— Em torno de cinco milhões de coroas.
— Para mim, é uma lógica difícil de entender. Existem programas baratos no mercado. Por que o SMP fez questão de desenvolver seu próprio software?
— Erika... eu bem que gostaria que alguém me explicasse. Mas foi o ex--diretor de tecnologia que nos convenceu a fazer isso. Ele dizia que, a longo prazo, acabaríamos ganhando e que, além disso, o SMP poderia vender a licença do software para outros jornais.
— E houve quem comprasse?
— Sim, de fato, um jornal da Noruega.
— Uau, que maravilha! — dissera Erika secamente. — Próxima pergunta: estamos hoje com computadores de cinco, seis anos...
— Está fora de cogitação investir em computadores novos este ano — dissera Flodin.
A discussão prosseguira. Erika percebera muito bem que Flodin e Sellberg ignoravam suas observações. Para eles, o único argumento válido eram os cortes, o que era compreensível para um chefe de orçamento e um diretor financeiro, mas inaceitável para uma nova redatora-chefe. O que a irritara era eles rejeitarem sistematicamente seus argumentos com sorrisos amáveis que faziam com que ela se sentisse uma colegial sendo sabatinada na frente da turma. Sem que uma só palavra inconveniente fosse pronunciada, a atitude deles em relação a ela era tão clássica que chegava a ser cômica. Não canse sua cabecinha com esses assuntos complicados, minha criança.
Borgsjõ não fora de grande auxílio. Mantivera-se na expectativa e deixara os demais participantes dizerem tudo o que tinham para dizer, embora ela não sentisse a mesma atitude aviltante da parte dele.
Suspirou, abriu o celular e verificou seu correio eletrônico. Recebera dezenove e-mails. Quatro eram spams de alguém que queria: 1) que ela comprasse Viagra, 2) propor-lhe um cibersexo com The sexiest Lolitas on the net por apenas quatro dólares por minuto, 3) fazer uma oferta um pouco mais explícita de Animal sex, the juiciest horse fuck in the universe, além de 4) propor uma assinatura da newsletter Mode.nu, editada por uma empresa pirata que inundava o mercado com ofertas promocionais e não parava de lhe mandar aquele lixo, ignorando seus reiterados pedidos. Sete e-mails eram pretensas cartas da Nigéria, enviadas pela viúva do antigo diretor do Banco Nacional de Abu Dhabi, que prometia lhe remeter somas fantásticas desde que ela pudesse investir um pequeno capital no intuito de estabelecer uma confiança recíproca, e outras excentricidades do gênero.
Os demais e-mails eram a pauta da manhã, a pauta do meio-dia, três e-mails de Peter Fredriksson, o assistente de redação, indicando as correções do editorial, um e-mail do seu contador pessoal marcando uma reunião para fazerem os acertos decorrentes da alteração do seu salário com a mudança da Millennium para o SMP, e um e-mail de seu dentista confirmando sua consulta trimestral. Anotou a consulta na agenda eletrônica e percebeu imediatamente que teria de transferi-la, pois já tinha na mesma data uma importante reunião de redação.
Por fim, abriu o último e-mail, enviado por centralred@smpost.se, com o assunto [aos cuidados da redatora-chefe]. Largou, devagar, a xícara de café.
[PUTA NOJENTA! QUEM VOCÊ ACHA QUE É, SUA CRETINA, NÃO PENSE QUE PODE IR CHEGANDO ASSIM COM SEU NARIZ EMPINADO. VAI TOMAR UMA CHAVE DE FENDA NA BUNDA, SUA PUTA NOJENTA! MELHOR VOCÊ SE MANDAR BEM RAPIDINHO.]
Erika Berger ergueu os olhos e procurou o chefe de Atualidades, Lukas Holm. Ele não estava à sua mesa e ela não conseguia avistá-lo em nenhum lugar da redação. Conferiu o remetente, pegou o telefone e ligou para Peter Fleming, o diretor de tecnologia do SMP.
— Oi. Quem é o usuário do endereço centralred@smpost.se?
— Ninguém. Não temos esse endereço aqui.
— Pois acabo de receber um e-mail desse endereço.
— Foi forjado. Veio com algum vírus?
— Não. Pelo menos o antivírus não detectou nada.
— Certo. Esse endereço não existe. Mas é muito fácil criar um endereço com jeito de autêntico. Existem sites na rede que transmitem esse tipo de e-mail.
— Há como descobrir a origem dele?
— É quase impossível, mesmo que a pessoa seja idiota o bastante para ter mandado do seu computador pessoal. Pode-se eventualmente seguir a pista do número do IP até um servidor, mas se ele usou uma conta aberta no hotmail, por exemplo, a pista acaba aí.
Erika agradeceu a informação e em seguida refletiu por alguns instantes. Não era a primeira vez que recebia uma mensagem com ameaças ou com o recado de algum maluco. Esse e-mail se referia claramente a seu novo cargo de redatora-chefe no SMP. Ficou imaginando se seria um doido que a identificara no funeral de Morander ou se o remetente trabalhava na empresa.
Rosa Figuerola refletia exaustivamente sobre a forma de agir a respeito de Evert Gullberg. Uma das vantagens de trabalhar na Proteção à Constituição era ela ter legitimidade para consultar praticamente toda investigação policial sueca ligada a um crime racial ou político. Constatou que Alexander Zalachenko era um imigrante, sendo a missão dela, entre outras coisas, examinar a violência exercida contra pessoas nascidas no exterior e determinar possíveis motivações racistas. Estava, portanto, autorizada a ler a investigação sobre o assassinato de Zalachenko para definir se Evert Gullberg estava ligado a alguma organização racista ou expressara opiniões racistas no momento do assassinato. Solicitou a investigação e leu-a atentamente. Deparou com cartas enviadas ao ministro da Justiça e constatou que, além de alguns ataques pessoais degradantes e de caráter revanchista, havia nelas também as expressões "capacho dos turcos" e "traidor da pátria".
A essa altura, já eram cinco da tarde. Rosa Figuerola trancou todo o material no cofre-forte de sua sala, pegou a caneca de café, desligou o computador e bateu o ponto para sair. Andou a passos rápidos até uma academia na Praça de Sankt Erik e dedicou a hora seguinte a um treino soft.
Em seguida, voltou a pé para o seu quarto e sala na Pontonjârgatan, tomou um banho e ingeriu um jantar tardio mas dieteticamente correto. Considerou a possibilidade de ligar para Daniel Mogren, que morava a três prédios dali, na mesma rua. Daniel era marceneiro e bodybuilder e, de três anos para cá, seu colega de treino regular. Nos últimos meses tinham também se encontrado para alguns momentos eróticos entre amigos.
Fazer amor era quase tão satisfatório quanto uma sessão intensa na academia, mas agora que já tinha passado bastante dos trinta e se aproximava dos quarenta, Rosa Figuerola começava a pensar que deveria se interessar por um homem de forma mais permanente e por uma situação mais estável. Quem sabe até ter filhos. Mas não com Daniel Mogren.
Depois de hesitar um pouco, concluiu que, na verdade, não estava querendo ver ninguém. Foi se deitar com um livro sobre história da Antigüidade. Adormeceu pouco antes da meia-noite.
13. TERÇA-FEIRA 17 DE MAIO
Na terça-feira, Rosa Figuerola acordou às seis e dez, fez um jogging puxado ao longo da Norr Mãlarstrand, tomou um banho e às oito e dez bateu o ponto no Palácio da Polícia. Passou a primeira hora da manhã redigindo um relatório com as conclusões a que chegara no dia anterior.
Às nove horas, Torsten Edklinth chegou. Ela esperou vinte minutos, para que ele tivesse tempo de abrir sua correspondência da manhã, e em seguida foi bater à sua porta. Esperou dez minutos enquanto seu chefe lia seu relatório. Ele leu duas vezes as quatro folhas A4 de ponta a ponta. Por fim, ele a fitou.
— O secretário-geral — disse, pensativo. Ela assentiu com a cabeça.
— Ele necessariamente deve ter aprovado a recolocação do Mârtensson. Por conseguinte, deve saber que o Mârtensson não está na contraespionagein, onde, de acordo com a Proteção à Pessoa, deveria estar.
Torsten Edklinth tirou os óculos, pegou um lenço de papel e limpou-os meticulosamente. Pôs-se a refletir. Estivera em reuniões com o secretário-geral Albert Shenke um número incalculável de vezes, mas não podia dizer que o conhecia bem. Era um sujeito relativamente baixo, de cabelos finos e loiro-arruivados, cuja cintura fora crescendo com o passar dos anos. Sabia que Shenke tinha pelo menos cinqüenta e cinco anos e que trabalhara na Sapo por pelo menos vinte e cinco, talvez mais. Era secretário-geral havia dez anos, antes disso fora secretário-geral adjunto ou ocupara outros cargos dentro da administração. Via Shenke como uma pessoa taciturna que não hesitava em recorrer à força. Edklinth não fazia idéia de como Shenke ocupava seu tempo livre, mas lembrava de tê-lo visto certo dia na garagem do Palácio da Polícia, vestido informalmente e carregando tacos de golfe no ombro. Também cruzara com Shenke na ópera uma vez, por acaso, muitos anos antes.