Correu para a porta, teclou novamente o código, entrou e subiu a escada até o terceiro andar, onde se pôs a martelar na porta de Lillian Josefsson.
Já eram mais de seis e meia quando Annika, recuperada de suas emoções, conseguiu ligar para Mikael Blomkvist. Estava com um olho roxo e um corte aberto no supercílio, que Lillian Josefsson tinha limpado com álcool antes de aplicar um curativo. Não, Annika não queria ir para o hospital. Sim, aceitava uma xícara de chá. Só então começou a pensar racionalmente. Sua Primeira medida foi chamar seu irmão.
Mikael Blomkvist ainda estava na redação da Millennium, buscando informações sobre o assassino de Zalachenko junto com Henry Cortez e Malu Eriksson. Escutou o relato de Annika com um espanto crescente.
— Você está bem? — perguntou.
— Olho roxo. Vou estar em condições de agir depois que eu me acalmar.
— Puta merda, roubo seguido de violência?
— Levaram a minha pasta com o dossiê Zalachenko que você tinha me dado. Sumiu.
— Não faz mal, posso fazer uma cópia.
Ele se interrompeu, sentindo os cabelos se arrepiarem de repente na cabeça. Primeiro Zalachenko. Agora Annika.
— Annika... eu já te ligo.
Fechou o iBook, enfiou-o na sacola e saiu depressa da redação, sem uma palavra. Correu até em casa, na Bellmansgatan, e subiu os degraus da escada de quatro em quatro.
A porta estava trancada.
Assim que entrou no apartamento, percebeu que a pasta azul que tinha deixado na mesa da cozinha havia desaparecido. Nem se deu ao trabalho de procurá-la. Sabia exatamente onde havia deixado a pasta quando saíra do apartamento. Deixou-se cair devagar numa cadeira diante da mesa enquanto os pensamentos borbulhavam em sua cabeça.
Alguém tinha entrado no apartamento. Alguém estava tentando apagar o rastro de Zalachenko.
A sua cópia e a de Annika haviam sumido.
Bublanski ainda tinha o relatório.
Ou?
Mikael se levantou e foi até o telefone, mas parou, com o fone na mão. Alguém tinha entrado no apartamento. De repente, olhou desconfiado para o telefone e apalpou o bolso do casaco em busca do celular.
Serd que é possível pôr um celular sob escuta?
Devagar, deixou o celular ao lado do aparelho fixo e olhou em volta.
Estou lidando com profissionais. Será possível colocar um apartamento inteiro sob escuta?
Voltou a se sentar à mesa da cozinha.
Fitou a sacola do computador.
Será que é fácil interceptar e-mails? A Lisbeth sabe bem disso, ela consegue em cinco minutos.
Ficou um bom tempo refletindo antes de voltar ao telefone e ligar para a sua irmã em Gõteborg. Escolheu as palavras com cuidado.
— Oi... tudo bem?
— Estou bem, Mike.
— Me conte o que aconteceu desde que você saiu do Sahlgrenska até ser agredida.
Ela levou dez minutos para fazer um balanço do seu dia. Mikael não comentou nada sobre o impacto do que ela estava relatando, mas foi encaixando algumas perguntas até se sentir satisfeito. Passava a impressão de um irmão preocupado, mas ao mesmo tempo seu cérebro atuava em outro nível, estabelecendo pontos de referência.
Às quatro e meia da tarde, ela tinha resolvido ficar em Gõteborg e ligara do celular para a sua amiga, que lhe fornecera o endereço e o código da entrada do prédio dela. O ladrão estava esperando por ela no hall às seis em ponto.
O celular de sua irmã estava grampeado. Era a única explicação.
O que significava que o seu também estava.
Senão, não teria sentido.
— Mas eles pegaram o dossiê Zalachenko — repetiu Annika.
Mikael hesitou um instante. Quem tinha roubado o dossiê já sabia que Mikael tinha sido roubado. Era natural que contasse a Annika por telefone.
— O meu também — disse ele.
— O quê?
Ele explicou que viera correndo para casa e que a pasta azul sobre a mesa da cozinha havia desaparecido.
— Certo — disse Mikael com voz surda. — E um desastre. O dossiê Zalachenko evaporou. Era o ponto forte da nossa argumentação.
— Mike... eu sinto muito.
— Eu também — disse Mikael. — Droga! Mas não é culpa sua. Eu deveria ter divulgado o relatório no dia em que o encontrei.
— E agora, o que a gente faz?
— Não sei. É a pior coisa que podia acontecer. Nosso plano todo foi para o espaço. Não temos nem sombra de prova contra o Bjõrck e o Teleborian.
Conversaram mais uns dois minutos, então Mikael encerrou a conversa.
— Queria que você voltasse para Estocolmo amanhã — disse ele.
— Lamento. Preciso ver a Salander.
— Faça isso de manhã. Volte à tarde. Temos que nos encontrar para pensar no que fazer.
Encerrada a conversa, Mikael permaneceu imóvel no sofá, fitando um ponto à sua frente. Então um sorriso se espalhou por seu rosto. Quem tinha escutado a conversa agora sabia que a Millennium tinha perdido o relatório Bjõrck de 1991, assim como a correspondência entre Bjõrck e Teleborian, o médico de doidos. Sabia que Mikael e Annika estavam desesperados.
A desinformação é a base de toda espionagem, pelo menos isso Mikael aprendera ao estudar a história da Sapo na noite anterior. E ele acabava de plantar uma desinformação que, a longo prazo, podia se revelar inestimável.
Abriu a sacola do computador e tirou a cópia que fizera para Dragan Armanskij, mas que ainda não tivera tido tempo de lhe passar. Era o único exemplar remanescente. Não pretendia perdê-lo. Pelo contrário, pretendia fazer de imediato cinco cópias, no mínimo, e distribuí-las em locais apropriados.
Então deu uma olhada no relógio e ligou para a redação da Millennium. Malu Eriksson ainda estava lá, mas já de saída.
— Por que você saiu correndo daquele jeito?
— Você poderia esperar um pouco para ir embora? Vou voltar para a redação e preciso ver uma coisa com você antes de você sair.
Havia semanas que não punha a roupa para lavar. Não tinha tido tempo. Todas as suas camisas estavam no cesto de roupa suja. Pegou o barbeador e Luta pelo controle da Sapo, junto com o único exemplar remanescente do relatório de Bjõrck. Foi caminhando até a Dressman, comprou quatro camisas, duas calças e dez cuecas, e levou as compras para a redação. Malu Eriksson esperou enquanto ele tomava um banho rápido. Perguntou o que ele estava tramando.
— Alguém arrombou o meu apartamento e roubou o relatório Zalachenko. Alguém agrediu a Annika em Gõteborg e roubou a cópia dela. Tive a confirmação de que o telefone dela está grampeado, o que significa que o meu, e talvez o seu, e talvez todos os telefones da Millennium estejam sob escuta. E imagino que se alguém se deu ao trabalho de entrar na minha casa, seria burrice não ter aproveitado para pôr o apartamento inteiro sob escuta.
— Ah — disse Malu Eriksson com voz apagada. Ela olhou para o seu celular que estava em cima da mesa, à sua frente.
— Continue trabalhando normalmente. Use o celular, mas não passe nenhuma informação. Amanhã a gente avisa o Henry Cortez.
— Está bem. Ele saiu faz uma hora. Deixou uma pilha de investigações do Estado em cima da sua mesa. Mas o que você está fazendo aqui...?
— Pretendo dormir na Millennium esta noite. Se eles hoje mataram o Zalachenko, roubaram os relatórios e colocaram o meu apartamento sob vigilância, tudo leva a crer que estão só começando, e ainda não tiveram tempo de cuidar da Millennium. Teve gente aqui o dia inteiro. Não quero que a redação fique deserta durante a noite.
— Você acha que o assassinato do Zalachenko... Mas o assassino era um velho perturbado de setenta e oito anos.
— Não acredito nesse tipo de acaso nem por um segundo. Alguém está apagando o rastro do Zalachenko. Não estou nem aí para quem é esse velho e para quantas cartas piradas ele mandou para os ministros. Ele era uma espécie de matador de aluguel. Foi até lá com a intenção de matar o Zalachenko... e talvez a Lisbeth Salander.