no primeiro. E estou começando a desconfiar de que sou uma dessas pessoas.
Mas vamos voltar às resoluções. A última precisa de alguma elucidação. Decidi que não me faria mal algum ter alguns músculos. Não, não estou
engolindo os conceitos fúteis baseados no que os meios de propaganda definem como masculino ou atraente, e também não é porque alguém começou a chutar areia na minha cara, pelo menos não literalmente. Só acho que levei o visual tísico à sua conclusão natural. E também porque, desde o colégio, trabalhava no princípio de que você pode ser inteligente ou sarado e que as duas coisas são opostas, mas, na verdade, não há motivo para não ser os dois. Patrick Watts, por exemplo, é inteligente e muito, muito sarado, apesar de seus problemas de personalidade. Talvez Dustin Hoffman em Maratona da morte seja um exemplo melhor. Ele é sarado e inteligente, e também tem integridade. O tipo de cara que corre 8 quilômetros carregando um monte de livros da biblioteca. Ou, no mundo real, Alice Harbinson. Alice Harbinson tem um rosto limpo, saudável e inteligente. Ou, pelo menos, tinha, da última vez que a vi. Duas semanas e três dias atrás. Há séculos.
Mas... sem problemas. Vou sublimar toda essa energia numa campanha para entrar em forma. Estou bastante comprometido com uma prática diária da Força Aérea Real Canadense, que envolve prender os pés embaixo do guarda-roupa, depois de garantir que ele não vá virar em cima de mim, e fazer abdominais, oito, e flexões, quatro. Isso é bom, mas na realidade, não me sinto como se tivesse passado por um treino completo de corpo inteiro, e acho que vou precisar de algo a mais. Talvez precise de pesos. Decido gastar meu dinheiro do Natal em equipamentos de ginástica com pesos.
Faço um saudável e nutritivo café da manhã comprado no mercadinho: uma barra de cereais coberta de chocolate e um litro de suco de abacaxi Just Juice, e sigo em marcha de escoteiro (correr trinta, andar trinta) até o centro da cidade, que, de repente, parece muito distante, ainda mais quando se está correndo de jeans e jaqueta. No entanto, continuo pelas alamedas residenciais com lixeiras cheias de esqueletos de árvores de Natal que os lixeiros se recusam a recolher, soltando, de vez em quando, pequenos arrotos de suco de abacaxi. Não demora muito para começar a sentir umas pontadas, o que sugere que, talvez, deva cuidar um pouco da saúde cardiovascular, mas isso pode vir depois. Minha prioridade é aumentar a massa corporal e melhorar a definição dos meus músculos. Não quero ficar musculoso como pugilistas ou levantadores de peso ou algo assim, só ter um físico de ginasta, como daqueles caras das barras paralelas. Se, de repente, eu começar a ficar muito musculoso, vai ser hora de parar.
Chego na Sport! pouco depois de a loja abrir, suando bastante. Talvez seja a segunda vez na vida que entro numa loja de artigos esportivos, pois, até ali, minha mãe comprou todos os meus kits de esporte. Estou bem nervoso, como se estivesse entrando numa loja de pornografia ou coisa do gênero. O clima é de vestiário masculino, enfatizado pelo gerente da loja, que tem, mais ou menos, a minha idade, é alto e forte, e que se aproxima de mim como se estivesse prestes a me dar uma surra de toalha molhada.
— Precisa de ajuda, amigo?
— Só olhando, obrigado! — respondo numa voz só um pouco mais grave que o normal e continuo percorrendo a loja, avaliando as raquetes de badminton com ar de especialista, antes de me dirigir, casualmente, até os halteres. Lá estão, dois deles, feitos de ferro e com pesos ajustáveis, que permitem aumentar a carga aos poucos até me transformar em um Adônis, mas nada além disso. Existe algo óbvio em relação a halteres, como o fato de serem pesados e feitos de ferro, em comparação a isopor pintado de cinza; sim, eu tenho dinheiro para comprar, custam 12,99 libras, e levo tudo até o vendedor. Só quando faço o pagamento e ele coloca tudo numa sacola plástica reforçada é que percebo que cometi um erro logístico básico: não vou conseguir levar aquilo para casa.
Pelos primeiros 25 metros, convenço-me de que é possível, se eu andar rápido, e mudar de mão quando a dor dos cortes da sacola plástica na pele chegar ao limite. Mas, na porta do Woolworths, o inevitável acontece, o fundo se desprende e os pesos caem no chão com um ruído industrial que chama a atenção de lojistas e jovens mães fazendo compras com os filhos. No que eu respondo com um olhar de quem enfiou esses halteres na minha sacola? O chão não sofreu danos, porém um dos pesos foi rolando até o Boots The Chemist como um pequeno tanque, e tenho de impedir isso com o pé, o que provoca alguns risos entre as jovens mães, que me apontam para os filhos como que dizendo olha que engraçado aquele magrela! Pego um peso em cada mão e me afasto rapidamente.
Chego até a Dorothy Perkins, 20 metros além, antes de ter que parar de novo para recuperar o fôlego. Garotas adolescentes veem os pesos e sorriem para mim, enquanto me apoio no vidro da loja. Decido que seguir em frente é o lance; o truque é continuar andando. Vai dar tudo certo se eu continuar andando. Afinal, faltam só uns dois quilômetros até a chegada.
Quando saio do centro de compras e entro nas ruas residenciais, fica um pouco mais fácil parar e descansar a intervalos regulares sem ser encarado. Espero minha respiração se normalizar, pego os pesos, braços pendurados como de um babuíno, e dou pequenas corridas com o corpo inclinado, como se estivesse na mira de uma metralhadora, pelo tempo que meu coração consegue aguentar. A sensação é a de ter acabado de ressuscitar. Estou suado e com o rosto vermelho, meus ombros parecem hematomas, retorcidos e doloridos, os braços parecem alongados como nos desenhos animados e o metal da barra dos pesos feriu as palmas das minhas mãos, fazendo-as parecer répteis em carne viva. Tenho uma aula particular essa tarde e ainda não estou nem perto de casa. Então, pego os halteres de novo, me abaixo e saio correndo.
Finalmente, chego à parte sul de Richmond Hill, que se estende na reta à minha frente, o topo das montanhas escondido pelas nuvens baixas. Consigo cambalear mais uns 25 metros antes de desabar e me apoiar em um muro. Sinto como se alguém tivesse pisoteado meus pulmões como um pacote de batatinha frita inflado. Estou tossindo descontrolado, o ar áspero arranha minha garganta, que está ressecada e me provoca um vômito seco. Experimento um gosto de bile doce na boca, após tossir um pouco de suco de abacaxi, e o suor escorre pelo meu rosto e pinga do meu nariz no chão, e, de repente, sinto a mão de alguém nas minhas costas e uma voz dizendo: