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— Certo.

— Gostaria de lhe pedir um favor. Mas antes preciso explicar exatamente o porquê, para que o senhor possa julgar se é moralmente aceitável para o senhor me fazer esse favor.

— Não estou gostando do rumo desta conversa.

— Só o que estou lhe pedindo é que me escute. Como médico da Lisbeth Salander, cabe ao senhor zelar pelo bem-estar físico e mental dela. Como amigo da Lisbeth, cabe a mim fazer o mesmo. Não sou médico, portanto não posso remexer na cabeça dela para extrair balas de lá, por exemplo. Mas tenho outro tipo de competência, tão importante quanto, para o bem-estar dela.

— Ahã.

— Sou jornalista e, cavando aqui e ali, descobri a verdade sobre tudo o que aconteceu.

— Certo.

— Posso lhe contar, em linhas gerais, para que o senhor possa avaliar Por si mesmo.

— Ahã.

— Eu talvez deva dizer, para começar, que Annika Giannini é a advogada da Lisbeth Salander. O senhor já cruzou com ela.

Anders Jonasson fez que sim com a cabeça.

— Annika é minha irmã e sou eu que a estou pagando para defender a Lisbeth,

— Ah, é?

— Pode verificar no cartório de registro civil que ela é mesmo minha irmã. Não posso pedir esse favor para a Annika. Ela não fala comigo sobre a Lisbeth. Está presa ao sigilo profissional e sujeita a regras bem diferentes.

— Humm.

— Imagino que o senhor leu o que os jornais falam sobre a Lisbeth. Jonasson concordou com a cabeça.

— Ela foi pintada como uma assassina em série lésbica, psicótica e doente mental. Isso tudo é bobagem. A Lisbeth Salander não é psicótica; é talvez tão psiquicamente saudável quanto eu e o senhor. E as preferências sexuais dela não interessam a ninguém.

— Se entendi direito, houve uma reviravolta. Atualmente, o tal alemão é que está sendo acusado dos assassinatos.

— É a mais pura verdade. O Ronald Niedermann é culpado, é um assassino sem nenhum escrúpulo. Mas a Lisbeth tem inimigos. Inimigos de verdade, fortes e cruéis. Alguns deles estão dentro da Sapo.

Anders Jonasson.ergueu as sobrancelhas com ar cético.

— Quando a Lisbeth tinha doze anos, ela foi internada na psiquiatria infantil de um hospital em Uppsala porque tinha topado com um segredo que a Sapo tentava ocultar a todo custo. O pai dela, Alexander Zalachenko, que foi assassinado no hospital, era um ex-espião russo dissidente, uma relíquia da guerra fria. Era também um homem extremamente violento com as mulheres e durante anos espancou a mãe da Lisbeth. Quando a Lisbeth estava com doze anos, ela revidou e tentou matar o Zalachenko com um coquetel Molotov. Por isso é que ela foi internada na psiquiatria infantil.

—  Não estou entendendo. Se ela tentou matar o pai, talvez houvesse motivo para interná-la para um tratamento psiquiátrico.

— A minha teoria, que pretendo publicar, é que a Sapo sabia o que tinha acontecido, mas optou por proteger o Zalachenko porque ele era uma fonte importante de informações. Eles bolaram um diagnóstico fajuto e deram um jeito de a Lisbeth ser internada.

Anders Jonasson exibiu tamanho ar de dúvida que Mikael teve de sorrir.

— Tenho provas de tudo o que estou dizendo. E vou publicar um texto detalhado antes do julgamento da Lisbeth. Acredite, vai fazer um barulho e tanto.

— Entendo.

- Vou denunciar e bater feio em dois médicos que serviram de paus-mandados da Sapo e contribuíram para que a Lisbeth fosse enviada para o hospício. Vou acabar com eles sem dó nem piedade. Um deles é uma autoridade pública respeitada. E, insisto, disponho de todas as provas.

— Entendo. Se houve um médico envolvido nessa tramóia, é uma vergonha para a classe médica.

—  Não, não acredito em culpa coletiva. É uma vergonha para todos os envolvidos. Isso também vale para a Sapo. Há certamente gente honesta trabalhando lá. Mas nesse caso temos um grupo paralelo. Quando a Lisbeth completou dezoito anos, eles mais uma vez fizeram o possível para ela ser internada. Não deu certo, mas ela foi posta sob tutela. No julgamento, vão acusá-la ao máximo. Eu e minha irmã vamos lutar pela inocência da Lisbeth e para que seja posto um fim à tutela.

— Certo.

— Mas ela precisa de munição. São as condições deste jogo. É bom que o senhor saiba que alguns policiais estão apoiando a Lisbeth nesta batalha. Ao contrário da pessoa que dirige o inquérito preliminar e que a indiciou.

— Ahã.

— A Lisbeth vai precisar de ajuda para o julgamento.

— Ahã. Mas eu não sou advogado.

— Não. Mas é médico, e tem acesso à Lisbeth. Os olhos de Anders Jonasson se estreitaram.

— O que eu vou lhe pedir não é ético, e talvez até possa ser considerado infração à lei.

— Ai.

— Mas, moralmente, é a coisa certa a fazer. Os direitos dela estão sendo ultrajados por pessoas que deveriam protegê-la.

— Ah, é?

— Vou dar um exemplo. Como o senhor sabe, a Lisbeth está proibida de receber visitas e não tem o direito de ler jornais ou de se comunicar com ninguém. Além disso, o procurador impôs silêncio à sua advogada. Annika tem cumprido estoicamente as normas. Em compensação, o procurador é a principal fonte de informações dos jornalistas, que continuam escrevendo bobagens sobre a Lisbeth Salander.

— É mesmo?

— Veja este artigo, por exemplo. — Mikael brandiu um tabloide da semana anterior. — Uma fonte interna da investigação afirma que a Lisbeth é irresponsável. Resultado: o jornal faz um monte de especulações sobre o estado mental dela.

— Eu li o artigo. É pura bobagem.

— Então o senhor não considera a Salander uma louca?

— Não posso me pronunciar a respeito. Agora, o que sei é que não foi feita nenhuma avaliação psiquiátrica.

— Certo. Mas tenho provas de que essas informações foram divulgadas por um policial chamado Hans Faste e que ele trabalha para o procurador Ekstrõm.

— Puta merda!

— O Ekstrõm vai exigir que o julgamento se dê a portas fechadas, o que significa que nenhum estranho ao caso vai poder conferir e avaliar as provas contra ela. Mas, o que é pior... a partir do momento em que o procurador mandou isolar a Lisbeth, ela não tem como fazer as pesquisas necessárias para preparar sua defesa.

— Eu achava que a advogada era quem estava tratando disso.

— Como o senhor a esta altura já deve ter percebido, a Lisbeth é uma pessoa muito especial. Ela tem alguns segredos que eu conheço mas não posso revelar para a minha irmã. Em compensação, cabe à Lisbeth avaliar se vai querer usá-los para se defender no julgamento.

— Ahã.

— E, para isso, ela precisa disto aqui.

Mikael colocou entre eles, sobre a mesa, um Palm Tungsten T3, o computador de mão de Lisbeth Salander, além de um carregador.

— Essa é a arma mais importante do arsenal da Lisbeth. Ela precisa dela.

Anders Jonasson olhou para ele, desconfiado.

— Por que não o entrega à advogada dela?

— Porque só a Lisbeth sabe o que fazer para ter acesso às provas de sua defesa.

Anders Jonasson permaneceu um longo tempo em silêncio, sem tocar no computador de bolso.

_— Deixe eu lhe falar sobre o doutor Peter Teleborian — disse Mikael, pando a pasta em que reunira todo o material essencial, passaram duas horas conversando em voz baixa.

Eram oito e pouco da noite de sábado quando Dragan Armanskij deixou sua sala na Milton Security e foi a pé até a sinagoga do Sbder, na Sankt Paulsgatan. Bateu à porta, apresentou-se e foi recebido pelo rabino.

— Marquei um encontro aqui com uma pessoa — disse Armanskij.

— Primeiro andar. Vou lhe mostrar o caminho.

O rabino ofereceu um quipá, que Armanskij vestiu após alguma hesitação. Tinha sido criado numa família muçulmana, em que o uso do quipá e visitas à sinagoga não faziam exatamente parte da rotina. Sentia-se pouco à vontade com o barrete judeu na cabeça.