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Mikael riu.

— Você também deveria fazer — disse ela. — A sua cintura está um pouco fora de forma.

— Eu sei — disse ele. — Minha consciência me cutuca o tempo todo. Às vezes eu recomeço a correr. Me livro de alguns quilos, mas logo me envolvo em alguma outra coisa e não encontro mais tempo durante um mês ou dois.

.— De fato você andou bem ocupado nos últimos meses. Ele ficou sério de repente. Então meneou a cabeça.

— Li muitas coisas à seu respeito nas duas últimas semanas. Você deu de dez a zero na polícia ao encontrar o Zalachenko e identificar o Niedermann.

— A Lisbeth Salander foi ainda mais rápida.

— Como foi que você chegou a Gosseberga? Mikael deu de ombros.

— Trabalho rotineiro de pesquisa, tudo direitinho. Não fui eu que localizei os dois, foi nossa assistente de redação, a Malu Eriksson, que agora é nossa redatora-chefe. Ela conseguiu encontrá-los pelo cadastro de empresas. Ele constava do conselho administrativo da empresa de Zalachenko, a K. A. B.

— Entendo.

— Por que você entrou na Sapo? — ele perguntou.

— Você pode não acreditar, mas sou tão antiquada quanto democrata. Considero a polícia necessária e que uma democracia precisa de segurança política. Por isso me orgulho de trabalhar na Proteção à Constituição.

— Humm — fez Mikael Blomkvist.

— Você não gosta muito da Segurança.

— Não gosto muito de instituições que estão acima do controle parlamentar. São um convite a abusos de poder, mesmo que essas instituições sejam boas. Por que você se interessa por mitologia antiga?

Ela ergueu as sobrancelhas.

— Você estava lendo um livro sobre isso na escadaria do meu prédio.

— Ah, é verdade. Sou fascinada pelo assunto.

— Ahã.

— Eu me interesso por um bocado de coisas. Fiz direito e ciências políticas nos meus anos de policial. Antes, eu tinha estudado história das mentalidades e filosofia.

— Você não tem nenhum ponto fraco?

— Não leio ficção, nunca vou ao cinema e na televisão só vejo o noticiário. E você? Por que se tornou jornalista?

— Porque existem instituições como a Sapo, às quais o Parlamento não tem acesso e que precisam ser constantemente denunciadas.

Mikael sorriu e então prosseguiu.

— Francamente, não sei direito. Na verdade, a resposta é a mesma que a sua. Acredito numa democracia constitucional e de vez em quando é preciso defendê-la.

— Como foi o caso com o financista Hans-Erik Wennerstrõm?

— Por aí.

— Você é solteiro. Você namora a Erika Bergman?

— A Erika Bergman é casada.

— Está certo. Quer dizer que todos os boatos sobre vocês são pura besteira. Você tem namorada?

— Nenhuma permanente.

— Quer dizer que esses boatos também são verdadeiros. Mikael deu de ombros e sorriu outra vez.

A redatora-chefe Malu Eriksson ficou até o amanhecer à mesa da cozinha de sua casa em Ârsta. Estava debruçada sobre umas cópias do orçamento da Millennium e tão envolvida que seu amigo Anton acabou desistindo de tentar conversar com ela. Lavou a louça, preparou um sanduíche e café para mais tarde da noite. Depois, deixou-a tranqüila e se acomodou na frente de uma reprise de C.S.I. na televisão.

Até então, Malu Eriksson nunca administrara algo mais sofisticado que um orçamento doméstico, mas havia trabalhado com Erika Berger nos orçamentos mensais e entendia os princípios da coisa. Tornara-se redatora-chefe e isso a fazia responsável também pela parte financeira da revista. Em dado momento, depois da meia-noite, concluiu que, acontecesse o que acontecesse, iria precisar de um assistente para ajudá-la naquele malabarismo. Ingela Oscarsson, que cuidava da contabilidade uma vez por semana, não tinha competência em matéria de orçamento e não ajudava em nada quando ela tinha de decidir quanto poderiam pagar para um frila ou se tinham condições de comprar uma impressora a laser nova usando uma verba extra e não aquela reservada para investimento tecnológico. Na prática, era uma situação ridícula. A Millennium tinha claramente uma boa folga, mas isso graças a Erika, que sempre conseguira se equilibrar mesmo com um orçamento zero. Algo tão elementar como uma impressora colorida de quarenta e cinco mil coroas ficava reduzido a uma impressora em preto e branco de oito mil coroas.

Por um momento, invejou Erika Berger. No SMP, ela dispunha de um orçamento em que uma despesa dessas equivalia a uns trocados para o café.

A situação financeira da Millennium fora declarada boa na última assembléia, mas talvez o excedente no orçamento se explicasse pelas vendas do livro de Mikael Blomkvist sobre o caso Wennerstrõm. Investido em aplicações, esse excedente vinha diminuindo a uma velocidade preocupante. Um dos motivos eram os gastos de Mikael no caso Salander. A Millennium não dispunha dos recursos necessários para manter os gastos correntes de um colaborador, muito menos quando ele incluía aluguel de carro, quartos de hotel, táxis, compra de material tecnológico de ponta, celulares e tudo mais!

Malu registrou uma nota do freelancer Daniel Olofsson em Góteborg. Ela suspirou. Mikael Blomkvist aprovara a quantia de catorze mil coroas para uma semana de pesquisa sobre um assunto que nem sequer ia ser publicado. A remuneração de um tal Idris Ghidi, de Góteborg, seria lançada na conta de honorários para fontes anônimas, que por definição não dava mais detalhes sobre sua identidade, o que significava que o revisor da contabilidade iria criticar a falta de nota e o caso iria virar assunto da próxima reunião do conselho administrativo. A Millennium também pagava honorários para Annika Giannini, que evidentemente também receberia dinheiro dos cofres públicos, mas que, afinal, de imediato, precisava de algum para pagar suas viagens de trem etc.

Ela largou a caneta e contemplou o total obtido. Mikael Blomkvist usara sem nenhum prurido cento e cinqüenta mil coroas para o caso Salander, totalmente fora do orçamento. Aquilo não podia continuar.

Percebeu que precisaria ter uma conversa com ele.

Erika Berger passou o final do dia no pronto-socorro do hospital de Nacka, e não relaxando no sofá, em frente à tevê, como pretendia. O caco de vidro penetrara tão fundo que a hemorragia não parava, e durante o exame perceberam que ainda havia um estilhaço pontiagudo alojado no calcanhar que precisava ser extraído. De modo que ela foi brindada com uma anestesia local e três pontos.

Durante toda a sua permanência no hospital, Erika Berger ficou reclamando intimamente e tentando ligar ora para Lars Beckman, ora para Mikael Blomkvist. Porém nem seu marido nem seu amante se dignaram a responder. Por volta das dez da noite, seu pé estava empacotado numa enorme bandagem. Emprestaram-lhe muletas e ela pegou um táxi para voltar para casa.

Mancando sobre um pé e a ponta dos artelhos do outro, passou algum tempo varrendo a sala e encomendando uma vidraça nova à SOS Vidros. Teve sorte. A noite estava calma no centro da cidade e o vidraceiro chegou em vinte minutos. Então a sorte virou. A janela da sala era tão grande que não tinham vidro adequado em estoque. O vidraceiro sugeriu que a tapassem provisoriamente com uma chapa de compensado, o que ela aceitou agradecida.

Enquanto o homem instalava o compensado, ela ligou para o plantão da empresa de segurança NIP, Nacka Integrated Protection, e perguntou por quê, porra, o sofisticado alarme não tinha disparado quando jogaram um tijolo na maior janela da sua casa de duzentos e cinqüenta metros quadrados.

Um carro da NIP foi despachado para verificar e constatou-se que o técnico que fizera a instalação vários anos antes esquecera de ligar os fios da janela da sala.