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Em compensação, a proposta de apagar o governo sueco não era uma ameaça à toa. A Hacker Republic era um clube super exclusivo que contava com os melhores entre os melhores, uma força de elite a que qualquer Defesa Nacional teria pago somas colossais em troca de ajuda para objetivos ciber-militares, se é que the citizen podiam ser levados a nutrir uma lealdade desse tipo com um Estado. Não parecia provável.

Por outro lado, eles também eram computer wizards perfeitamente sintonizados com a arte da fabricação de vírus. Tampouco era difícil convencê-los a realizar campanhas especiais caso a situação exigisse. Anos antes, a patente de um citizen da Hacker Rep, um freelancer criador de softwares da Califórnia, tinha sido roubada por uma start-up, que ainda por cima tivera o atrevimento de levar o cidadão aos tribunais. Isso fizera com que todos os ativistas da Hacker Rep dedicassem, durante seis meses, uma energia considerável a piratear e destruir todos os computadores da empresa. Cada segredo comercial e cada e-mail — e também alguns documentos forjados, sugerindo que a empresa praticava fraude fiscal — eram alegremente exibidos na internet, assim como informações sobre a amante secreta do presidente da empresa e fotos de uma festa em Hollywood em que esse presidente aparecia cheirando cocaína. A empresa fora à falência em seis meses e, embora já tivessem transcorrido vários anos, alguns membros rancorosos da milícia popular da Hacker Republic continuavam assombrando o antigo presidente.

Caso cerca dos cinqüenta hackers mais eminentes do mundo decidissem se unir numa ofensiva conjunta contra um Estado, esse Estado provavelmente sobreviveria, mas não sem antes enfrentar problemas consideráveis. Os custos, sem dúvida, chegariam a bilhões se Lisbeth apontasse o polegar para cima. Ela refletiu um pouco.

[Por enquanto, não. Mas se as coisas não andarem do jeito que eu quero, talvez eu peça ajuda.]

[É só falar], disse Dakota.

[Faz tempo que a gente não perturba nenhum governo], disse Mandrake.

[Tenho uma proposta, a idéia geral é inverter o sistema de pagamento de impostos. Um programa feito sob medida para um país pequeno como a Noruega], escreveu Bambi.

[Muito bom, só que Estocolmo fica na Suécia], escreveu Trinity.

[E daí? Só o que a gente tem que fazer é...]

Lisbeth Salander se recostou no travesseiro e acompanhou a conversa com um sorrisinho. Perguntou-se por que ela, que tinha tanta dificuldade em falar de si mesma quando se via frente a frente com alguém, não tinha problemas em revelar seus segredos mais íntimos pela internet para um bando de malucos totalmente desconhecidos. O fato é que se Lisbeth Salander tinha alguma família e pertencia a algum grupo, era justamente a esse bando de loucos. Nenhum deles tinha de fato condições de ajudá-la em seus dissabores com o Estado sueco. Mas ela sabia que, se fosse preciso, gastariam um tempo e uma energia consideráveis em demonstrações de força bem pertinentes. Graças à rede da internet, ela também poderia achar esconderijos no exterior. Praga fora quem a ajudara a obter o passaporte norueguês em nome de Irene Nesser.

Lisbeth não tinha a menor idéia da aparência física dos cidadãos da Hacker Rep nem do que faziam fora da internet — os cidadãos eram particularmente vagos sobre suas identidades. SixOfOne, por exemplo, declarava-se um cidadão negro, do sexo masculino e de origem católica residente em Toronto, Canadá. Poderia também ser uma mulher, branca, luterana e residente em Skõvde, na Suécia.

Quem ela conhecia melhor era Praga — fora ele quem um dia a apresentara à família, e ninguém se tornava membro daquela sociedade exclusiva sem recomendações muito bem fundamentadas. Além disso, o novo membro tinha de conhecer pessoalmente outro cidadão — no caso de Lisbeth, era o Praga.

Na internet, Praga era um cidadão inteligente e socialmente talentoso.

Na verdade, era um trintão obeso e antissocial que recebia uma pensão por invalidez e vivia em Sundbyberg. Era óbvio que tomava banho de vez em quando e seu apartamento fedia. Lisbeth limitava ao máximo as visitas à casa dele. Freqüentá-lo na rede era mais que suficiente.

Enquanto o bate-papo prosseguia, Wasp ia baixando os e-mails de sua caixa postal da Hacker Rep. Um e-mail de Poison continha uma versão melhorada do seu programa Asphyxia 1.3, disponível nos arquivos a todos os cidadãos da república. O software Asphyxia permitia controlar o computador de outras pessoas via internet. Poison explicou que usara o programa com êxito e que sua versão melhorada cobria as últimas versões do Unix, do Apple e do Windows. Ela enviou uma resposta breve e agradeceu a atualização.

Na hora seguinte, enquanto a noite caía sobre os Estados Unidos, mais meia dúzia de citizens foi se conectando, dando as boas-vindas a Wasp e se envolvendo na discussão. Quando Lisbeth finalmente se retirou, o debate tratava da possibilidade de fazer com que o computador do primeiro-ministro sueco enviasse mensagens educadas, mas totalmente delirantes, para outros chefes de governo mundo afora. Criara-se um grupo de trabalho para aprofundar a questão. Lisbeth acabou oferecendo uma rápida contribuição com a ponta de sua canetinha.

[Continuem conversando, mas não façam nada sem a minha aprovação. Volto assim que eu puder me conectar.]

Todos mandaram "bjs, bjs" e recomendaram que cuidasse bem do buraco da sua cabeça.

Uma vez desconectada da Hacker Republic, Lisbeth entrou em [www. yahoo.com] e conectou-se ao newsgroup [Tavola-Biruta]. Descobriu que a usta de discussão comportava dois membros, ela própria e Mikael Blomkvist. Na caixa de entrada havia um único e-mail, enviado dois dias antes. O assunto era [Leia isto primeiro].

[Olá, Sally. A situação atual é a seguinte:

A polícia ainda não descobriu seu endereço e não teve acesso ao DVD do estupro do Bjurman. Esse DVD constitui uma prova de peso, mas não quer entregá-lo para a Annika sem sua autorização. Também estou com as chaves d seu apartamento e com o passaporte em nome de Irene Nesser.

Em compensação, a polícia está com a mochila que você levou para Gos seberga. Não sei se contém algo comprometedor.]

Lisbeth refletiu por um momento. Que nada. Uma garrafa térmica de café semi-vazia, umas maçãs e uma muda de roupa. Não havia com que se preocupar.

[Você vai ser processada por golpes e ferimentos agravados, seguidos de tentativa de homicídio contra Zalachenko, assim como golpes e ferimentos agravados contra Carl-Magnus Lundin, do MC Svavelsjõ em Stallarholmen — eles partem do princípio que você atirou no pé dele e deu um pontapé que quebrou seu maxilar. Uma fonte confiável da polícia, no entanto, informa que em ambos os casos as provas são um tanto vagas. É importante:

(1) Antes de o Zalachenko ser morto, ele negou tudo e afirmou que o Niedermann é que tinha atirado em você e te enterrado no mato. Ele deu queixa contra você por tentativa de homicídio. O procurador vai insistir no fato de que foi a segunda vez que você tentou matar o Zalachenko.

(2) Nem o Magge Lundin nem o Benny Nieminen disseram uma palavra sequer sobre o que aconteceu em Stallarholmen. O Lundin está detido pelo seqüestro da Míriam Wu. O Nieminen foi solto.]

Lisbeth refletiu sobre as palavras de Mikael e deu de ombros. Já havia conversado sobre tudo aquilo com Annika Giannini. Era uma situação ruim, mas até aí nada de novo. Com o coração na mão, ela relatara o que tinha acontecido em Gosseberga, porém sem entrar em detalhes sobre Bjurman.

[Durante quinze anos, o Zala foi protegido, independentemente do que ele aprontasse. Algumas carreiras se construíram em torno da importância que se dava ao Zalachenko. Algumas vezes, ajudavam a fazer uma limpeza depois que o Zala aprontava. Isso é crime. Ou seja, autoridades suecas ajudaram a ocultar crimes contra pessoas.

Se isso vier à tona, haverá um escândalo político que provavelmente irá atingir tanto governos de direita como social-democratas. Isso significa, antes de mais nada, que alguns altos funcionários da Sapo seriam jogados aos leões e apontados como responsáveis por atividades criminosas e imorais. Mesmo que os crimes individuais estejam prescritos, haverá escândalo. Trata-se de pesos-pesados que hoje estão aposentados, ou quase.