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— Ei, tudo bem com você? — Abro os olhos e vejo Alice...

— Quer que eu chame uma... Brian?

— Alice! — tentando respirar, ofegante. — Oi... oi, Alice... — arfante. — Como vai? — engasgo.

— Eu estou bem. É você quem me preocupa. Pensei que era um velhinho tendo um infarto ou coisa assim...

— Não, não, sou só eu. Está tudo bem, mesmo...

Ela vê os halteres enganchados nos meus pés, para não rolarem morro abaixo e matar uma criança.

— O que é isso?

— Halteres...

— Isso eu sei, mas o que você está fazendo com isso?

— É uma longa história...

— Precisa de ajuda?

— Se você puder...

Ela pega um dos halteres como se fosse um cachorrinho e sai marchando ladeira acima.

24

PERGUNTA: O que foi identificado por Hegel como a tendência de um conceito passar à sua própria negação como resultado de um conflito entre seus aspectos contraditórios inerentes?

RESPOSTA: A dialética.

Deixo Alice no meu quarto ouvindo meu LP do Concerto Brandenburgo e dando notas de zero a dez aos livros nas minhas prateleiras e vou fazer um café. Para ser sincero, o quarto não está no estado ideal. Tentei não deixar meu caderno de poesia e minhas cuecas jogados no chão, mas, ainda assim, não gosto da ideia de ela estar lá sozinha. A chaleira demora uma eternidade para ferver, e me distraio correndo até o banheiro, molhando o rosto e escovando os dentes bem rápido para me livrar da bile. Quando volto para a cozinha, Josh apanha a água que acabei de ferver.

— Imagino que você sabe que tem uma gata solta no seu quarto...

— É a minha amiga Alice.

— Ora, oooooi, Alice! Tudo bem se eu participar?

— Na verdade, a gente está meio que falando de trabalho...

— Tudo bem, Bri, entendi o recado. Só diga pra ela vir falar comigo na saída, tá? E talvez seja melhor fazer alguma coisa em relação a isso... — e aponta para o canto da minha boca, duas pequenas manchas de pasta de dente.

— Bonne chance, mon ami... — diz ele, indo em direção à porta. — Ah, alguém ligou pra você... Spencer? Pediu pra você retornar.

Faço o café, pego as canecas, roubo dois biscoitos do Marcus e volto para o quarto.

Alice está recostada no futon, folheando meu exemplar do Manifesto Comunista. Entrego o café, retiro os copos de água sujos e velhas canecas incrustadas do lado da cama e tiro uma fotografia mental da cabeça dela reclinada no meu travesseiro.

— Brian, por que o estrado da cama está atrás do guarda-roupa?

— Pensei em tentar esse negócio de futon.

— Tudo bem... Futon... Legal... — Observa os postais e fotos afixados perto da cama. — É o seu pai?

— Uh-hum.

Retira a foto da parede e a examina.

— Ele é muito bonito.

Tiro a jaqueta e penduro na porta do guarda-roupa.

— É, ele era...

Alice inspeciona meu rosto, tentando compreender por que a beleza teve de pular uma geração e me dá um de seus sorrisos franzidos.

— Você não quer trocar de roupa?

Olho para o meu suéter e vejo uma mancha escura, oleosa e úmida embaixo do braço e também está com cheiro de cachorro molhado. Tenho um momento de hesitação, envergonhado.

— Não, estou bem.

— Pode se trocar. Prometo não me masturbar enquanto você faz isso.

Na atmosfera estimulante e carregada de erotismo criada por esse último comentário, eu me viro de costas e tiro a blusa.

— Então, pra que esses pesos, garotão?

— Bem, andei pensando em ficar um pouco mais saudável...

— Ter músculos não significa ser saudável. Meu último namorado tinha o corpo incrível, mas mal aguentava andar dois quarteirões...

— O que tinha o pênis enorme?

— Brian!!! Quem te contou isso?

— Você?

— Contei? Bem, sim... Esse mesmo. De qualquer modo, o seu corpo está ótimo.

— Você acha? — pergunto, cobrindo-me com o moletom, tal como uma noiva envergonhada.

— Meio esguio e anguloso. Parece uma pintura de Egon Schiele...

Viro-me de costas, visto um moletom limpo e decido que está na hora de mudar de assunto.

— Como foi o resto das suas férias de Natal?

— Ah, tudo bem... Ei, obrigada por ter ido.

— Obrigado por me receber. Conseguiu se livrar daquelas carnes numa boa?

— Numa ótima. Mingus e Coltrane ficaram muito agradecidos.

— E sua avó está bem?

— Como? Ah, sim. Sim, tudo bem.

Ela repõe a foto do meu pai na parede e diz, evitando olhar para mim:

— Foi um pouco... estranho, não foi?

— Eu fiquei um pouco estranho, você quer dizer. Acho que foi minha perda da virgindade em drogas.

— Mas não foi só isso, foi? Você estava... estranho. Como se precisasse provar alguma coisa.

— Desculpa. Fico um pouco nervoso. Principalmente perto de pessoas chiques...

— Ei, por favor... — interrompe ela.

— Como assim?

— Por favor, não me venha com essas merdas, Brian. Chique! Que palavra ridícula! Aliás, o que é chique? Isso é coisa da sua cabeça. Não faz sentido. Puxa, odeio essa obsessão com questões de classe, ainda mais nesse lugar! Você diz um olá pra alguém e todo mundo já vira um pobre coitado e começa a contar que o pai é um limpador de chaminés raquítico e com um olho só, que ainda usam banheiros fora de casa e nunca entraram num avião. Ou, sei lá, toda essa merda, que, na maior parte das vezes, é mentira, e fico pensando por que você está me dizendo isso. É para eu me sentir culpada? Você acha que a culpa é minha ou só está se sentindo satisfeito e se congratulando por fugir do seu papel social predeterminado? Ou seja, o que isso importa? Pessoas são pessoas, se você me perguntar, e elas se levantam e caem de acordo com seus talentos e méritos, com seu trabalho. E pôr a culpa em quem tem um divã em lugar de um sofá, ou quem toma chá, em vez de jantar, é só desculpa, reclamação e autopiedade de quem pensa pequeno...

O concerto de Bach segue num crescendo enquanto ela fala. Então, eu digo:

— E você vai estar conosco ao vivo na Conferência do Partido Conservador desse ano!

— Sem essa, Brian! Isso não é justo, não mesmo. Eu não julgo as pessoas por suas origens e espero que as pessoas me tratem com a mesma cortesia. — Senta-se no futon, furando o ar com o dedo. — Além do mais, o dinheiro nem é meu, é dos meus pais. E eles não conseguiram isso afanando donativos de outras pessoas nem gerenciando alguma empresa de trabalho escravo em Joanesburgo ou coisa assim. Eles trabalharam pra caralho para conseguir o que têm. Pra caralho...

— Mas nem tudo foi ganho com trabalho, não é?

— O que você quer dizer? — retruca Alice.

— Quero dizer que eles herdaram muito, dos pais deles...

— E...?

— Bem... É um privilégio, não é?

— Então, você acha que as pessoas devem ser enterradas com o dinheiro quando morrem, como no Egito Antigo? Porque sempre pensei que passar o dinheiro adiante, ajudar a família a ter segurança e liberdade é, mais ou menos, a única coisa que vale a pena fazer com dinheiro...

— Claro que é. Só estou dizendo que é um privilégio.