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— Isso eu entendi. No entanto, o próprio Torsten Edklintb pode decidir se está disposto a partilhar com o senhor informações de sua missão.

— Está bem, está bem — disse Mikael Blomkvist. — Quero saber quem era Evert Gullberg.

Fez-se um silêncio em torno dos sofás.

— Evert Gullberg foi, provavelmente por vários anos, o chefe da seção da Sapo que o senhor chama de clube Zalachenko — disse Edklinth.

O primeiro-ministro lançou um olhar severo para Edklinth.

— Acho que isso ele já sabe — desculpou-se Edklinth.

— É verdade — disse Mikael. — Ele começou a trabalhar na Sapo nos anos 1950 e se tornou diretor de uma coisa chamada Seção de Análise Especial. Foi ele que administrou todo o caso Zalachenko.

O primeiro-ministro meneou a cabeça suspirando.

— O senhor sabe mais do que deveria. Eu gostaria de saber como descobriu. Mas não vou perguntar.

— Estou com várias lacunas na minha matéria — disse Mikael. — Gostaria de preenchê-las. Me dêem as informações, não vou aprontar com vocês.

— Na condição de primeiro-ministro, não posso passar essas informações. E o Torsten Edklinth ficaria numa situação delicada se o fizesse.

— Isso é bobagem. Eu sei o que vocês querem. Vocês sabem o que eu quero. Se me derem essa informação, vou tratá-los como fontes, com todo o anonimato que isso requer. Não me entendam mal, na minha reportagem vou contar a verdade tal como a vejo. Se estiverem envolvidos, vou acusados e dar um jeito para que nunca mais sejam eleitos. Mas no momento não tenho motivos para pensar assim.

O primeiro-ministro lançou um olhar de esguelha para Edklinth. Depois de um momento, balançou a cabeça. Mikael interpretou isso como um sinal de que o primeiro-ministro acabava de infringir a lei — por mais teórica que ela fosse — e dar seu silencioso consentimento para que Mikael fosse inteirado de informações confidenciais.

— Podemos resolver tudo isso de maneira bem simples — disse Edkhnth. — Eu sou o único investigador e eu mesmo decido que colaboradores contrato para a investigação. O senhor não pode ser formalmente contratado como investigador, pois seria obrigado a assinar um compromisso de sigilo. Mas posso contratá-lo como um consultor externo.

Desde que Erika Berger assumira a chefia de redação no lugar de Hâkan Morander, sua vida andava lotada de reuniões e de uma pilha de trabalho tanto de dia como de noite. Sentia-se o tempo todo despreparada, inadequada e uma não iniciada.

Somente na quarta-feira à noite, quase duas semanas depois de Mikael Blomkvist ter lhe passado o dossiê de Henry Cortez sobre o presidente do conselho administrativo, Magnus Borgsjõ, é que Erika teve tempo de encarar o problema. Ao abrir o dossiê, percebeu que aquele adiamento vinha também do fato de que não tinha vontade de enfrentá-lo. Sabia de antemão que, qualquer que fosse sua atitude, a situação terminaria em catástrofe.

Voltou para sua casa, em Saltsjõbaden, um pouco cedo, por volta das sete da noite, desligou o alarme da entrada e constatou, surpresa, que seu marido, Lars Beckman, não estava. Depois de alguns instantes, lembrou que o beijara com especial carinho de manhã porque ele estava indo para Paris, onde daria algumas palestras, e não voltaria antes do fim de semana. Deu-se conta de que ignorava por completo para quem eram as palestras, sobre o que ele iria falar e quando fora decidida a conferência.

Oh, meu Deus, me perdoe, mas me afastei do meu marido! Sentiu-se como uma personagem de um livro do dr. Richard Schwarts e se perguntou se não estaria necessitada de uma terapia de casal.

Foi para o andar de cima, preparou um banho e se despiu. Levou o dossiê para a banheira e passou a meia hora seguinte lendo toda a matéria. Terminada a leitura, não pôde deixar de sorrir. Henry Cortez ainda seria um jornalista formidável. Tinha vinte e seis anos e trabalhava na Millennium desde que se formara na faculdade de jornalismo, quatro anos antes. Ela sentiu um certo orgulho. A matéria sobre os vasos sanitários e o Borgsjõ trazia do início ao fim a marca da Millennium, e cada linha escrita estava documentada.

Contudo, sentiu-se também muito triste. Magnus Borgsjõ era um homem decente e ela gostava dele. Não fazia muito alarde, sabia escutar, tinha charme e parecia ser uma pessoa simples. Além disso, era seu chefe e empregador. Borgsjõ, seu puto. Como você pôde ser tão burro?

Refletiu por um instante, tentando achar outras ligações ou circunstâncias atenuantes, mas já sabia que seria impossível negar as evidências.

Pôs o dossiê na beirada da janela e se esticou dentro da banheira para pensar.

Era inevitável, a Millennium ia publicar a matéria. Se ela ainda fosse diretora da revista, não hesitaria um segundo sequer, e o fato de a Millennium ter lhe passado discretamente a informação nada mais era que uma tentativa de amenizar um pouco os estragos para o seu lado. Se a situação fosse inversa, se o SMP tivesse desencavado bandalheiras parecidas sobre o presidente do conselho administrativo da Millennium (que vinha a ser ela própria, Erika Berger!), ela tampouco teria hesitado em publicar.

A publicação iria prejudicar seriamente Magnus Borgsjõ. No fundo, o mais grave não era a sua empresa Vitavara S.A. ter encomendado vasos sanitários a uma empresa do Vietnã que constava na lista negra da ONU como empresa exploradora do trabalho infantil e, no caso, de prisioneiros usados como escravos. Sem esquecer também que, com toda a certeza, alguns desses prisioneiros poderiam ser considerados prisioneiros políticos. O mais grave era Magnus Borgsjõ estar a par dessa situação e ainda assim ter optado por continuar encomendando vasos sanitários da Fong Soo Industries. Era uma atitude gananciosa que, a exemplo da de outros gângsteres capitalistas como o ex-presidente da Skandia, o povo sueco não aceitava com facilidade.

Magnus Borgsjõ iria naturalmente afirmar que não fora informado sobre a situação da Fong Soo, mas Henry Cortez tinha provas consistentes do contrário, e no momento em que Borgsjõ tentasse se justificar com essas bobagens estaria se revelando um mentiroso. Pois em junho de 1997 Magnus Borgsjõ estivera no Vietnã para assinar os primeiros contratos. Passara dez dias no país e, entre outras coisas, visitara as fábricas da empresa. Se afirmasse não ter percebido que diversos operários da fábrica não tinham mais que doze ou treze anos, passaria por um rematado estúpido.

Além disso, a questão de Borgsjõ querer alegar uma eventual ignorância ficava definitivamente esclarecida pelas provas que Henry Cortez tinha de que a comissão da ONU contra o trabalho infantil incluíra a Fong Soo em sua lista de empresas exploradoras de crianças em 1999. Isso resultará em alguns artigos nos jornais, além de duas ONGS — independentes uma da outra e que atuavam contra o trabalho infantil, sendo uma delas a prestigiosa International Joint Effort Against Child Labour de Londres — terem escrito cartas às empresas que tinham negócios com a Fong Soo. Nada menos que sete cartas haviam sido enviadas à Vitavara S.A., duas pessoalmente endereçadas a Magnus Borgsjó. A organização de Londres tivera o maior prazer em repassar a documentação para Henry Cortez, frisando que em momento algum tivera uma resposta da Vitavara S.A.

Em compensação, Magnus Borgsjó estivera no Vietnã em duas outras ocasiões, em 2001 e 2004, para renovar os contratos. Era o golpe de misericórdia. Acabava aí qualquer possibilidade de Borgsjó tentar fingir que desconhecia a situação.

A atenção que a mídia daria ao assunto só poderia ter uma conseqüência. Se Borgsjó tivesse algum bom-senso, reconheceria seu erro e pediria demissão de seus cargos nos conselhos administrativos. Caso se mostrasse recalcitrante, acabaria sendo engolido no processo.

Que Borgsjó fosse ou não presidente do conselho administrativo da empresa Vitavara era a menor das preocupações de Erika Berger. O grave, para ela, era ele ser também presidente do SMP. A revelação o forçaria a pedir demissão. Num momento em que o jornal vinha se equilibrando à beira do abismo e estava se iniciando um trabalho de renovação, o SMP não podia se permitir ter um presidente com práticas duvidosas. O jornal sofreria com isso. Ele precisava, portanto, deixar o SMP.