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Ela pegou o texto dele e o percorreu com os olhos mais uma vez.

— Pelo que entendi, você está aqui como substituto.

— Sim. Faz cinco meses, esta é a minha última semana.

— Quantos anos você tem?

— Vinte e sete.

— Lamento ter te colocado nesta briga entre mim e o Holm. Me fale sobre o seu artigo.

— Me passaram uma informação hoje de manhã e eu comuniquei ao Holm. Ele falou para eu tocar em frente.

— Certo. Quer dizer que, no momento, a polícia está trabalhando com a hipótese de que a Lisbeth Salander estaria envolvida numa venda de esteróides anabolizantes. O seu artigo tem alguma relação com o texto de ontem, sobre Sõdertãlje, que também falava em anabolizantes?

— Não sei, pode ser. Essa história de anabolizantes surgiu da relação dela com o boxeador. O Paolo Roberto e os amigos dele.

— Porque o Paolo Roberto usa anabolizantes?

— O quê? Não, claro que não. Tem mais a ver com o ambiente do boxe. A Salander treina boxe com uns caras meio suspeitos num clube do Sõder. Mas essa é a visão da polícia, não a minha. Foi em algum ponto por aí que surgiu a idéia de que ela estaria metida com a venda de anabolizantes.

— Portanto o artigo não se fundamenta em nada, a não ser num boato à toa?

— Não é um boato, é uma hipótese que a polícia está considerando. Se eles estão certos ou errados, aí já não faço idéia.

— Perfeito, Johannes. Quero que você saiba que o que eu estou conversando com você agora não tem nada a ver com a minha relação com o Lukas Holm. Acho você um excelente jornalista. Escreve bem e é atento aos detalhes. Em suma, esse artigo que você escreveu está muito bom. Meu único problema é que não acredito numa só palavra do conteúdo dele.

— Posso garantir que ele está absolutamente correto.

— Vou te explicar por que esse artigo traz um erro fundamental. Quem lhe passou a informação?

— Uma fonte policial.

— Quem?

Johannes Frisk hesitou. Sua reticência era instintiva. Como qualquer jornalista no mundo inteiro, ele não gostava de revelar suas fontes. Por outro lado, Erika Berger era a redatora-chefe e, portanto, uma das poucas pessoas que podiam exigir que ele desse essa informação.

— Um policial da Brigada Criminal chamado Hans Faste.

— Foi ele que ligou ou você?

— Ele.

Erika Berger suspirou.

— E por que você acha que ele te ligou?

— Eu o entrevistei várias vezes durante a caçada à Salander. Ele sabe quem eu sou.

— E ele sabe que você tem vinte e sete anos, que é um jornalista substituto e que pode ser útil quando ele quiser plantar informações que o procurador gostaria de divulgar.

— Sim, entendo. Mas, veja bem, eu recebo uma informação de um investigador, vou tomar um café com o Faste e o que ele me conta é isso. Reproduzo fielmente a história dele. Então, o que devo fazer?

— Tenho certeza de que você transcreveu tudo corretamente. O certo teria sido você levar a informação para o Lukas Holm, que me procuraria para explicar a situação, e assim a gente decidiria juntos como encaminhar o caso.

- Entendo. Mas eu...

- Você entregou o material ao Holm, que é o chefe de Atualidades.

- Você fez o certo. O Holm é que pisou na bola. Mas vamos dar uma analisada no seu texto. Primeiro, por que o Faste quer que essa informação se torne pública?

Johannes Frisk deu de ombros.

— Isso quer dizer que você não sabe ou que não está nem aí?

— Que eu não sei.

— Tudo bem. Se eu disser que o seu artigo é mentiroso e que a Salander não tem nada a ver com esteróides anabolizantes, você vai responder o quê?

— Que eu não posso provar o contrário.

— Exato. Isso quer dizer que, segundo você, a gente pode publicar um artigo que talvez seja mentiroso só porque não temos nada em contrário.

— Não, a gente tem uma responsabilidade jornalística. Mas sempre se deve achar um equilíbrio. Não dá para deixar de publicar alguma coisa que uma fonte afirma expressamente.

— Essa é uma filosofia. A gente também pode se perguntar por que a fonte quer divulgar essa informação. Deixe eu explicar por que dei ordem para que tudo o que diz respeito à Salander passe pela minha mesa. Tenho informações particulares sobre esse assunto que mais ninguém aqui no SMP tem. O jurídico foi informado de que eu detenho essas informações e que não posso discuti-las com eles. A Millennium vai publicar uma matéria e, por contrato, não posso revelar nada ao SMP, embora eu esteja trabalhando aqui. Obtive essa informação na qualidade de diretora da Millennium e, no momento, estou numa situação delicada. Você entende o que quero dizer?

— Sim.

— E o que eu sei através Millennium me autoriza, sem hesitação, a declarar que esse artigo é mentiroso e visa prejudicar a Lisbeth Salander antes do julgamento.

— E difícil prejudicar mais a Lisbeth Salander. Com todas as revelações que já foram feitas sobre ela...

— Revelações que são, na maioria, mentirosas e deturpadas. O Hans Faste é uma das principais fontes de todas essas revelações de que Lisbeth Salander seria uma lésbica paranóica e violenta que mexe com satanismo e sadomasoquismo. E a mídia engoliu a versão do Faste apenas porque ele é uma fonte aparentemente séria e porque sempre é divertido escrever sobre sexo Agora ele está enveredando por outra linha de tiro, que pretende condenar a Lisbeth Salander perante a opinião pública, e ele quer que o SMP contribua nessa divulgação. Lamento, mas não sob o meu comando.

— Entendo.

— Tem certeza? Ótimo. Então posso resumir o meu discurso numa só frase. A sua missão como jornalista é questionar e manter um olhar crítico, e não repetir tolamente qualquer declaração, mesmo que ela venha de um figurão das altas esferas administrativas. Você é um redator de primeira, mas seu talento não vai ter valor nenhum se você se esquecer da sua missão.

— Certo.

— Pretendo invalidar este artigo.

— Tudo bem.

— Ele não se sustenta. Não acredito no que ele diz.

— Entendo.

— Isso não significa que eu não confie em você.

— Obrigado.

— Por isso vou te mandar de volta para a sua mesa com a proposta de um outro artigo.

— Ah, é?

— Tem a ver com o meu contrato com a Millennium. Eu não posso revelar o que sei sobre o caso da Lisbeth Salander. Ao mesmo tempo, sou redatora-chefe de um jornal que está sujeito a dar uma tremenda pisada na bola, já que a redação não dispõe das mesmas informações que eu.

— Humm.

— Isso não é bom. Estamos numa situação única, que só diz respeito à Salander. Por isso resolvi escolher um jornalista e guiá-lo na direção certa para a gente não ficar com cara de bobo quando a Millennium sair.

— E você acha que a Millennium vai publicar algo excepcional sobre a Salander?

— Eu não acho. Eu sei. A Millennium está preparando um furo que vai dar uma reviravolta completa no caso Salander, e eu fico doida por não poder publicar a matéria. Porém isso é impossível.

— Mas você disse que vai rejeitar o meu texto porque sabe que ele esta errado. - Então significa que você já está sabendo que existe alguma coisa no caso que os outros jornalistas deixaram passar.

- Exato.

- Me desculpe, mas é difícil acreditar que a mídia sueca inteirinha

tenha caído numa armadilha dessas...

- A Lisbeth Salander foi vítima de uma perseguição da mídia. Em casos assim, as regras deixam de ter valor e qualquer bobagem pode ir parar na primeira página.

— Você está dizendo que a Salander não é o que aparenta ser.

— Tente imaginar que ela é inocente das acusações que estão lhe fazendo, que a imagem dela, construída pelas manchetes sensacionalistas, é falsa e que estão envolvidas forças bem diferentes das que se viram até agora.

— Você está dizendo que esse é o caso? Erika Berger fez que sim com a cabeça.