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— Desculpa!

— Acho que o meu botão não está funcionando — diz Lucy Chang, e Patrick arranca o dispositivo como se fosse culpa da pobre Lucy Chang e começa a fuçar com o enorme canivete suíço do exército que leva no imenso chaveiro. Alice e eu olhamos um para o outro com certa apreensão, pois estamos longe de parecer um time vencedor.

Depois disso, não me dou ao trabalho de responder a mais nenhuma pergunta. Nem as que sei a resposta. Deixo quase todas para Lucy e uma ou outra para Alice, e, assim que Patrick faz seu aconselhamento final (não fiquem ansiosos para apertar o botão, sempre concedam a pergunta para a pessoa com mais experiência na área, ouçam bem a pergunta, sejam cautelosos nas interrupções), Alice pega o casaco e segue em direção à porta. Mas, pouco antes de sair, para apaziguar os ânimos, ela diz:

— A propósito, uns amigos meus vão dar uma festa amanhã na Dorchester Street, 12, às 20h. Estão todos convidados. — Sorri um pedido de desculpas para mim, acho, e vai embora.

Volto para casa com Lucy Chang, que mora um pouco mais acima na minha rua, e ela, na verdade, é muito legal. Eu me dou conta de que Lucy é a primeira pessoa chinesa com quem conversei fora de um restaurante, mas decido não dizer isso em voz alta. Conversamos sobre como é o estudo de medicina e ela é muito boa no assunto, mas fala muito baixinho e preciso me inclinar para ouvir o que diz, o que me faz sentir um pouco como o príncipe Philip.

— O que fez você querer estudar medicina?

— Meus pais. Eles sempre disseram que ser médico era a maior ambição que alguém poderia ter. Para fazer diferença, melhorar a qualidade da vida de alguém.

— E você está gostando?

— Demais! Estou adorando. E você com a literatura?

— Ah, eu gosto. Só não sei se estou melhorando a qualidade da vida de alguém.

— Você escreve?

— Na verdade, não. Meio que comecei a escrever um pouco de poesia. — Ainda estou treinando para dizer isso em voz alta, mas Lucy não sorri com desdém. Pelo menos, não em voz alta. — Soa um pouco pretensioso, não é?

— Oh, nem um pouco. Por quê?

— Não sei. Como dizia George Orwell, a primeira resposta do homem inglês à poesia foi um extremo constrangimento.

— Não sei por quê. Pode-se dizer que poesia é a forma mais pura da expressão humana.

— Sim, bem... Isso porque você não leu os meus poemas.

Ela ri baixinho e diz:

— Até que eu gostaria de ler. Acho que devem ser muito bons.

— Também gostaria de ser operado por você! — digo, e há uma pausa enquanto tentamos pensar por que isso soa meio pervertido.

— Hum, vamos torcer para que isso não aconteça! — Continuamos andando um pouco mais, tentando esquecer o comentário de ser operado por você, que ainda paira no ar entre nós como um peido numa galeria de arte.

— Então, dissecando alguma coisa boa no momento? — pergunto afinal.

— O sistema cardiovascular.

— Entendi... E está gostando? — indaga o príncipe Philip.

— Sim, estou.

— E é no que você gostaria de se especializar?

— Acho que em cirurgia, mas ainda não sei em qual área. Estou indecisa entre o coração e o cérebro.

— Não estamos todos? — comento, o que soa bem espirituoso para mim. Na verdade, digo isso antes mesmo de processar o significado, e a observação fica pairando no ar. Então, Lucy vem com um non sequitur total.

— Alice é muito legal, não é?

— Sim. Sim. Às vezes. — Foi um non sequitur, não foi?

E, depois de um tempo...

— E muito bonita.

— Hum...

E, depois de um tempo...

— Vocês parecem bem chegados.

— Bem, acho que somos. Às vezes. — Encorajado e surpreso pela recém-descoberta proximidade com Lucy, eu digo: — Patrick é um cara bem esquisito, não é? Acho que ele... — mas Lucy para de repente, encosta a mão no meu braço e aperta de leve...

— Brian, posso falar uma coisa? Uma coisa pessoal...

— É claro... — respondo, e logo já sei o que ela vai dizer...

— É um pouco constrangedor pra mim... — continua com uma careta.

Ela vai me convidar para sair!

— Vá em frente. Pode falar...

— Tuuuudo bem... — diz Lucy, tomando fôlego...

O que eu vou responder? Bem, não. Lógico que tenho de dizer não...

— Lá vai...

…Mas como dizer não de uma maneira delicada, sem magoá-la...?

— Bem... Você tem o hábito de enfatizar tudo demais quando fala comigo, como se eu fosse surda ou coisa assim...

— Ah! É mesmo?

— Uh-hum. Você se inclina e mexe a cabeça e usa palavras bem simples, como se o meu vocabulário fosse muito limitado. Não sei se é por eu ser de origem chinesa ou americana ou algo assim, mas eu nunca estive na China, não falo chinês, nem gosto muito de comida chinesa. Por isso, sou capaz de entender tudo se você falar o bom, velho, tradicional e coloquial inglês...

— Desculpa... Não percebi que estava fazendo isso...

— Tudo bem... Não é só você. Isso acontece muito comigo. Quer dizer, o tempo todo...

— Estou envergonhado...

— Não, tudo bem, mas parece um pouco condescendente, só isso.

— Na verdade, acho que você vai perceber que a pronúncia certa é condéscendente!

— Não tem graça, Brian.

— Não, certo, claro que não. — Chegamos à Richmond House. — Então, a gente se vê na festa amanhã?

— Talvez. Não sou muito de festa...

— Mas talvez...

— Talvez... — e ela começou a subir a ladeira.

— A propósito, posso perguntar uma coisa?

Ela faz pausa meio nervosa.

— Vá em frente.

— Em termos médicos, o cérebro é um músculo ou uma glândula?

— Bem, é uma concentração de vários tipos de tecidos nervosos. Todos com propósitos similares e interligados. Então, acho que, tecnicamente, é um órgão. Por quê?

— Só estava querendo saber. A gente se vê amanhã.

— Tchau! — e vejo seu panda desaparecer pelo alto da ladeira.

Quando me viro, pronto para subir os degraus até a porta, vejo uma figura agachada no escuro, encostada na porta, cabeça abaixada, barrando a entrada. Paro no meio da escada e olho para o sujeito, que passa as mãos pela cabeça raspada antes de olhar para mim. Já estou aceitando a ideia de ser assaltado quando a figura se põe em pé e diz:

— Então, Bri, quem é a gatinha asiática?

Ao sair da penumbra, reconheço os olhos intensos e sagazes de Spencer Lewis.

26

PERGUNTA: Frequentemente usada em esculturas e também conhecida como mármore florentino, qual é a variedade de gesso hidratado, de textura fina translúcida, formada pelo acúmulo de depósitos precipitados pela evaporação da água do mar?

RESPOSTA: Alabastro.

— Spencer? O que está fazendo aqui?

— Pensei em passar para uma visita, só isso. — Corro escada acima para lhe dar um abraço. Ele me dá um soco no ombro e fazemos aquela dança esquisita que garotos fazem quando se cumprimentam.

— E você me convidou, afinal...

— É, sei que convidei, mas... Ei, o que aconteceu com o seu cabelo...?

Ele passa a mão na cabeça, raspada bem rente ao couro cabeludo.