— O quê? — pergunta Patrick.
— Brian, aqui não, está bem? — sibila Alice.
— Alguém pode por favor me dizer o que está acontecendo...? — ordena Patrick, quase latindo.
— Ok, pessoal! Chega! Vamos... ouvir um pouco de música, tudo bem? — sugere Lucy, a apaziguadora.
Uma mão segura meu braço, de modo gentil, porém firme, e eu quase imagino uma seringa hipodérmica na outra mão. Depois, afundo-me no banco, cubro a cabeça com o casaco para tentar dormir um pouco ao som de uma fita cassete gasta e distorcida de The Look of Love, do ABC, várias e várias e várias vezes, o caminho todo até Manchester, até eu achar que iria começar a gritar.
Pouco depois de eu bafejar birita na cara de Bamber Gascoigne, ele desaparece dentro do escritório para passar as perguntas, sobrando para o nosso velho amigo Julian, o jovem pesquisador simpático, revelar quem seriam os nossos oponentes. É exatamente o que temíamos. Uma palavra. Oxbridge. Patrick força um grande sorriso, mas o som dos seus dentes rangendo uns contra os outros ecoou pelo estúdio.
Os quatro de Oxbridge atravessam o estúdio com passos lentos em nossa direção, alinhados como pistoleiros. Todos de paletó e gravata combinando, óculos e cachecóis da universidade, tentando nos intimidar mais ainda. A equipe inteira é composta por homens brancos, então suponho que podíamos, ao menos, nos parabenizar por marcar um ponto pela igualdade entre os sexos, já que temos duas mulheres no time, ainda que uma delas seja uma bruxa duas caras, depravada, falsa e manipuladora.
Claro que nossos rivais ainda não descobriram a verdadeira natureza de Alice. Por isso, todos vão direto até ela e se agrupam à sua volta, como que pedindo por um autógrafo, enquanto Patrick pula para cima e para baixo na beira do círculo, tentando, desesperadamente, apertar a mão de alguém, de qualquer um. O capitão, Norton, que cursa literatura clássica, é um sujeito galã, de ombros largos e cabelos macios, o tipo de bonitão canalha que deve remar para todo lado. Ele aperta a mão de Alice e se recusa a soltar.
— Ora... Você deve ser a mascote! — diz ele, de maneira arrastada e lasciva, o que me parece algo bem ofensivo e chauvinista de se dizer, e tenho um momento de indignação feminina em prol de Alice, mas daí me lembro da noite de ontem, do guarda-roupa. Além do mais, Alice não parece se incomodar, pois também está rindo e mordendo os lábios, com os olhos bem abertos aparentando inocência, jogando os cabelos recém-lavados para trás. E Norton joga seu adorável e lustroso cabelo para trás, e Alice joga o dela outra vez; ele faz o mesmo, ela repete o gesto — é como um ritual de acasalamento num programa de vida selvagem. Tenho vergonha de admitir que as palavras provocadora vulgar passaram pela minha cabeça, mas como a expressão é específica quanto ao gênero, além de misógina, eu a reprimo, preferindo me manter fora do grupo, sem apertar a mão de ninguém, só observando. Lucy Chang me vê, se aproxima, segura no meu braço e me apresenta Partridge, um garoto de 19 anos de Saffron Walden, já ficando calvo, com a pele de pêssego, que estuda história moderna. Eu sorrio, e sorrio, e converso, e sorrio e me pergunto se haveria algum lugar onde eu pudesse me deitar um pouco.
Mas não há tempo, pois o animado Julian nos conduz aos nossos lugares para um rápido ensaio, só por diversão, com ele no lugar de Bamber. Desnecessário dizer que Patrick determina a disposição dos lugares me deixando bem no fim, o mais longe possível dele e de Lucy, quase no outro estúdio, para falar a verdade. Alice senta-se entre nós, o que teria sido adorável 24 horas atrás, mas, agora, é pura infelicidade, e ficamos lá encarando o nada, em silêncio, com Julian nos lembrando que é só um pouco de diversão, só um jogo, que o importante é nos divertirmos. As mesas e as campainhas parecem malfeitas e improvisadas, como se alguém as tivesse montado numa aula de marcenaria. Dá até para ver as lâmpadas iluminando meu nome na frente do painel. Eu poderia desatarraxar uma se quisesse, talvez roubar depois do programa como souvenir, como se fosse um trote universitário. Penso em comentar isso com Alice, mas me lembro que não estamos nos falando e me sinto triste de novo. Julian, enquanto isso, está nos convidando para testar nossas campainhas, para pegarmos o jeito com elas. Todos apertam os botões, e me debruço na mesa de madeira para ver meu nome acendendo e apagando. Jackson. Jackson. Jackson...
— Enfim, meu nome escrito em luzes! — fala Alice. Não olho para ela, claro, mas, pela voz, sei que está com um sorriso desesperado. — Sempre pensei que a única maneira de conseguir meu nome escrito em luzes seria mudar de Alice Harbinson para Saída de Emergência! — graceja ela, porém não sorri, só tamborila um código Morse na campainha: ponto ponto ponto, traço traço traço...
— Estranho, não é? Estarmos aqui! Depois de todo esse tempo...!
Continuo não respondendo. Aí, ela estica o braço e tira minha mão da campainha.
— Brian, fale comigo, por favor — diz, dessa vez sem sorrir, depois sussurra: — Olha, desculpe por ontem à noite. Desculpe por achar que andei enrolando você, mas nunca fiz nenhuma promessa, Brian. Sempre fui honesta com você. Sempre fui muito, muito clara em relação ao que eu sentia. Fale comigo, Brian, por favor! Não aguento esse seu silêncio...
Viro-me para ela, que parece triste e linda, com marcas de cansaço em volta dos olhos.
— Desculpe, Alice, mas acho que não consigo. — Ela faz que sim com a cabeça, como se entendesse, e, antes de podermos dizer qualquer coisa, Julian começa a pigarrear. O ensaio já vai começar.
— A separação final entre as igrejas cristãs do Ocidente e do Oriente, também conhecida como a Cisão Leste-Oeste, aconteceu em que ano?
Acho que sei essa, e aperto a campainha.
— Mil quinhentos e dezessete?
— Não, desculpe... Talvez você tenha pensado na Reforma. Temo que isso implique uma penalidade de 5 pontos.
— Mil e cinquenta e quatro? — sugere Norton, o do cabelo macio, que cursa literatura clássica.
— Resposta certa — responde Julian, e Norton sorri, joga o cabelo para trás, vitorioso. — Bem, Norton, isso representa 10 pontos, e sua equipe ganha o bônus para responder a três perguntas sobre deuses romanos...
Ironicamente, claro, eu sabia todas as respostas.
Ao final dos 15 minutos de ensaio, que é apenas uma diversão, só para relaxar, lembrando que é apenas um jogo, nós perdemos por 115 pontos a 15. Nos bastidores do cenário, Patrick está tão furioso que mal consegue falar. Fica andando em pequenos círculos, abrindo e fechando os punhos, guinchando. Guinchando mesmo.
— Os caras são bons, não? — comenta Alice.
— Nada excepcionais. Tiveram sorte, só isso — diz Lucy. — É em Partridge que temos de ficar de olho...
— … Três anos eu esperei por isso. Três anos... — resmunga Patrick, andando em pequenos círculos.
— …Nós estamos um pouco nervosos. Só isso — continua Lucy. — Apenas precisamos relaxar um pouco! Começar a nos divertir, e relaxar!
De repente, preciso de um drinque. Será que há algum bar no prédio? — me pergunto.
— Talvez devêssemos ir a um bar, beber uma ou duas canecas de cerveja e descontrair um pouco — sugere.
Patrick para de andar.
— O quê? — sibila.
— Você não acha que é uma boa ideia?
— Brian, você respondeu a oito perguntas no começo da rodada durante o ensaio e errou seis. Isso resulta em menos 30 pontos...
— Isso não é verdade... — replico na defensiva. — É? — e olho para Lucy em busca de apoio, mas ela está contemplando os próprios sapatos. Patrick vira-se para ela.