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Em março de 1989, um tio de Idris Ghidi pagou uma quantia equivalente a cinqüenta mil coroas suecas para o chefe local do Partido Baas, decerto uma espécie de compensação suficiente pelos estragos que Idris Ghidi causara ao Estado iraquiano. Dois dias depois, ele foi solto e entregue ao tio. Pesava trinta e nove quilos e não conseguia caminhar. Antes de soltá-lo, haviam quebrado seu quadril esquerdo com uma grande quantidade de golpes, para impedi-lo de andar por aí e cometer futuras besteiras.

Idris Ghidi ficou entre a vida e a morte durante várias semanas. Quando finalmente sentiu-se um pouco melhor, seu tio o levou para um sítio a seiscentos quilômetros de Mossul. Ele refez as energias durante o verão até ficar forte o bastante para reaprender a andar de muletas de modo mais ou menos aceitável. Sabia perfeitamente que nunca se restabeleceria por completo. A questão agora era o que ele faria dali em diante. Em agosto, seus dois irmãos foram presos pela polícia secreta. Jamais tornaria a vê-los. Deviam estar enterrados em algum lugar nos subúrbios de Mossul. Em setembro, seu tio descobriu que a polícia secreta de Saddam Hussein estava novamente procurando Idris Ghidi. Ele então resolveu procurar um atravessador anônimo, que, por uma quantia equivalente a trinta mil coroas, fez Idris Ghidi cruzar a fronteira turca e, com um passaporte falso, levou-o para a Europa.

Idris Ghidi aterrissou no aeroporto de Arlanda, em Estocolmo, em 19 de outubro de 1989. Não falava uma palavra de sueco, mas tinham lhe explicado que ele deveria se apresentar na polícia de fronteiras e imediatamente pedir asilo político, o que ele fez usando um inglês precário. Foi transferido para um centro de refugiados em Upplands-Vãsby, e ali passou os dois anos seguintes, até que o Ministério da Imigração concluiu que não havia motivos suficientes para Idris Ghidi obter um visto de residência na Suécia.

A essa altura, Ghidi já havia aprendido a falar sueco e recebido tratamento médico para o seu quadril esmagado. Passara por duas cirurgias e conseguia se locomover sem muletas. Nesse meio-tempo, houvera o "não" dos moradores de Sjõbo aos imigrantes, alguns centros de refugiados tinham sido alvo de atentados e Bert Karlsson fundara o Partido Nova Democracia.

O motivo exato pelo qual Idris Ghidi constava nos arquivos da imprensa era que, no último instante, um novo advogado reunira a imprensa para explicar a situação. Outros curdos que viviam na Suécia se mobilizaram a favor de Idris Ghidi, entre os quais alguns membros da combativa família Baksi. Houve reuniões de protesto, e abaixo-assinados foram enviados ao ministro da Imigração, Birgit Friggebo. A repercussão na mídia foi tanta que o Ministério da Imigração acabou modificando sua decisão. Ghidi obteve um visto de residência e um emprego no reino da Suécia. Em janeiro de 1992, deixou o centro de refugiados de Upplands-Vãsby na condição de homem livre.

Ao deixar o centro de refugiados, um novo desafio aguardava Idris Ghidi. Ele precisava encontrar trabalho enquanto ainda fazia fisioterapia no seu quadril destruído. Idris Ghidi logo iria descobrir que o fato de ele ter uma sólida formação como engenheiro civil, com anos de experiência e diplomas legalmente reconhecidos não queria dizer nada. Nos anos que se seguiram trabalhou como entregador de jornais, lavador de pratos, gari e motorista de táxi. Viu-se obrigado a pedir demissão do emprego de entregador de jornais Simplesmente não conseguia subir escadas no ritmo necessário. Gostava do trabalho de taxista, mas havia dois problemas. Não conhecia minimamente a rede viária de Estocolmo e não conseguia ficar imóvel mais de uma hora seguida sem que a dor no quadril se tornasse insuportável.

Em maio de 1998, Idris Ghidi se mudou para Gõteborg. Um parente distante se compadecera de sua situação e lhe oferecera um emprego fixo numa firma de limpeza. Como Idris Ghidi não podia trabalhar em tempo integral, deram-lhe um serviço de meio período como chefe de uma das equipes de faxineiros do Hospital Sahlgrenska, que terceirizava os serviços. Seu trabalho, fácil e metódico, consistia em lavar o piso de alguns setores, entre eles o 11C, seis dias por semana.

Mikael Blomkvist leu o resumo de Daniel Olofsson e examinou a foto de Idris Ghidi no cadastro de passaportes. Em seguida, abriu o site dos arquivos de imprensa e selecionou vários que haviam servido de base para o resumo de Olofsson. Leu atentamente e depois passou um bocado de tempo refletindo. Acendeu um cigarro. A proibição de fumar na redação fora rapidamente abolida depois da saída" de Erika Berger. Henry Cortez chegava a deixar um cinzeiro sobre sua mesa, à vista de todos.

Por fim, Mikael pegou a folha A4 que Daniel Olofsson produzira sobre Anders Jonasson. Leu o texto, e sulcos profundos foram marcando sua testa.

Mikael Blomkvist não estava vendo o carro com a placa KAB nem tinha a sensação de estar sendo seguido, mas preferiu não dar chance ao azar na segunda-feira, quando foi da livraria universitária à entrada secundária da loja de departamentos NK, saindo em seguida pela porta principal. Para conseguir vigiar alguém dentro de uma loja de departamentos, só sendo um super-homem. Desligou os dois celulares e foi a pé até a Praça Gustaf Adolf. Entrou na galeria, passou em frente ao Hotel do Parlamento e penetrou na cidade velha. Até onde podia avaliar, não estava sendo seguido. Deu várias voltas pelas pequenas vielas até chegar ao endereço que queria e bateu à porta da editora Svartvitt.

Eram duas e meia da tarde. Mikael não avisara que ia aparecer, mas o redator Kurdo Baksi estava lá e seu rosto se iluminou ao ver Mikael Blomkvist.

- Ora, como vai — disse Baksi cordialmente. — Por que não vem mais nos visitar?

- Aqui estou — disse Mikael.

- Sim, mas deve fazer uns três anos, no mínimo, desde a última vez.

Apertaram-se as mãos.

Mikael Blomkvist conhecia Kurdo Baksi desde os anos 1980. Mikael fora um dos que tinham ajudado Baksi quando ele lançara a Svartvitt, que eles ainda imprimiam à noite e às escondidas na Federação dos Sindicatos. Kurdo fora flagrado por Per-Erik-Astrõm, o futuro caçador de pedófilos do Radda Bamen. Certa noite, Astrõm entrou na gráfica da Federação e deu com pilhas de páginas do primeiro número da Svartvitt e com um Kurdo Baksi totalmente sem graça. Astrõm contemplou a diagramação horrorosa da primeira página e declarou que não era daquele jeito que se fazia a droga de uma revista. Em seguida, desenhou o logotipo que apareceria no cabeçalho da Svartvitt por quinze anos, até a revista ser enterrada e sucedida pela editora Svarvitt. Na época, Mikael encerrava um período odioso como responsável pelo setor de atualidades na Federação — sua única e exclusiva passagem por essa área. Per-Erik Astrõm o convencera a corrigir as provas da Svartvitt e a dar uma mãozinha na redação dos textos. A partir daí, Kurdo Baksi e Mikael Blomkvist se tornaram amigos.

Mikael Blomkvist sentou-se num sofá enquanto Kurdo Baksi ia buscar café na máquina do corredor. Conversaram durante algum tempo, como é natural quando as pessoas não se vêem há muito, mas a todo momento eram mterrompidos pelo celular de Kurdo. Ele tinha breves diálogos em curdo, ou quem sabe em turco, ou árabe, ou sabe Deus em que outra língua que Mikael não entendia. Toda vez que Mikael fora à editora Svartvitt tinha sido a mesma coisa. Gente ligando do mundo inteiro para falar com Kurdo.