Выбрать главу

— Alguma droga?

— Segundo o laudo toxicológico, no sangue de Bjõrck há vestígios de analgésicos potentes. São remédios vendidos com receita e que tinham sido prescritos para ele. Também há vestígios de álcool, mas uma quantidade mínima. Ou seja, ele estava praticamente sóbrio.

— O médico-legista escreveu que ele estava com algumas escoriações.

— Uma, de três centímetros de comprimento, na face externa do joelho esquerdo. Um arranhão. Pensei nisso, mas pode ter acontecido de mil maneiras... ele pode, por exemplo, ter esbarrado numa cadeira ou algo do gênero.

Sonja Modig ergueu uma foto que mostrava o rosto deformado de Bjõrck. O nó corrediço penetrara a pele com tal profundidade que já não se enxergava a corda propriamente dita. Seu rosto apresentava um inchaço grotesco.

— Dá para afirmar que ele ficou pendurado ali várias horas, quase vinte e quatro, antes de o gancho ceder. O sangue se concentrou, de um lado, na cabeça, onde o nó corrediço não permitiu que ele fluísse para o resto do corpo, e de outro, nas extremidades inferiores. Quando o gancho cedeu, ele bateu com a caixa torácica na quina da mesa de jantar. Mas essa lesão ocorreu muito tempo depois da morte.

— Que jeito escroto de morrer — disse Curt Bolinder.

— Não tenho tanto certeza. A corda era tão fina que penetrou profundamente a pele e deteve o fluxo sangüíneo. Ele deve ter perdido a consciência em poucos segundos e morreu em um ou dois minutos.

Bublanski fechou o inquérito preliminar com cara de nojo. Não estava gostando nem um pouco. Não gostava nada de Zalachenko e Bjõrck terem morrido no mesmo dia. Um, eliminado por um justiceiro demente, e o outro por suas próprias mãos. Mas, qualquer que fosse a especulação, não se podia negar o fato de que o exame da cena do crime em nada corroborava a tese de que alguém teria ajudado Bjórck a morrer.

— Ele vinha sofrendo uma pressão enorme — disse Bublanski. — Sabia que o caso Zalachenko estava sendo desmantelado, que ele próprio corria o risco de ser pego por infringir a lei de remuneração de serviços sexuais e também de ficar exposto na mídia. Estava doente e convivia com uma dor crônica fazia já algum tempo... Não sei. Eu gostaria que ele tivesse deixado uma carta ou algo assim.

— Muitos candidatos ao suicídio não escrevem cartas de despedida.

— Eu sei. Tudo bem. Não temos escolha. Vamos arquivar o Bjórck.

Erika Berger foi incapaz de se instalar de imediato na cadeira de Morander dentro do aquário e separar os objetos pessoais dele. Combinou com Gunder Storman que ele falaria com a viúva e pediria que ela viesse pegar o que pertencera ao marido quando fosse conveniente para ela.

Por enquanto, contentou-se em abrir um pequeno espaço de trabalho no meio do oceano da redação, onde colocou seu laptop e assumiu o comando. Foi um caos. Mas três horas depois de ela prontamente assumir o leme do SMP, a página do editorial estava no prelo. Gunder Storman redigira quatro colunas sobre a vida e a obra de Hâkan Morander. A página estava montada em torno de uma foto de Morander, no centro, com seu editorial inacabado à esquerda e uma série de fotos na parte inferior. A diagramação estava precária, mas tinha um toque de emoção que tornava as imperfeições aceitáveis.

Pouco antes das seis da tarde, Erika percorria os títulos da primeira página e discutia alguns textos com o chefe de redação, quando Borgsjõ apareceu e tocou seu ombro. Ela ergueu os olhos.

— Eu queria falar com você.

Foram juntos até a máquina de café na sala dos funcionários.

— Eu só queria dizer que gostei muito da maneira como você assumiu o comando hoje. Acho que surpreendeu a todos nós.

— É que eu não tinha muito por onde escapar. Mas as coisas vão ficar meio instáveis até eu pegar o jeito.

— A gente sabe.

— A gente?

— Quero dizer, tanto os funcionários como a direção. Especialmente a direção. Mas depois de tudo que aconteceu hoje estou mais do que convencido de que você é a pessoa de que precisamos. Caiu como sopa no mel e teve de assumir as rédeas numa situação muito difícil.

Erika por pouco não enrubesceu, coisa que não acontecia desde seus catorze anos.

— Posso lhe dar um conselho?

— Naturalmente.

— Ouvi dizer que haveria divergências entre você e o chefe de Atualidades, o Lukas Holm.

— Nós discordamos quanto à orientação do texto .sobre a proposta fiscal do governo. Ele tinha opinado demais na página de Atualidades. A gente deve manter a neutralidade quando se trata de informação bruta. As opiniões ficam para as páginas dos editoriais. E, por falar nisso: pretendo escrever um editorial de vez em quando, mas como não milito em nenhum partido político vamos ter de decidir quem vai assumir a frente dos editoriais.

— O Storman pode cuidar disso até segunda ordem — disse Borgsjõ. Erika deu de ombros.

— Quem você escolher para mim está bom. Mas, a princípio, precisa ser alguém que responda pelas posições do jornal.

— Entendo. O que eu queria dizer é que seria bom você deixar certa margem de manobra para o Holm. Ele já está há tempos no SMP e faz quinze anos que é chefe de Atualidades. Ele sabe o que faz. Às vezes se mostra meio obtuso, mas é praticamente indispensável.

— Sei disso. O Morander me falou. Mas no que diz respeito à nossa política de atualidades, tenho a impressão que eu vou precisar colocá-lo na linha. Afinal, vocês me contrataram para renovar o jornal.

Borgsjõ balançou a cabeça, pensativo.

— Está bem. O jeito é ir resolvendo os problemas à medida que eles aparecerem.

Annika Giannini estava não só cansada como irritada na quarta-feira à noite, quando pegou o X2000 na estação central de Gõteborg para voltar a Estocolmo. Tinha a impressão de estar morando no trem naquele último mês. A família fora relegada a segundo plano. Foi buscar um café no vagão--restaurante e, ao retornar ao seu lugar, abriu a pasta que continha as anotações de sua última entrevista com Lisbeth Salander. Ela também era uma das razões de seu cansaço e irritação.

Ela está escondendo coisas, pensou Annika Giannini. Essa idiota não está me dizendo a verdade. E o Mike também está me ocultando alguma coisa. Só Deus sabe o que eles estão aprontando.

Considerando-se que não houvera nenhuma comunicação entre seu irmão e sua cliente, as manobras deles — se é que havia manobra — deviam ser fruto de algum acordo tácito e natural. Ela não sabia do que se tratava, mas supunha ser algo que Mikael Blomkvist julgava importante esconder.

Temia que fosse alguma questão moral, o ponto fraco de seu irmão. Ele era amigo de Lisbeth Salander. Annika o conhecia muito bem e sabia que ele era leal até as raias da estupidez com aqueles que classificava definitivamente como amigos, mesmo que o amigo em questão fosse insuportável e estivesse errado de A a Z. Ela também sabia que Mikael era capaz de tolerar muitas bobagens, mas que havia uma fronteira que não podia ser ultrapassada. Em que ponto exatamente se situava essa fronteira, isso variava de acordo com a pessoa, mas ela sabia que duas ou três vezes Mikael rompera com amigos próximos porque eles tinham se comportado de um jeito que ele considerava imoral ou inaceitável. Nesses casos, ficava intransigente. A ruptura era total, definitiva e irrevogável. Mikael nem atendia mais o telefone, mesmo que a pessoa em questão estivesse ligando para se ajoelhar aos seus pés e pedir perdão.

Annika Giannini sabia muito bem o que Mikael Blomkvist tinha em mente. Em compensação, não fazia idéia do que se passava pela cabeça de Lisbeth Salander. Em alguns momentos, tinha a impressão de que nela reinava o vazio absoluto.

Mikael insinuara que Lisbeth Salander podia se mostrar explosiva e extremamente reservada com as pessoas à sua volta. Antes de conhecê-la, Annika pensava que seria uma situação passageira e que tudo era uma questão de confiança. Mas constatara, depois de um mês de convívio — embora as duas primeiras semanas não contassem, já que Lisbeth estava muito fraca para conversar —, que a comunicação quase sempre se dava num sentido só.