— Quem é H. W. Francke? — perguntou Rosa Figuerola.
— Hans Wilhelm Francke — disse Edklinth. — Morreu no início dos anos 1990, mas foi diretor-adjunto da polícia secreta do Estado no final dos anos 1950 e início dos 1960. Era uma espécie de lenda, assim como o Otto Danielsson. Estive com ele uma ou duas vezes.
— Ah, sim — disse Rosa Figuerola.
— Ele deixou a Sapo no final dos anos 1960. Francke e P. G. Vinge nunca se deram bem. Imagino que ele tenha sido demitido quando estava com uns cinqüenta, cinqüenta e cinco anos. Abriu sua própria empresa.
— Sua própria empresa?
— É, ele virou consultor de segurança para a indústria privada. Tinha um escritório em Stureplan, mas de vez em quando também dava palestras nos cursos internos da Sapo. Foi assim que o conheci.
— Entendo. Que desentendimento foi esse entre o Vinge e o Francke?
— Eles não se suportavam. O Francke fazia o gênero caubói, enxergava agentes da KGB por toda parte, e Vinge era um burocrata da velha escola. Verdade é que Vinge foi demitido pouco depois. Era até engraçado, porque ele estava convencido de que o Palme trabalhava para a KGB.
— Humm — fez Rosa Figuerola, examinando a foto em que Gullberg e Francke apareciam lado a lado.
— Acho que chegou a hora de ter outra conversa com o Ministério da Justiça — disse Edklinth.
— Hoje saiu a Millennium — disse Rosa Figuerola. Edklinth lançou-lhe um olhar penetrante.
— Nem uma palavra sobre o caso Zalachenko — disse ela.
— Isso significa que temos, provavelmente, um mês pela frente até o nróximo número. É bom saber. Mas precisamos cuidar do Blomkvist. Ele está corno uma granada sem pino no meio de toda essa encrenca.
17. QUARTA-FEIRA 1º. DE JUNHO
Nada fizera Mikael Blomkvist desconfiar de que havia alguém na escadaria quando ele dobrou o último patamar em frente ao seu soft no número 1 da Bellmansgatan. Eram sete da noite. Ele estacou ao ver uma mulher loira, de cabelos curtos e cacheados, sentada no último degrau. Identificou-a imediatamente como sendo Rosa Figuerola, da Sapo, lembrava-se muito bem da foto que Lottie Karim conseguira.
— Olá, Blomkvist — disse ela com um jeito alegre, fechando o livro que estivera lendo.
Mikael deu uma olhada no título e viu que era um livro em inglês sobre os deuses na Antigüidade. Afastou os olhos do livro para examinar sua inesperada visitante. Ela se levantou. Usava um vestido branco de verão de mangas curtas e pendurara uma jaqueta de couro vermelho-tijolo no corrimão da escada.
— A gente precisava falar com você — disse ela.
Mikael Blomkvist observou-a. Era alta, mais alta que ele, e essa impressão era reforçada pelo fato de ela estar dois degraus acima dele. Observou seus braços, baixou o olhar para as pernas e percebeu que ela era muito mais musculosa que ele.
- Você deve passar várias horas por semana na academia — disse ele.
Ela sorriu e mostrou suas credenciais.
- Eu me chamo...
- Você se chama Rosa Figuerola, nasceu em 1969 e mora na Pontojárcatan, em Kungsholmen. Originária de Borlãnge, trabalhou como policial em Uppsala. Está há três anos na Sapo, na Proteção à Constituição. Obcecada por musculação, houve um tempo em que era atleta de alto nível e por pouco não integrou a equipe sueca nos Jogos Olímpicos. O que quer de mim?
Ela ficou surpresa, mas meneou a cabeça e se recompôs rapidamente.
— Melhor assim — disse ela com um tom casual. — Você já sabe quem eu sou, portanto sabe também que não tem nada a temer da minha parte.
— Não tenho?
— Algumas pessoas estão precisando conversar calmamente com você. Como o seu apartamento e o seu celular parecem estar sob escuta, e há motivos para permanecermos discretos, me mandaram aqui para lhe fazer o convite.
— E por que eu iria a algum lugar com uma pessoa da Sapo? Ela refletiu por um instante.
— Bem... você pode me acompanhar, atendendo a esse convite pessoal e amigável, ou, se preferir, posso lhe passar as pulseiras e levá-lo.
Ela exibiu um sorriso encantador. Mikael retribuiu.
— Escute, Blomkvist... entendo que você não tenha motivo para confiar em ninguém da Sapo. Mas acontece que nem todos que trabalham lá são seus inimigos, e há muitos bons motivos para você aceitar bater um papo com meus chefes.
Ele esperou.
— Então, o que você escolhe? As pulseiras ou a boa vontade?
— Já fui detido uma vez pela polícia este ano. Já tive a minha cota. Aonde vamos?
Ela tinha um Saab 9-5 novo, que estava estacionado na esquina da Pryssgránd. Ao subir no carro, pegou o celular e ligou para um número pré--gravado.
— Estaremos lá em quinze minutos — disse.
Pediu que Mikael Blomkvist pusesse o cinto de segurança e então pegou por Slussen, foi até Õstermalm e estacionou numa rua lateral da Artillerigatan. Ficou um instante parada olhando para ele.
— Blomkvist... é uma reunião amistosa. Você não corre nenhum perig0 Mikael Blomkvist não respondeu. Preferia aguardar o que ia acontecer
antes de fazer um julgamento. Ela digitou o código de entrada. Subiram ao terceiro andar pelo elevador, até um apartamento em que havia uma placa com o nome Wahlõf.
— É vim apartamento que pegamos emprestado para a reunião desta noite — disse Rosa Figuerola, abrindo a porta. — A sala fica à direita.
Mikael avistou primeiro Torsten Edklinth, o que não era nenhuma surpresa já que a Sapo estava envolvida no caso e Edklinth era o chefe de Rosa Figuerola. O fato de o diretor da Proteção à Constituição ter se dado ao trabalho de procurá-lo mostrava que havia alguém preocupado.
Em seguida avistou, diante de uma janela, uma figura que se virou para ele. O ministro da Justiça. Isso, sim, era surpreendente.
Então ouviu um ruído à direita e viu uma pessoa extremamente familiar levantar-se de uma poltrona. Nunca teria imaginado que Rosa Figuerola o levaria a uma reunião noturna de conspiradores. O primeiro-ministro!
— Boa noite, senhor Blomkvist — cumprimentou o primeiro-ministro. Peço desculpas por trazê-lo a esta reunião de forma tão precipitada, mas andamos discutindo sobre a situação e todos concordamos que era necessário falar com o senhor. Posso lhe oferecer um café ou algo para beber?
Mikael olhou em volta. Viu uma mesa grande de madeira escura repleta de copos, xícaras de café vazias e restos de uma torta salgada. Já deviam estar ali havia várias horas.
— Uma Ramlõsa — disse.
Rosa Figuerola serviu-lhe a água mineral. Acomodaram-se nos sofás em volta de uma mesinha de centro, enquanto ela permaneceu à parte.
— Ele me reconheceu. Sabia meu nome, onde moro, onde trabalho e que sou viciada em musculação — disse Rosa Figuerola.
O primeiro-ministro olhou rapidamente para Torsten Edklinth, depois para Mikael Blomkvist. De súbito, Mikael sentiu-se fortalecido, numa posição favorável para falar. O primeiro-ministro precisava dele para alguma coisa e talvez ignorasse até que ponto Mikael Blomkvist estava informado.
— Estou tentando me situar em meio às personagens dessa confusão - disse Mikael em tom casual.
Experimente blefar com o primeiro-ministro.
- E como conseguiu descobrir o nome da senhorita Figuerola? — perguntou Edklinth.
Mikael olhou de lado para o diretor da Proteção à Constituição. Não fazia a menor idéia do motivo que levara o primeiro-ministro a organizar uma reunião secreta com ele num apartamento emprestado de Ostermalm, mas sentia-se inspirado. Na verdade, não havia mil maneiras de as coisas acontecerem. Tudo começara com Dragan Armanskij passando informações para alguém de sua confiança. Que fora necessariamente Edklinth ou alguém próximo a ele. Mikael arriscou.
— Um conhecido em comum lhe contou — disse ele a Edklinth. — O senhor pediu à senhorita Figuerola que investigasse o que estava sendo tramado e ela descobriu que alguns membros da Sapo mantêm escutas telefônicas ilegais e invadiram meu apartamento, esse tipo de coisa. Isso significa que o senhor teve a confirmação da existência do clube Zalachenko. E isso o deixou tão perturbado que sentiu necessidade de levar as coisas adiante, mas ficou algum tempo em seu escritório sem saber a quem se dirigir. Então foi falar com o ministro da Justiça, que por sua vez dirigiu-se ao primeiro-ministro. E aqui estamos nós. O que espera de mim?