— Humm.
— O Fãlldin explicou que não sabia como administrar o caso. Acabava de ser nomeado e seu governo não tinha nenhuma experiência. Fazia mais de quarenta anos que os socialistas estavam no poder. Os homens responderam que as decisões cabiam a ele e que a Sapo se eximiria de qualquer responsabilidade caso ele consultasse seus colegas de governo. Isso foi muito desagradável para o Fãlldin. Ele simplesmente não sabia o que fazer.
— Certo.
— Por fim, o Fãlldin se sentiu obrigado a agir como aqueles senhores da Sapo sugeriam. Redigiu uma diretriz que outorgava à Sapo a guarda exclusiva de Zalachenko. Comprometeu-se a nunca mais falar sobre o assunto com ninguém. Ele nunca soube qual era o nome do dissidente.
— Entendo.
— Depois disso, o Fãlldin praticamente não ouviu mais falar no caso durante seus dois mandatos. Em compensação, fez algo muito sensato. Insistiu para que um secretário de Estado fosse posto a par de tudo para atuar como intermediário entre o gabinete do governo e os homens que protegiam o Zalachenko.
— Ah,é?
— Esse secretário de Estado era Bertil K. Janeryd. Hoje ele tem sessenta e três anos e é embaixador da Suécia em Haya.
— Só isso?
— Quando o Fãlldin se deu conta da gravidade desse inquérito preliminar, escreveu uma carta ao Janeryd.
Sonja Modig passou um envelope a Mikael, que o abriu e leu.
Caro Bertil,
O segredo que ambos guardamos durante meu mandato no governo esta sendo seriamente ameaçado. O indivíduo envolvido hoje está morto e não pode mais ser implicado. Em compensação, outras pessoas podem.
É de suma importância obtermos a resposta para algumas perguntas necessárias.
O portador desta carta trabalha oficiosamente e tem toda a minha confiança. Peço que ouça seu relato e responda às suas perguntas.
Faça uso desse seu incontestável poder de discernimento.
- Esta carta, portanto, faz menção ao Jerker Holmberg.
- Não. O Holmberg pediu ao Fãlldin que o nome dele não fosse citado.
Declarou expressamente que não sabia quem iria até Haya.
- Você quer dizer...
— Eu e o Jerker conversamos sobre isso. Já estamos tão mergulhados nesta história que precisaríamos é de um bote salva-vidas, e não de uma simples bóia. Não temos legitimidade para ir à Holanda conversar com o embaixador. Você, em compensação, pode fazer isso.
Mikael dobrou a carta e estava colocando-a no bolso do paletó quando Sonja Modig segurou sua mão. Apertou-a com força.
— Uma mão lava a outra — disse ela. — Depois vamos querer saber o que o Janeryd te contou.
Mikael fez que sim com a cabeça. Sonja Modig se levantou. Mikael deteve-a.
— Espere. Você disse que o Fãlldin recebeu duas pessoas da Sapo. Uma era o diretor. Quem era o colega dele?
— O Fàlldin só o viu aquela vez e não consegue lembrar o nome dele. Não foi feito nenhum registro. Ele se recorda de um homem magro com um bigode fino. Foi apresentado como chefe da Seção de Análise Especial, ou algo assim. Mais tarde, o Fãlldin olhou num organograma da Sapo e não encontrou a tal seção.
O clube Zalachenko, pensou Mikael.
Sonja Modig tornou a se sentar. Parecia medir as palavras.
— Certo — disse ela por fim. — Mas estou me arriscando a ir para o paredão de fuzilamento. Existe um registro que não ocorreu nem ao Fãlldin nem aos seus visitantes.
— Qual?
— O registro dos visitantes do Fãlldin no Palácio Rosenbad.
— E?
— O Jerker pediu para ver esse registro. É um documento oficial, mantido na sede do governo.
— E?
Sonja Modig hesitou mais uma vez.
— O registro indica apenas que o primeiro-ministro encontrou-se com o diretor da Sapo mais um colega, para discutir assuntos gerais.
— E há um nome?
— Sim, E. Gullberg. Mikael sentiu o sangue subir à cabeça.
— Evert Gullberg — disse ele. Sonja Modig parecia estar cerrando os dentes, levantou-se e saiu.
Mikael Blomkvist ainda estava no Café Madalena quando pegou o celular para reservar uma passagem aérea para Haya. O avião saía de Arlanda às 14h 50. Foi até a Dressman da Kungsgatan, onde comprou uma camisa e roupa de baixo, e em seguida à farmácia de Klara, onde adquiriu uma escova de dentes e outros produtos de higiene pessoal. Tomou o maior cuidado para não ser seguido quando correu para apanhar a van que levava ao aeroporto. Chegou dez minutos adiantado.
Às seis e meia da tarde, pediu um quarto num hotel desbotado a uns dez minutos a pé da estação central.
Passou duas horas tentando localizar o embaixador sueco e conseguiu contatá-lo por telefone por volta das nove horas. Recorreu a toda a sua capacidade de persuasão, destacando que o assunto era da mais alta importância e precisava ser discutido sem demora. O embaixador acabou cedendo e aceitou encontrar-se com Mikael no domingo, às dez da manhã.
Em seguida Mikael pediu um jantar leve num restaurante próximo do hotel. Foi dormir por volta das onze horas.
O embaixador Bertil K. Janeryd não estava muito loquaz enquanto servia o café em sua residência.
— Muito bem... O que seria tão urgente a este ponto?
— Alexander Zalachenko. O dissidente russo que chegou à Suécia em 1976 — disse Mikael, estendendo-lhe a carta de Fãlldin.
Janery pareceu estupefato. Leu a carta, soltando-a depois devagarinho. Mikael passou a meia hora seguinte explicando as questões centrais do problema e por que Fàlldin tinha escrito aquela carta.
— Eu... eu não posso falar sobre isso — disse Janeryd por fim.
Meneou a cabeça, levantando-se.
— É claro que pode.
— Não, só diante da Comissão Constitucional.
— E muito provável que o senhor tenha a oportunidade de fazer isso também. Mas a carta pede que o senhor use sua capacidade de discernimento.
— O Fàlldin é um homem decente.
— Não tenho a menor dúvida disso. E não estou querendo constranger o senhor nem o Fãlldin. Não é preciso revelar nenhum segredo militar que o Zalachenko eventualmente tenha contado.
— Não conheço segredo nenhum. Eu nem sabia que o nome dele era Zalachenko... Eu só conhecia o nome de guerra.
— Que era?
— Ele era chamado de Ruben.
— Muito bem.
— Não posso falar sobre isso.
— Mas é claro que pode — repetiu Mikael, acomodando-se melhor. — Daqui a pouco toda essa história vai se tornar pública. E, quando isso acontecer, ou a imprensa vai atacá-lo com tudo, ou vai tratá-lo como um funcionário honesto do Estado que fez o possível para consertar uma situação abominável. O senhor foi incumbido pelo Fãlldin de servir como intermediário entre ele e o pessoal que cuidava do Zalachenko. Isso eu já sei.
Janeryd balançou a cabeça.
— Fale sobre isso.
Janeryd permaneceu em silêncio por quase um minuto.
— Eles não me davam nenhuma informação. Eu era muito jovem... não sabia bem como administrar a situação. Estive com eles umas duas vezes por ano naquele período. Diziam que Ruben... Zalachenko estava bem de saúde, colaborando, e que as informações que ele passava eram valiosas. Nunca soube detalhes. Não precisava saber.
Mikael esperou.
— O dissidente tinha atuado em outros países e não conhecia nada da Suécia, motivo pelo qual nunca foi considerado uma prioridade pela nossa política de segurança. Informei o primeiro-ministro em duas ou três oportunidade, mas de modo geral não havia nada a dizer.
— Certo.
— Eles repetiam que ele estava sendo tratado como era de praxe nesses casos e que as informações fornecidas por ele seguiam o processo habitual através dos nossos canais regulares. O que eu podia dizer? Quando perguntava o que isso significava, eles sorriam e diziam que isso estava acima do meu nível de competência. Eu me sentia um idiota.
— O senhor nunca achou que havia algo estranho nessa história?
— Não. Não havia nada estranho. Eu partia do princípio de que o pessoal da Sapo sabia o que estava fazendo, que eles tinham a experiência e a prática necessárias. Mas não posso falar sobre isso.