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Ela raramente ria. Armanskij, no entanto, tinha a impressão de haver notado um abrandamento nela. Seu humor era seco e eventualmente acompanhado de um leve sorriso irônico.

Às vezes, Armanskij sentia-se tão provocado pela falta de resposta emocional de Lisbeth Salander que tinha vontade de sacudi-la e abrir uma passagem nessa carapaça para conquistar sua amizade ou pelo menos seu respeito.

Numa única ocasião, quando fazia nove meses que ela trabalhava para ele, tentou discutir esses sentimentos com ela. Foi numa noite de dezembro, na festa de Natal da Milton Security, e dessa vez ele bebera bastante. Nada de inconveniente se passou — ele apenas tentou dizer que gostava muito dela. Sobretudo, quis explicar que tinha um instinto de proteção por ela e que, se um dia ela precisasse de alguma coisa, podia procurá-lo com toda a confiança. Tentou mesmo abraçá-la — amigavelmente, é claro.

Ela se desvencilhou desse abraço desajeitado e foi embora da festa. Não apareceu mais no escritório nem atendia o celular. Dragan Armanskij viveu sua ausência como uma tortura — quase como uma punição pessoal. Não tinha ninguém com quem dividir seus sentimentos, e pela primeira vez compreendeu, com uma lucidez aterradora, o poder devastador que Lisbeth Salander tinha sobre ele.

Três semanas depois, numa noite de janeiro, quando Armanskij fazia hora extra para verificar o balancete do ano, Salander voltou. Entrou na sala suavemente como um fantasma e de súbito ele a percebeu junto à porta, observando-o dali da penumbra. Não tinha a menor idéia de quanto tempo fazia que ela estava ali.

— Quer café? — ela perguntou, estendendo-lhe um copinho da máquina de café expresso da cantina.

Sem dizer uma palavra, ele pegou o copinho e sentiu ao mesmo tempo alívio e temor quando ela fechou a porta com a ponta do pé e instalou-se na poltrona dos visitantes, olhando-o bem nos olhos. A seguir, fez a pergunta tabu de tal modo que ele nem pôde despachá-la com um gracejo nem contorná-la.

— Dragan, você sente tesão por mim?

Armanskij ficou como que paralisado, refletindo como um louco sobre que resposta dar. Seu primeiro impulso foi negar, com ar ofendido. Depois, viu o olhar dela e entendeu que, pela primeira vez, ela perguntava alguma coisa. Uma pergunta séria e, se ele tentasse se safar com um gracejo, ela tomaria aquilo como um insulto pessoal. Ela queria falar com ele, e ele se perguntou há quanto tempo ela estava reunindo coragem para fazer essa pergunta. Depositando a caneta bem devagar sobre a mesa, ele se reclinou na poltrona e, por fim, conseguiu relaxar.

— O que a faz supor isso? — perguntou.

— A maneira como me olha e a maneira como não me olha. E às vezes em que esteve a ponto de estender a mão para me tocar e se conteve.

Ele sorriu de repente.

— Eu tinha a impressão de que você morderia a minha mão se eu tocasse um dedo em você.

Ela não sorriu. Esperava.

— Lisbeth, sou seu chefe e, mesmo que estivesse atraído por você, nunca faria um gesto.

Ela continuava esperando.

— Entre nós, sim, houve momentos em que me senti atraído. Não consigo explicar, mas aconteceu. Por uma razão que eu mesmo não entendo, gosto imensamente de você. Mas não é nada físico.

— Melhor assim. Porque nunca haverá nada entre nós.

Armanskij soltou uma risada. Mesmo dando a informação mais negativa que um homem podia receber, Salander acabava de lhe falar, de certa maneira, com intimidade. Ele buscou as palavras apropriadas.

— Lisbeth, entendo que não esteja interessada em um velho com mais de cinquenta anos.

— Não estou interessada num velho com mais de cinquenta anos que é meu chefe. — Ela ergueu a mão. — Espere, deixe-me falar. Às vezes você é tacanho e insuportável com esse seu jeito de burocrata, mas o fato é que também é um homem atraente e... eu também posso me sentir... Só que você é meu chefe, eu conheci sua mulher, quero conservar esse emprego na firma, e a pior coisa que eu poderia fazer seria ter um caso com você.

Amanskij ficou em silêncio, ele mal ousava respirar.

— Estou perfeitamente consciente do que fez por mim, e não sou uma ingrata. Aprecio de verdade que tenha passado por cima dos preconceitos e tenha me dado uma chance aqui. Mas não o quero como amante e você não é meu pai.

Ela se calou. Depois de um momento, Armanskij suspirou, desamparado.

— O que quer de mim então?

— Quero continuar trabalhando para você. Se acha isso conveniente. Ele assentiu com a cabeça e em seguida respondeu com a maior franqueza possível.

— Realmente, tenho muita vontade que trabalhe para mim. Mas também quero que sinta alguma forma de amizade e de confiança por mim.

Ela concordou com a cabeça.

— Você não é uma pessoa que incite à amizade — ele disparou de repente. Ela se contraiu um pouco, porém ele prosseguiu, inexorável. — Entendi que não quer que se envolvam com a sua vida e tentarei não fazer isso. Mas tudo bem se continuo a gostar de você?

Salander refletiu por um bom tempo. Sua resposta, então, foi se levantar, contornar a mesa e abraçá-lo. Ele ficou paralisado. Somente quando ela o soltou, ele pegou sua mão.

— Podemos ser amigos? — ele perguntou. Ela concordou com a cabeça mais uma vez.

Foi a única ocasião em que ela lhe mostrara ternura e a única em que o tocara. Um momento de que Armanskij se lembrava sempre com emoção.

Quatro anos haviam transcorrido agora, e ela quase nada revelara a Armanskij sobre sua vida pessoal ou sobre seu passado. Uma vez, ele direcionou a ela sua própria competência na arte da investigação. Teve também uma longa conversa com Holger Palmgren — que não pareceu surpreso de ouvi-lo —, e o que acabou por saber em nada contribuiu para aumentar sua confiança. Nunca discutiu esse assunto com ela, nunca fez a menor alusão nem lhe deu a entender que vasculhara sua vida privada. Em vez disso, ocultou sua inquietação e reforçou a vigilância.

Antes que essa memorável noitada terminasse, Salander e Armanskij chegaram a um acordo. Ela passaria a trabalhar para ele como freelancer. Receberia um pequeno pagamento mensal fixo, quer realizasse ou não missões; os verdadeiros rendimentos viriam das faturas que apresentasse em cada missão. Trabalharia como bem entendesse; em contrapartida, ela se comprometeria a nunca fazer nada que prejudicasse ou criasse problemas para a Milton Security.

De acordo com Armanskji, era uma solução vantajosa para a empresa, para ele mesmo e para Salander. Ele restringiu o penoso serviço das IP a um único funcionário fixo, um colaborador muito jovem que desempenhava corretamente as tarefas rotineiras e cuidava das informações sobre solvência. Todas as missões complicadas e duvidosas, ele reservou a Salander e a outros freelancers que — se as coisas saíssem mal — eram seus próprios patrões e pelos quais a Milton Security não precisava responder. Como ele lhe passava missões com frequência, ela obtinha rendimentos confortáveis. Rendimentos que até poderiam ser bem mais elevados, porém ela trabalhava somente quando tinha vontade, segundo o princípio de que, se Armanskij não gostasse, bastava dispensá-la.

Armanskij a aceitou tal como era, com a condição de que não devia se encontrar com os clientes. Quase nunca havia exceções a essa regra, mas o caso que hoje se apresentava era, infelizmente, uma delas.

Naquele dia, Lisbeth Salander vestia uma camiseta preta com uma imagem do E. T. exibindo dentes ferozes e as palavras I am also an alien. Usava saia preta com a bainha desfeita, uma jaqueta curta de couro também preta e ralada, cinto com rebites, botas Doc. Martens e meias com listas transversais vermelhas e verdes, subindo até os joelhos. A maquiagem indicava que talvez fosse daltônica. Ou seja, apresentava-se com o maior esmero.