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- Eu não.

- A mim ninguém perguntou - disse Sonk.

- Oh, Jesus Cristo!

- Acalme-se, Johann - disse Van Nekk, tentando aliviar a tensão. - Somos os primeiros a atingir o Japão. Lembram-se das histórias todas, hein? Se conservarmos os miolos, estaremos ricos. Temos mercadorias para comerciar e há ouro aqui, tem que haver. Onde mais poderíamos vender nossa carga? Não lá no Novo Mundo, caçados e acossados. Estavam nos caçando e os espanhóis sabiam que estávamos ao largo de Santa Maria. Tivemos que abandonar o Chile e não havia como escapar de volta através do estreito — claro que eles estariam de tocaia à nossa espera, claro que estariam! Não, aqui estava a nossa única chance e foi uma boa idéia. Nossa carga trocada por especiarias, ouro e prata, hein? Pensem no lucro - o normal é de mil vezes. Estamos nas ilhas das especiarias. Vocês conhecem as riquezas do Japão e de Catai, vocês sempre ouviram falar nelas. Nós todos ouvimos. Por que outro motivo nós todos nos engajamos? Ficaremos ricos, vocês verão!

- Somos homens mortos, como os outros todos. Estamos na terra de Satã.

- Cale a boca, Roper! - disse Vinck, zangado. - O piloto agiu certo. Não é culpa dele que os outros tenham morrido, não é culpa dele. Sempre morrem homens nestas viagens.

Os olhos de Jan Roper estavam injetados, as pupilas minúsculas.

- Sim, Deus guarde a alma deles. Meu irmão foi um.

Blackthorne olhou dentro daqueles olhos fanáticos, odiando Jan Roper. Interiormente perguntava a si mesmo se realmente havia navegado para oeste a fim de se esquivar dos navios inimigos. Ou teria sido porque ele era o primeiro inglês atravessando o estreito, o primeiro em posição, pronto e capaz de penetrar para oeste, e por isso o primeiro com a chance de circunavegar o globo?

- Os outros não morreram por causa da sua ambição, piloto? Deus o castigará! - sibilou Jan Roper.

- Agora cale a boca. - A palavra de Blackthorne foi gentil e final.

Jan Roper sustentou-lhe o olhar com a mesma cara gelada de traços acentuados, mas ficou de boca fechada.

- Bom. - Blackthorne sentou-se pesadamente no chão e apoiou-se contra um dos pilares.

- O que devemos fazer, piloto?

- Esperar e sarar. O chefe deles virá logo, então teremos tudo arranjado.

Vinck olhava para o jardim lá fora, para o samurai sentado imóvel sobre os calcanhares, ao lado do portão.

- Olhem aquele bastardo. Está lá há horas, nunca se mexe, nunca diz nada, nem cutuca o nariz.

- Mas ele não representa problema algum, Johann. Nenhum em absoluto - disse Van Nekk.

- Sim, mas tudo o que fizemos até agora foi dormir, fornicar e comer a lavagem.

- Piloto, ele é apenas um homem. Nós somos dez - disse Ginsel tranqüilamente.

- Pensei nisso. Mas ainda não estamos bem o suficiente. Vai levar uma semana para que o escorbuto passe - respondeu Blackthorne, preocupado. - Há muitos deles a bordo. Eu não gostaria de me ocupar sequer de um sem uma lança ou uma pistola. Vocês são vigiados à noite?

- Sim. Trocam a guarda três ou quatro vezes. Alguém viu uma sentinela pegar no sono? - perguntou Van Nekk.

Balançaram a cabeça.

- Poderíamos estar a bordo esta noite - disse Jan Roper. - Com a ajuda de Deus subjugaremos os pagãos e tomaremos o navio.

- Limpe a merda dos seus ouvidos! O piloto acabou de lhe dizer! Você não ouve? - exclamou Vinck, contrariado.

- Está certo - concordou Pieterzoon, um artilheiro. - Pare de importunar o velho Vinck!

Os olhos de Jan Roper apertaram-se ainda mais.

- Cuidado com a sua alma, Johann Vinck. E com a sua, Hans Pieterzoon. O Dia do Juízo se aproxima. - Afastou-se e foi sentar na varanda.

Van Nekk rompeu o silêncio.

- Tudo vai dar certo. Vocês verão.

- Roper está certo. Foi a ganância que nos pôs aqui - disse o jovem Croocq, a voz trêmula. - Foi o castigo de Deus que...

- Pare com isso!

O rapaz estremeceu.

- Sim, piloto. Desculpe, mas bem... - Maximilian Croocq era o mais novo deles, tinha só dezesseis anos, e fora engajado para a viagem porque seu pai era o capitão de um dos navios e eles iam fazer fortuna. Mas vira o pai ter uma péssima morte quando saquêaram a cidade espanhola de Santa Magdellana, na Argentina. O butim fora bom, e ele vira o que era estupro e o experimentara, odiando a si mesmo, saturado de cheiro de sangue e de matança. Mais tarde vira morrer mais amigos seus e os cinco navios tornarem-se um, e agora se sentia como o mais velho de todos. - Desculpe. Desculpe.

- Há quanto tempo estamos em terra, Baccus? - perguntou Blackthorne.

- Este é o terceiro dia. - Van Nekk aproximou-se de novo, pôs-se de cócoras. - Não me lembro da chegada com muita clareza, mas quando acordei os selvagens estavam por todo o navio. Mas muito polidos e gentis. Deram-nos comida e água quente. Levaram embora os mortos e lançaram as âncoras. Não lembro muito, mas acho que nos rebocaram para um ancoradouro seguro. Você delirava quando o carregaram para a praia. Quisemos conservá-lo conosco, mas não deixaram. Um deles falava algumas palavras em português. Parecia ser o chefe, tinha o cabelo grisalho. Não entendia "piloto-mor", mas conhecia "capitão". Ficou absolutamente claro que ele queria que o nosso "capitão" tivesse alojamento diferente do nosso, mas disse que não precisávamos nos preocupar, porque você seria bem cuidado. Nós também. Depois nos guiou para cá, a maioria veio carregada, e disse que devíamos ficar dentro de casa até que o capitão dele viesse. Não queríamos deixar que o levassem, mas não havia nada que pudéssemos fazer. Você perguntará ao chefe sobre vinho ou conhaque, piloto? - Van Nekk lambeu os lábios, sedento, e acrescentou: - Agora que penso nisso, ele também mencionou "daimio".  O que vai acontecer quando o daimio chegar?

- Alguém tem uma faca ou pistola?

- Não - disse Van Nekk, coçando distraído os piolhos na cabeça. - Levaram todas as nossas roupas para limpar e ficaram com as armas. Não pensei nada sobre isso na hora. Também pegaram minhas chaves, assim como a minha pistola. Eu tinha todas as minhas chaves numa argola. A da sala forte, da caixa-forte e do paiol.

- Está tudo muito bem trancado a bordo. Não é preciso se preocupar com isso.

- Não gosto de estar sem as minhas chaves. Fico muito nervoso. Malditos olhos os meus. Eu saberia como usar um conhaque bem agorinha. Até um frasco de cerveja.

- Jesus! O samiri cortou-o em pedaços, foi? - disse Sonk a ninguém em particular.

- Pelo amor de Deus, cale a boca. É "samurai". Você sozinho é suficiente para fazer um homem se borrar todo - disse Ginsel.

- Espero que aquele padre bastardo não venha aqui - disse Vinck.

- Estamos seguros nas mãos do bom Deus. - Van Nekk ainda estava tentando soar confiante. - Quando o daimio vier, seremos libertados. Recuperaremos nosso barco e nossas armas. Vocês verão. Venderemos toda a nossa mercadoria e voltaremos à Holanda e a salvo, depois de termos dado a volta ao mundo, os primeiros holandeses a conseguirem isso. Os católicos irão para o inferno e isso é o fim da história.

- Não, não é - disse Vinck. - Papistas fazem a minha pele se arrepiar toda. Não posso evitar isso. Isso e a idéia de conquistadores. Acha que chegarão em grande número, piloto?

- Não sei. Diria que sim! Gostaria que tivéssemos toda a nossa esquadra aqui.

- Pobres bastardos - disse Vinck. - Pelo menos estamos vivos.

- Talvez tenham voltado para casa - disse Maetsukker.

- Talvez tenham voltado de Magalhães, quando a tempestade nos dispersou.

- Espero que você esteja certo - disse Blackthorne. - Mas acho que estão completamente perdidos.

Ginsel estremeceu.

- Pelo menos estamos vivos.

- Com papistas aqui e esses pagãos miseráveis, eu não daria um peido de puta velha pelas nossas vidas.

- Maldito o dia em que saí da Holanda! - disse Pieterzoon.

- Maldito grogue! Se eu não estivesse mais bêbado do que a cadela de um violinista, ainda estaria em Amsterdã, com a minha velha.