— E isso significa que o que eu acabo de escrever faz parte da campanha que tem sido feita contra ela.
— Exato.
— Mas você não pode dizer o porquê disso tudo?
— Não.
Johannes Frisk cocou a cabeça. Erika Berger esperou que ele terminasse de pensar.
— Está bem... o que você quer que eu faça?
— Volte para a sua mesa e comece a pensar num outro artigo. Não precisa se estressar, mas pouco antes de começar o julgamento eu queria publicar um texto longo, talvez de duas páginas, que analisasse a veracidade de todas as afirmações que já foram feitas sobre a Lisbeth Salander. Para começar, leia todos os artigos que saíram na imprensa, faça uma lista de tudo o que foi dito sobre ela e questione todas as afirmações, uma por uma.
— Ahã...
— Pense como repórter. Descubra quem está espalhando essa história, por que ela se espalhou e quem pode se beneficiar com ela.
— O detalhe é que não sei se ainda vou estar no SMP quando o julgamento começar. Como eu disse, esta é a minha última semana como substituto.
Erika pegou uma pasta de plástico da gaveta da escrivaninha, tirou de lá de dentro um papel e o colocou diante de Johannes Frisk.
— Já prorroguei a sua substituição por mais três meses. Esta semana você continua normalmente, e volta a se apresentar na segunda-feira que vem.
— Hum...
— Quer dizer, isso se você estiver interessado em continuar aqui.
— Claro que sim.
— Você foi contratado para um serviço de investigação fora do trabalho normal da redação. Vai trabalhar diretamente sob as minhas ordens. Será o nosso enviado especial no julgamento Salander.
— O chefe de Atualidades vai estrilar...
— Não se preocupe com o Holm. Já falei com o chefe do jurídico, e ele vai cuidar para que não haja problema com eles. Mas você vai meter o nariz nos bastidores, em vez de ficar levantando informações comuns. Está bem assim?
— Está ótimo.
— Bem... então era isso. Até segunda.
Ela fez um sinal para que ele se retirasse. Quando tornou a levantar os olhos, percebeu que Lukas Holm olhava para ela do outro lado do polo central. Ele baixou os olhos e fingiu não vê-la.
11. SEXTA-FEIRA 13 DE MAIO - SÁBADO 14 DE MAIO
Mikael Blomkvist tomou o maior cuidado para não ser seguido quando, na sexta-feira bem cedo, foi a pé da redação da Millennium até o antigo endereço de Lisbeth Salander na Lundagatan. Precisava ir a Gõteborg se encontrar com Idris Ghidi. A questão era achar um meio de transporte seguro, sem riscos de ser identificado e que não deixasse pistas. Depois de muito ponderar, rejeitara o trem, por não querer usar seu cartão de banco. Em geral, pegava emprestado o carro de Erika Berger, mas isso já não era possível. Chegara a pensar em pedir que Henry Cortez, ou outra pessoa, alugasse um carro para ele, mas isso também acabaria deixando pistas em alguma papelada.
Por fim, descobriu a solução óbvia. Sacou uma quantia significativa num caixa automático da Gõtgatan. Usou as chaves de Lisbeth Salander para abrir a porta do Honda cor de vinho dela, que estava abandonado na frente de sua residência desde o mês de março. Ajustou o assento e constatou que o tanque estava pela metade. Deu a partida e dirigiu-se para a E4 pela ponte de Liljeholmen.
Em Gõteborg, estacionou às 14h50 numa rua transversal à Avenyn. Pediu um almoço tardio no primeiro bar que encontrou. As 16hl0, pegou o bonde para Angered e desceu no centro. Levou vinte minutos para achar o endereço de Idris Ghidi. Estava dez minutos atrasado para o encontro.
Idris Ghidi mancava. Abriu a porta, apertou a mão de Mikael Blomkvist e o convidou a entrar numa sala de mobília espartana. Sobre uma cômoda ao lado da mesa em que convidou Mikael a se sentar, havia uma dúzia de fotografias emolduradas, que Mikael contemplou.
— Minha família — disse Idris Ghidi.
Falava com um sotaque carregado. Mikael calculou que ele não sobreviveria ao teste de proficiência no idioma proposto pelos moderados.
— São seus irmãos?
— Meus dois irmãos, à esquerda, foram assassinados por Saddam nos anos 1980, assim como meu pai, que está ali no meio. A minha mãe morreu em 2000. Minhas três irmãs estão vivas. Moram no exterior. Duas na Síria e a caçula em Madri.
Mikael meneou a cabeça. Idris Ghidi serviu um café turco.
— O Kurdo Baksi mandou lembranças.
Idris Ghidi fez um gesto de assentimento com a cabeça.
— Ele lhe explicou o que eu queria?
— O Kurdo me disse que você queria me contratar para um serviço, mas não disse o que era. Já vou dizendo que não aceito fazer nada ilegal. Não posso me dar ao luxo de me envolver nesse tipo de coisa.
Mikael balançou a cabeça.
— Não há nada de ilegal no que eu vou lhe pedir, mas é uma coisa meio incomum. O serviço vai durar várias semanas, e seu trabalho propriamente dito deverá ser feito todos os dias. Por outro lado, vai levar apenas poucos minutos por dia. Estou disposto a lhe pagar mil coroas por semana. O dinheiro vai para você direto, nem precisa passar pelo fisco.
— Entendo. O que eu teria que fazer?
— Você trabalha no setor de limpeza do Hospital Sahlgrenska. Idris Ghidi fez que sim com a cabeça.
— Uma das suas tarefas diárias — ou pelo menos seis dias por semana, pelo que entendi — consiste em fazer a faxina do setor 11C, ou seja, a unidade de tratamento intensivo.
Idris Ghidi meneou a cabeça.
— O que eu queria de você é o seguinte.
Mikael Blomkvist se inclinou para a frente e explicou sua proposta.
O procurador Richard Ekstrõm contemplou, pensativo, seu visitante. Era a terceira vez que se encontrava com o delegado Georg Nystrõm. Viu um rosto enrugado, emoldurado por cabelos grisalhos. Georg Nystrõm o visitara pela primeira vez nos dias que se seguiram ao assassinato de Zalachenko. Exibira uma carteira profissional provando que trabalhava para a DGPN/Sãpo. Tiveram uma longa conversa em voz baixa.
— É importante que o senhor entenda que de maneira alguma estou tentando interferir na sua atuação ou fazer o seu trabalho — disse Nystrõm.
Ekstrõm fez um gesto de assentimento com a cabeça.
— Queria também enfatizar que em hipótese alguma o senhor poderá tornar pública a informação que vou lhe passar.
— Entendo — disse Ekstrõm.
Para ser sincero, Ekstrõm não entendia muito bem, mas não queria parecer tolo fazendo perguntas demais. Percebera que o caso Zalachenko era algo a ser tratado com a máxima cautela. Percebera também que as visitas de Nystrõm eram totalmente informais, mesmo havendo uma conexão com o chefe da Segurança.
— Estamos falando de vidas humanas — explicara Nystrõm já no primeiro encontro. — Para nós, da Sapo, tudo o que se refere à verdade sobre o caso Zalachenko é considerado segredo de Estado. Posso confirmar que se trata de um ex-agente secreto que desertou da espionagem militar soviética e uma das figuras-chave na ofensiva dos russos contra a Europa Ocidental nos anos 1970.
— Pois é... aparentemente, é o que afirma o Mikael Blomkvist.
— Nesse caso, o Mikael Blomkvist está coberto de razão. Ele é jornalista e deparou com um dos casos mais secretos da Defesa sueca em todos os tempos.
— Ele vai publicar essa história.
— Evidentemente. Ele representa a imprensa, com todas as suas vantagens e desvantagens. Vivemos numa democracia e não temos nenhuma influência sobre o que circula na mídia. A desvantagem, nesse caso, é que o Blomkvist obviamente só conhece uma parte ínfima da verdade sobre o Zalachenko, e muito do que ele sabe está errado.
— Entendo.
— O que o Blomkvist não percebe é que, se a verdade sobre o Zalachenko vier à tona, os russos vão conseguir identificar os nossos informantes e as nossas fontes entre eles. Isso significa que pessoas que arriscaram a vida pela democracia poderiam ser mortas.