— Sim, claro.
— Se o senhor fosse procurador naquela época, imagino que também teria pedido não só uma investigação social como uma avaliação psiquiátrica.
— Sem dúvida.
— Já naquela época o Teleborian era um psiquiatra infantil conhecido e respeitado, além de já ter trabalhado com medicina legal. Foi indicado e realizou um exame absolutamente normal, concluindo que Lisbeth Salander apresentava perturbações psíquicas... desculpe se estou deixando de lado os termos técnicos.
— Sim, sim...
— O Teleborian registrou todas as suas conclusões num relatório, que ele enviou ao Bjõrck e que posteriormente foi apresentado ao Tribunal de Instâncias, o qual decidiu que a Salander deveria ser tratada na clínica Sankt Stefan.
— Entendo.
— Na versão do Blomkvist, não consta a avaliação feita pelo Teleborian. Em seu lugar, há uma correspondência entre o Bjõrck e o Teleborian insinuando que o Bjõrck orienta o Teleborian a apresentar um exame psiquiátrico forjado.
— E, segundo o senhor, essa correspondência é falsa.
— Sem dúvida.
— E quem teria interesse em fazer essas falsificações? Nytstrõm largou o relatório e franziu o cenho.
— Agora o senhor pôs o dedo no nó da questão.
— E a resposta é...
— Não sabemos. O nosso grupo de análise está dando um duro justamente para descobrir a resposta a essa pergunta.
— Seria possível imaginar que o Blomkvist forjou tudo isso? Nystrõm riu.
— No começo também pensamos assim. Mas parece inverossímil. Achamos que essas falsificações foram feitas muito tempo atrás, provavelmente na época em que o relatório original foi escrito.
— Ah, é?
— O que nos leva a conclusões desagradáveis. Quem fez essa falsificação estava bem por dentro do caso. Além disso, o falsário tinha acesso à mesma máquina de escrever do Bjõrck.
— Está querendo dizer que...
— Não sabemos onde o Bjõrck redigiu o relatório. Pode ter usado uma máquina de escrever em casa, ou no seu trabalho, ou em qualquer outro lugar- Estamos considerando duas alternativas. O falsário era uma pessoa do meio psiquiátrico ou médico-legal que, por algum motivo, queria desacreditar o Teleborian. Ou então a falsificação foi feita por outro motivo bem diferente por alguém da Sapo.
— Por quê?
— Isso aconteceu em 1991. Poderia ser que um agente russo infiltrado na DGPN/Sãpo tivesse farejado o Zalachenko. Essa possibilidade nos levou a verificar, atualmente, uma boa quantidade de arquivos pessoais.
— Mas se a KGB tivesse ouvido rumores do... isso teria sido revelado há alguns anos.
— Bem pensado. Mas não esqueça que foi justamente nessa época que a União Soviética caiu e a KGB foi dissolvida. Não sabemos o que deu errado. Quem sabe uma operação planejada acabou sendo abortada. A KGB era realmente mestra em falsificar documentos e em desinformação.
— Mas por que a KGB faria uma coisa dessas?
— Também não sabemos. Mas um motivo plausível, claro, seria humilhar o governo sueco.
Ekstrõm beliscou o lábio inferior.
— Está querendo dizer que a avaliação médica da Salander está correta?
— Se está! Sem sombra de dúvida. A Salander é completamente insana, com o perdão da expressão. Não tenha o menor receio quanto a isso. A decisão de interná-la numa instituição foi totalmente justificada.
— Vasos sanitários! — disse, incrédula, a redatora-chefe interina Malu Eriksson. Pelo visto, ela achava que Henry Cortez estava de gozação com ela.
— Vasos sanitários — repetiu Henry Cortez meneando a cabeça.
— Você pretende fazer um artigo sobre vasos sanitários para a Millennium?
Monika Nilsson deu uma súbita e inoportuna gargalhada de escárnio. Ela notara o mal disfarçado entusiasmo dele ao chegar à reunião de sexta-feira e identificara todos os sintomas do jornalista às voltas com um bom assunto para um artigo.
— Certo, explique-se.
— É muito simples — disse Henry Cortez. — A maior indústria sueca em todas as categorias, é a da construção civil. É uma indústria que, na prática, não pode ser transferida para outro lugar, mesmo que a Skanska finja ter escritórios em Londres e coisas do gênero. Seja como for, os prédios têm de ser construídos na Suécia.
— Sim, isso não é novidade.
— Não. O que é mais ou menos uma novidade é que a construção civil está anos-luz atrás de todas as demais indústrias suecas quando se trata de concorrência e eficiência. Se a Volvo fabricasse automóveis do mesmo jeito, um carro último modelo estaria custando um ou dois milhões. Qualquer indústria normal só pensa em baixar os preços. Na construção civil, é o oposto. Eles não estão nem aí para os preços, o custo do metro quadrado aumenta o tempo todo e o Estado tem de oferecer subsídio com o dinheiro do contribuinte para que o negócio simplesmente não se inviabilize.
— E isso dá matéria?
— Espere. E complicado. Se o preço do hambúrguer tivesse subido do mesmo jeito de 1970 para cá, um Big Mac estaria custando umas cento e cinqüenta coroas ou mais. Prefiro não imaginar o quanto estaria custando com as batatas fritas e uma Coca. Meu salário aqui da Millennium não seria suficiente. Quantos de vocês aqui em volta desta mesa topariam comprar um hambúrguer por cem coroas?
Ninguém respondeu.
— Têm razão. Mas quando a NCC ergue rapidinho em Gâshaga uns contêineres de latão que eles chamam de moradia, ela tem a ousadia de pedir dez ou doze mil coroas de aluguel mensal por dois dormitórios. Quantos de vocês podem pagar isso?
— Eu, pelo menos, não posso — disse Monika Nilsson.
— Não pode. E olhe que você já mora num quarto-e-sala em Danvikstull, que seu pai comprou para você há vinte anos e que você poderia vender por, digamos, um milhão e meio. Mas o que faz um jovem de vinte anos que quer sair do ninho? Não tem condições. Ele então faz uma sublocação, ou até uma subsublocação, ou fica morando com a velha mãezinha dele até se aposentar.
— E onde é que entram os vasos sanitários? — perguntou Christer Malm.
— Estou chegando lá. O fato é que a gente deve se perguntar por que os apartamentos são tão caros. Ora, porque o pessoal que encomenda os prédios não sabe como se faz. Para simplificar, o caso é o seguinte: um promotor municipal chama uma empresa de construção civil como a Skanska, diz que deseja encomendar cem apartamentos e pergunta quanto vai custar. A Skanska faz uns cálculos e liga de volta dizendo que vai custar, digamos, quinhentos milhões de coroas. O que significa que o preço por metro quadrado é xis coroas, e vai lhe custar uns dez mil paus por mês se você quiser morar ali. Porque, diferentemente do que acontece no caso do MacDonald's, você não pode não morar em algum lugar. É obrigado, portanto, a pagar o quanto custa.
— Por favor, Henry... vamos aos fatos.
— Mas o fato é justamente esse. Por que me custa dez mil paus morar num desses malditos caixotes em Hammarbyhamnen? Vou explicar. É porque as construtoras não se preocupam em segurar os preços. O cliente paga seja lá o que for. Um dos maiores custos é o material de construção. O comércio de material de construção passa pelos atacadistas, que estabelecem seus próprios preços. Como não há concorrência de fato, uma banheira, na Suécia, custa cinco mil coroas. Na Alemanha, a mesma banheira, do mesmo fabricante, custa duas mil coroas. Não sei como se explica essa diferença de preço.
— Certo.
— Boa parte disso tudo pode ser lida num relatório da Comissão do Governo para Custos de Construção, que se movimentou bastante no final dos anos 1990. De lá para cá, as coisas não avançaram muito. Ninguém negocia com os construtores para denunciar essa aberração de preços. Os clientes pagam documente o preço que custar e, no fim de tudo, os locatários ou os contribuintes é que pagam a conta.