— Acho que vou ter que dar uma examinada nela.
Ele agradeceu à Dra. Endrin e deu-lhe boa-noite.
Por volta das cinco da tarde, o Dr. Jonasson notou que a temperatura de Lisbeth subira rapidamente para 37,8 graus, o que foi registrado na ficha. Ele foi vê-la três vezes no início da noite e anotou na ficha que a temperatura se mantinha estável em torno dos 38 graus — muito alta para ser considerada normal e muito baixa para constituir um problema de fato. Por volta das oito da noite, pediu uma tomografia do crânio.
Ao receber as tomografias, examinou-as minuciosamente. Não detectou nada digno de nota, mas constatou que havia uma área mais escura logo ao redor do orifício de entrada da bala. Registrou na ficha uma observação cuidadosamente formulada e inconclusiva:
"As tomografias não permitem nenhuma conclusão definitiva, mas o estado da paciente decaiu sensivelmente durante o dia. Não é de se excluir o surgimento de uma pequena hemorragia, não visível nas tomografias. Nos próximos dias, a paciente deverá permanecer em repouso e sob estrita vigilância."
Erika Berger encontrou vinte e três e-mails ao chegar ao SMP na quarta-feira às seis e meia da manhã.
Um deles tinha como remetente o endereço redaktion-sr@sverigesradio.com
O texto era breve. Apenas duas palavras.
[PUTA NOJENTA]
Ela suspirou e estava prestes a apagar o e-mail quando, no último instante, mudou de idéia. Repassou todos os e-mails recebidos e abriu aquele enviado dois dias antes. O remetente era centralred@smpost.se. Humm. Dois e-mails com as palavras "puta nojenta" enviados por falsos remetentes da mídia. Criou uma pasta chamada [PIRADODAMÍDIA] e nela guardou as duas mensagens. Em seguida, passou à pauta das atualidades daquela manhã.
Gõran Mârtensson saiu de casa às 7h40. Pegou seu Volvo, tomou a direção do centro da cidade e entrou pela Stora Essingen e Grõndal rumo a Ardermalm. Foi pela Hornsgatan e chegou à Bellmansgatan via Brãnnkyrka. n Dobrou à esquerda na Tavastgatan, na altura do pub Bishop's Arms, e estacionou na esquina.
Rosa Figuerola teve uma sorte enorme. No exato momento em que chegou na frente do Bishop's Arms, uma caminhonete saiu, deixando-lhe uma vaga para que ela estacionasse na Bellmansgatan. Ficou com o capo exatamente na esquina da Bellmansgatan com a Tavastgatan. Da elevação onde estava, defronte ao Bishop's Arms, tinha uma visão perfeita. Enxergava um pedacinho do vidro traseiro do Volvo de Mârtensson na Tavastgatan. Logo em frente, na ladeira íngreme que descia em direção a Pryssgrãnd, ficava o número 1 da Bellmansgatan. Ela enxergava a lateral da fachada, de modo que não podia ver propriamente a porta de entrada, mas conseguia ver quando alguém saía. Não tinha a menor dúvida de que aquele endereço era o motivo da visita de Mârtensson ao bairro. Era a entrada do prédio de Mikael Blomkvist.
Rosa Figuerola se deu conta de que era um pesadelo vigiar a área em torno do número 1 da Bellmansgatan. Os únicos pontos de onde se podia observar diretamente a porta, na baixada da Bellmansgatan, eram a calçada e a passarela no alto da rua, no nível dos elevadores públicos e da Casa Laurin. Não havia mais lugar para estacionar lá em cima, e um observador na passarela se destacaria tão claramente como uma andorinha num antigo fio de telefone. O lugar em que Rosa Figuerola estacionara era a princípio o único em que ela podia ficar dentro do carro e ter condições de observar toda a área. Mas era também um lugar ruim, pois qualquer pessoa mais atenta poderia avistá-la facilmente dentro do carro.
Ela virou a cabeça. Não queria sair do carro e começar a zanzar pelo bairro; sabia que chamava facilmente a atenção. Para seu trabalho de tira, seu físico também tinha suas desvantagens.
Mikael Blomkvist saiu de seu prédio às nove e dez. Rosa Figuerola anotou a hora. Ela percebeu seu olhar percorrendo a passarela que transpunha o alto da Bellmansgatan. Ele começou a subir a ladeira vindo diretamente em sua direção.
Rosa Figuerola pegou no porta-luvas um mapa de Estocolmo e o deixou aberto no banco do passageiro. Depois abriu um caderno de anotações, tirou Uma caneta do bolso, pegou o celular e fingiu estar conversando. Mantinha a cabeça baixa de modo a que a mão que segurava o telefone escondesse parte do rosto.
Viu Mikael Blomkvist dando uma rápida olhada na Tavastgatan. Ele sabia que estava sendo vigiado e devia ter visto o carro de Mârtensson, mas continuou andando sem demonstrar nenhum interesse pelo carro. Agiu calma e friamente. Outros teriam rebentado a porta e dado uma surra no motorista.
Logo em seguida, ele passou pelo carro. Rosa Figuerola estava ocupadíssima procurando um endereço no mapa de Estocolmo enquanto falava ao celular, mas sentiu que Mikael olhou para ela ao passar. Desconfia de tudo que vê. Viu suas costas no retrovisor do passageiro enquanto ele seguia em direção à Hornsgatan. Já o tinha visto algumas vezes na tevê, mas era a primeira vez que o via pessoalmente. Usava jeans, camiseta e um paletó cinza. Estava com uma sacola pendurada no ombro e andava com grandes passadas indolentes. Até que era um cara bonito.
Gõran Mârtensson surgiu na esquina do Bishop's Arms e acompanhou Mikael Blomkvist com o olhar. Estava com uma sacola esportiva um tanto volumosa no ombro e concluía uma ligação no celular. Rosa Figuerola imaginou que ele fosse seguir Mikael Blomkvist, mas para sua surpresa ele atravessou a rua bem na frente de seu carro, dobrou à esquerda e desceu a ladeira em direção ao prédio de Mikael Blomkvist. No instante seguinte, um homem de macacão de trabalho passou pelo carro de Rosa Figuerola e foi andando atrás de Mârtensson. Ora, ora, de onde você surgiu?
Pararam em frente à porta do prédio de Mikael Blomkvist. Mârtensson teclou o código e os dois sumiram na escadaria. Eles estão querendo examinar o apartamento. A festa dos amadores. Esse aí acha que pode tudo.
Em seguida, Rosa Figuerola levantou os olhos para o retrovisor e teve um sobressalto ao ver Mikael Blomkvist. Ele tinha voltado e estava uns dez metros atrás dela, próximo o suficiente para avistar Mârtensson e seu assistente ali da parte mais elevada da rua que dominava o número 1. Ela observou seu rosto. Ele não estava olhando para ela. Em compensação, viu quando Gõran Mârtensson sumiu pela porta. Um instante depois, Blomkvist deu meia-volta e seguiu em direção à Hornsgatan.
Rosa Figuerola permaneceu imóvel por uns trinta segundos. Ele sab& que está sendo seguido. Está observando o que acontece a sua volta. Mas por não faz nada? Uma pessoa normal já teria mexido céus e terras... ele tem algum plano.
Mikael Blomkvist desligou e contemplou, pensativo, o bloco de notas sobre sua mesa. O Departamento de Trânsito acabava de lhe informar que o carro que ele notara no alto da Bellmansgatan pertencia a uma tal de Rosa Fieuerola, nascida em 1969 e com endereço na Pontonjãrgatan em Kungsholmen. Como ele vira uma mulher dentro do carro, Mikael supôs que se tratava da própria Rosa Figuerola.
Ela estava falando ao celular e consultando um mapa da cidade, aberto no banco do passageiro. Mikael não tinha nenhum motivo para imaginar que ela tivesse algo a ver com o bando Zalachenko, mas ele costumava registrar qualquer coisa que fugisse da rotina à sua volta, principalmente nas proximidades de sua casa.
Ergueu a voz e ligou para Lottie Karim.
— Quem é essa mulher? Consiga uma foto dela, descubra onde trabalha e tudo o que puder sobre o seu passado.
— Está bem, chefe — disse Lottie Karim, e voltou para sua sala.
O diretor financeiro do SMP, Christer Sellberg, parecia simplesmente atônito. Afastou a folha A4 com os nove itens sucintos que Erika Berger apresentara na reunião semanal da comissão de orçamento. O chefe do orçamento, Ulf Flodin, parecia preocupado. Borgsjõ, o presidente do conselho administrativo, exibia seu costumeiro ar neutro.
— Impossível — decretou Sellberg com um sorriso educado.