Mikael falava de um jeito que dava a entender que ele dispunha de uma fonte bem situada e acompanhara cada passo de Edklinth. Pelos olhos arregalados dele, percebeu que seu blefe tinha dado certo. Prosseguiu.
— O clube Zalachenko está me vigiando, eu o vigio, vocês vigiam o clube Zalachenko e, a esta altura, o primeiro-ministro está furioso e preocupado porque sabe que no fim desta conversa restará um escândalo ao qual o governo talvez não sobreviva.
Rosa Figuerola sorriu de repente, mas disfarçou erguendo seu copo. Percebera o blefe de Blomkvist e sabia como ele tinha feito para surpreendê-la, sabendo seu nome e que número ela calçava.
Ele me viu dentro do carro na Bellmansgatan. Ele é tremendamente atento. Anotou a placa do carro e me identificou. O resto não passa de suposição.
Ela não disse nada.
O primeiro-ministro pareceu preocupado.
— É isso que nos espera? — perguntou. — Um escândalo que irá derrubar o governo?
— O governo não é problema meu — disse Mikael. — Minha missão consiste em revelar merdas como o clube Zalachenko.
O primeiro-ministro balançou a cabeça.
— E a minha consiste em dirigir o país de acordo com a Constituição
— Isso significa que o meu problema é um problema específico do governo. Enquanto a recíproca não é verdadeira.
— Será que poderíamos parar de falar e não dizer nada? Por que acha que eu organizei esta reunião?
— Para descobrir o que eu sei e o que pretendo fazer.
— Em parte, é isso mesmo. Mas seria mais certo dizer que estamos diante de uma crise constitucional. Permita que eu lhe diga, em primeiro lugar, que o governo não tem nada a ver com isso. Fomos pegos totalmente de surpresa. Eu nunca tinha ouvido falar nesse... nisso que o senhor chama de clube Zalachenko. O ministro da Justiça nunca tinha ouvido falar. Torsten Edklinth, que tem um alto cargo na Sapo há vários anos, nunca tinha ouvido falar.
— Continua não sendo problema meu.
— Eu sei. O que nós queremos saber é quando você pretende publicar o seu texto, e também gostaríamos de saber o que pretende publicar. Estou apenas fazendo uma pergunta. Não tem nada a ver com algum tipo de controle sobre possíveis prejuízos.
— Não?
— Blomkvist, a pior coisa que eu poderia fazer nesta situação seria tentar interferir no conteúdo da sua matéria. Em compensação, pretendo lhe propor uma colaboração.
— Explique.
— Agora que confirmamos que existe uma conspiração dentro de uma ramificação excepcionalmente delicada da administração do Estado, dei ordem para que seja feita uma investigação. — O primeiro-ministro voltou-se para o ministro da Justiça. Poderia nos explicar no que consiste exatamente essa ordem do governo?
— É muito simples. Torsten Edklinth foi incumbido de verificar se e possível provar isso tudo. A tarefa dele consiste em reunir provas, que serão encaminhadas ao procurador-geral da nação, o qual, por sua vez, ficará incumbido de avaliar a necessidade de se entrar com uma ação judicial. Trata-se, portanto, de uma instrução bastante precisa.
Mikael assentiu com a cabeça.
- Esta noite, Edklinth nos relatou como a investigação tem avançado.
Tivemos uma longa conversa sobre aspectos constitucionais. Fazemos questão evidentemente, que tudo corra dentro da legalidade.
__Naturalmente — disse Mikael, com um tom que dava a entender que ele não confiava nem um pouco nas promessas do primeiro-ministro.
__ No momento, a investigação se encontra numa fase delicada. Ainda não identificamos exatamente os envolvidos. Para isso, precisamos de tempo. Por isso pedimos que a senhorita Rosa Figuerola o convidasse para esta reunião.
— Ela foi bastante direta. Não tive muita escolha.
O primeiro-ministro franziu o cenho e olhou de esguelha para Rosa Figuerola.
— Esqueça o que eu disse — disse Mikael. — Ela teve um comportamento exemplar. O que vocês querem?
— Queremos saber quando você pretende publicar. No momento, a investigação está sendo conduzida dentro do maior sigilo, e se você agir antes que o Edklinth conclua, poderá pôr tudo a perder.
— Humm. E quando querem que eu publique? Depois das eleições?
— O senhor é quem decide. Não posso influenciar em nada. O que lhe peço é que nos diga quando vai publicar, para que possamos saber qual o deadline da investigação.
— Compreendo. O senhor mencionou uma colaboração... O primeiro-ministro fez que sim com a cabeça.
— Antes de mais nada eu queria dizer que em tempos normais eu jamais pensaria em trazer um jornalista para uma reunião desse tipo.
— Em tempos normais, o senhor provavelmente faria de tudo para manter os jornalistas à distância de uma reunião desse tipo.
— Sim. Mas, pelo que entendi, o senhor tem diversos motivos. E um jornalista com fama de pegar pesado quando se trata de corrupção. Quanto a isso, não há divergência entre nós.
— Não?
— Não. Nenhuma. Ou melhor... as possíveis divergências são decerto de caráter jurídico, porém não há nenhuma no que diz respeito a objetivos. E esse clube Zalachenko existe, trata-se não só de um grupo criminoso, mas de uma ameaça à segurança da nação. Eles precisam ser detidos e os responsáveis devem responder por seus atos. Suponho que estamos de acordo sobre esse ponto, certo?
Mikael fez que sim com a cabeça.
— Pelo que entendi, não há quem saiba mais sobre este caso do que o senhor. Nossa proposta é que divida conosco as suas informações. Caso se tratasse de uma investigação policial regular sobre um crime comum, o responsável pelo inquérito preliminar poderia convocá-lo para um interrogatório. Mas estamos numa situação extrema, como sabe.
Mikael permaneceu calado por um breve momento, avaliando a situação.
— E o que eu ganho em troca, se cooperar?
— Nada. Não estou negociando. Se quiser publicar tudo amanhã, publique. Não posso enveredar por uma negociação questionável do ponto de vista constitucional. Estou lhe pedindo para cooperar pelo bem do país.
— O bem pode assumir inúmeras facetas — disse Mikael Blomkvist. — Deixe eu lhe explicar uma coisa... estou furioso. Furioso com o Estado, com o governo, com a Sapo e com esses idiotas que internaram sem motivo uma menina de doze anos num hospital psiquiátrico, e depois deram um jeito de declará-la incapaz.
— Lisbeth Salander se tornou um assunto de Estado — disse o primeiro-ministro, chegando a sorrir. — Mikael, estou pessoalmente revoltado com o que aconteceu com ela. E acredite em mim quando digo que os responsáveis terão de se explicar. Mas antes precisamos descobrir quem são os responsáveis.
— O senhor tem seus próprios problemas. O meu é que quero que a Lisbeth Salander seja absolvida e recupere seus direitos civis.
— Não posso ajudá-lo nesse aspecto. Não estou acima da lei e não posso dirigir as decisões do procurador e dos tribunais. A absolvição dela precisa vir de um tribunal.
— Perfeito — disse Mikael Blomkvist. — Vocês querem colaboração. Me dêem acesso à investigação do Edklinth e eu digo quando e o que pretendo publicar.
— Não posso lhe conceder esse acesso. Isso eqüivaleria a me colocar, em relação ao senhor, na mesma posição em que o antecessor do ministro da Justiça se colocou diante de um certo Ebbe Carlsson antes de irromper o escândalo das revelações sobre o assassinato de Palme.
-— Eu não sou Ebbe Carlsson — disse Mikael calmamente.