Jan Bublanski também estava usando um quipá.
— Olá, Dragan. Obrigado por ter vindo. Pedi uma sala emprestada ao rabino para podermos conversar sem sermos interrompidos.
Armanskij sentou-se na frente de Bublanski.
— Imagino que você tenha bons motivos para esses segredinhos.
— Não vou ficar dando voltas. Sei que você é amigo da Lisbeth Salander. Armanskij fez que sim com a cabeça.
— Quero saber o que você e o Blomkvist combinaram para ajudar a Salander.
— O que o faz pensar que combinamos alguma coisa?
— O procurador Richard Ekstrõm já me perguntou no mínimo uma dúzia de vezes qual o verdadeiro acesso da Milton Security à investigação Salander. Ele não me perguntou à toa, e sim porque tem medo que você tente fazer alguma coisa que venha a repercutir na imprensa.
— Humm.
— E se o Ekstrõm está preocupado é porque ele sabe que você está com alguma coisa articulada, ou tem receio disso. Ou, como eu estou achando, ele pelo menos conversou com alguém que tem esse receio.
— Alguém?
— Dragan, não se trata de um jogo de esconde-esconde. Você sabe que a Salander foi vítima de abuso de poder em 1991, e temo que ela seja vítima de mais um quando o julgamento começar.
— Você é policial de uma democracia. Se tem alguma informação, cabe a você agir.
Bublanski meneou a cabeça.
— Eu pretendo agir. O problema é saber como.
— Vá direto aos fatos.
— Quero saber o que você e o Blomkvist combinaram. Imagino que vocês não estejam aí parados, de braços cruzados.
— E complicado. Como é que eu vou saber se posso confiar em você?
— Tem aquele relatório de 1991, que o Mikael Blomkvist tinha encontrado...
— Estou sabendo.
— Eu não tenho mais acesso a esse relatório.
— Nem eu. Os dois exemplares, o do Blomkvist e o da irmã dele, se perderam.
— Se perderam? — Bublanski surpreendeu-se.
— O exemplar do Blomkvist foi roubado depois de invadirem a casa dele, e a cópia de Annika Giannini sumiu quando ela sofreu uma agressão em Gõteborg. Os dois roubos ocorreram no mesmo dia em que o Zalachenko foi assassinado.
Bublanski ficou um longo tempo em silêncio.
— Por que a gente não ouviu falar disso?
— Como diz o Mikael Blomkvist: só existe um momento certo para publicar, e um número incalculável de momentos inadequados.
— Quer dizer que vocês... que ele pretende publicar? Armanskij assentiu rapidamente com a cabeça.
— Uma agressão em Gõteborg e uma invasão de domicílio aqui em Estocolmo. No mesmo dia. Bublanski, isso significa que os nossos adversários são bem organizados. Posso também te dizer que temos provas de que o telefone da Giannini estava grampeado.
— Alguém anda cometendo um bocado de infrações por aqui.
— A questão, então, é descobrir quem são nossos adversários — disse Dragan Armanskij.
- É verdade, eu também acho. À primeira vista, a Sapo é quem teria interesse em abafar o relatório do Bjõrck. Mas, Dragan... estamos falando na polícia de Segurança sueca. Trata-se de uma autoridade de Estado. Custo a acreditar que este caso conte com o aval da Sapo. Nem sequer acredito que e]a tenha competência para orquestrar uma coisa assim.
— Eu sei. Também custei a acreditar. Sem falar no fato de um homem entrar no Sahlgrenska e enfiar uma bala na cabeça do Zalachenko.
Bublanskí calou-se. Armanskij deu a última cartada.
— E no meio disso tudo o Bjõrck resolve se enforcar.
— Quer dizer que você acha que foram assassinatos organizados. Eu conheço o Marcus Ackerman, que era responsável pela investigação em Gõteborg. Ele não descobriu nada indicando que aquele assassinato pudesse ser mais que o gesto impulsivo de um indivíduo insano. E a gente investigou minuciosamente a morte de Bjõrck. Tudo leva a crer que foi suicídio.
Armanskij balançou a cabeça.
— Evert Gullberg, setenta e oito anos, com câncer e condenado à morte, tratado de uma depressão poucos meses antes do assassinato. Pedi que o Fráklund revirasse os documentos oficiais atrás de tudo o que se relaciona com o Gullberg.
— E?
— Ele fez o serviço militar em Karlskrona nos anos 1940, depois cursou direito e virou consultor fiscal no mercado privado. Teve um escritório aqui em Estocolmo por mais de trinta anos, discreto, clientes particulares... não se sabe quem eram. Aposentou-se em 1991. Voltou para a sua cidade natal, Laholm, em 1994... Nada que chame muita atenção.
— Mas?
— A não ser por uns detalhes intrigantes. O Frãklund não consegue encontrar uma única referência a Gullberg em nenhum tipo de contexto. Ele nunca foi mencionado na imprensa e ninguém sabe quem eram seus clientes. É como se ele nunca tivesse existido na vida profissional.
— O que você está tentando dizer?
— A Sapo é a ligação óbvia. O Zalachenko era um dissidente russo, e quem teria lidado com ele se não a Sapo? Há também essa capacidade para Orquestrar o internamento psiquiátrico da Lisbeth Salander em 1991. Sem talar em roubo a domicílio, agressão e escutas telefônicas quinze anos depois... Mas também não acho que a Sapo é que esteja por trás disso tudo. O Mikael Blomkvist o chama de Clube Zalachenko... um grupinho de sectários formado por combatentes da guerra fria saídos da hibernação e escondidos em algum lugar num corredor escuro da Sapo.
Bublanski meneou a cabeça.
— Então, o que a gente pode fazer?
12. DOMINGO 15 DE MAIO – SEGUNDA-FEIRA 16 DE MAIO
O delegado Torsten Edklinth, chefe do serviço de Proteção à Constituição na DGPN/Sapo, beliscou o lóbulo da orelha e contemplou, pensativo, o presidente da respeitada empresa de segurança privada Milton Security, que havia ligado e, sem preâmbulos, insistido que ele fosse jantar em sua casa, em Lindingõ, no domingo. Ritva, a mulher de Armanskij, servira uma deliciosa carne salteada. Eles tinham comido e conversado educadamente. Edklinth se perguntava o que Armanskij teria em mente. Após o jantar, Ritva se retirara para a frente da tevê e os deixara a sós à mesa de jantar. Armanskij começara a contar a história de Lisbeth Salander.
Edklinth girava lentamente sua taça de vinho tinto.
Dragan Armanskij não era nenhum maluco. Isso ele sabia.
Conheciam-se havia doze anos, desde que uma deputada de esquerda recebera uma série de ameaças de morte anônimas. Ela relatara os fatos ao presidente do grupo do seu partido, o qual informara o setor de segurança do Parlamento. Tratava-se de ameaças escritas, vulgares, contendo informações que indicavam que o autor anônimo conhecia certos aspectos pessoais da vida da deputada. A Sapo então se debruçara sobre a história e, durante as averiguações, a deputada fora mantida sob proteção.
Naquela época, Proteção à Pessoa era o setor da Sapo com orçamento mais magro. Seus recursos eram limitados. A área era encarregada da proteção da família real e do primeiro-ministro, além de, individualmente, ministros e presidentes de partidos políticos, quando houvesse necessidade. Como essas necessidades costumam extrapolar as verbas, na prática a maioria dos políticos suecos carece de uma proteção pessoal rigorosa. A deputada ficava sob vigilância durante algumas aparições oficiais, mas era abandonada no fim de sua jornada de trabalho, ou seja, na hora em que era mais provável que um biruta partisse para a agressão. A desconfiança da deputada em relação à capacidade da Sapo de protegê-la só fora crescendo.
Ela morava numa mansão em Nacka. Certa noite, ao voltar tarde para casa depois de uma contenda na Comissão de Finanças, descobriu que alguém tinha arrombado as portas do terraço, penetrado na sala, pixado as paredes com expressões de cunho sexual degradantes e em seguida ido ao seu quarto se masturbar. Ela pegara imediatamente o telefone e pedira que a Milton Security cuidasse de sua segurança pessoal. Não informou a Sapo sobre a decisão e, no dia seguinte, enquanto ela dava uma palestra numa escola de Táby, houve um confronto entre os agentes do Estado e os agentes privados.