Erika Berger ficou sem voz.
A NIP se ofereceu para remediar a situação na manhã seguinte. Erika retrucou que não precisava. Ligou para a emergência da Milton Security, explicou a situação e pediu um sistema completo de alarme para o mais breve possível. Sim, eu sei que tenho que assinar um contrato, mas diga ao Dragan Armanskij que a Erika Berger ligou, e dê um jeito para que o alarme seja instalado já de manhã.
Por fim, ligou para a polícia. Disseram-lhe que não havia nenhuma viatura disponível para ir colher seu depoimento. Aconselharam-na a procurar a delegacia mais próxima no dia seguinte. Obrigada! Vão se catar!
Depois disso, ficou um bom tempo fervendo por dentro até que a adrenalina começou a baixar e ela se deu conta de que ia dormir sozinha numa casa sem alarme enquanto alguém que a chamava de puta nojenta e mostrava inclinações à violência rondava as proximidades.
Por um breve momento, perguntou-se se não seria melhor ir para o centro e passar a noite num hotel, mas Erika Berger era dessas pessoas que não gostam nem um pouco de se sentir vítimas de ameaças, e menos ainda de ceder a elas. Nem pensar num canalha de merda me expulsar da minha própria casa.
Para compensar, tomou algumas medidas extras de segurança.
Mikael Blomkvist lhe contara como Lisbeth Salander enfrentara o matador em série Martin Vanger com um taco de golfe. Então ela foi até a garagem e passou dez minutos revirando tudo até encontrar sua sacola de golfe, que ela não usava havia uns quinze anos. Escolheu um ferro 7 e colocou-o a uma confortável distância da cama. Deixou um putter no hall de entrada e outro taco de ferro na cozinha. Pegou um martelo na caixa de ferramentas do porão e o pôs no banheiro da sua suíte.
Tirou da bolsa a bomba de gás lacrimogêneo e deixou-a na mesa de cabeceira. Por fim, achou um calço de borracha, trancou a porta do quarto e travou-a com ele. Estava quase desejando que o merdinha que a chamava de puta e estourava sua janela fosse idiota o bastante para voltar durante a noite.
Já era uma da manhã quando se julgou suficientemente protegida. Precisava estar no SMP às oito. Consultou a agenda e viu que tinha quatro reuniões marcadas a partir das dez horas. Seu pé estava muito dolorido e ela não conseguia caminhar normalmente. Despiu-se e enfiou-se na cama. Não tinha camisola e se perguntou se não seria melhor vestir uma camiseta ou outra coisa qualquer, mas como dormia nua desde a adolescência, concluiu que não era um tijolo pela janela da sala que iria mudar seus hábitos.
Evidentemente, não conseguiu pegar no sono e ficou ruminando.
Puta nojenta.
Recebera nove e-mails contendo essas palavras e que pareciam ter vindo de diferentes redações. O primeiro, inclusive, era da redação que ela dirigia, mas com um remetente falso.
Saiu da cama e foi buscar o novo laptop Dell que ganhara ao assumir o cargo no SMP.
O primeiro e-mail — o mais vulgar e ameaçador, que propunha currá-la com uma chave de fenda — chegara no dia 16 de maio, ou seja, dez dias antes.
O segundo chegara dois dias mais tarde, em 18 de maio.
Depois tivera uma semana de trégua, até que os e-mails voltaram, com intervalos regulares de cerca de vinte e quatro horas. E agora o ataque à sua residência. Puta nojenta.
Nesse meio-tempo, Eva Carlsson, da Cultura, recebera aqueles e-mails esquisitos com sua assinatura, ou melhor, assinados Erika Berger. E se Eva Carlsson recebera e-mails esquisitos, era bem possível que o verdadeiro autor das mensagens tivesse se divertido com mais alguém — que outras pessoas tivessem recebido e-mails "seus" que ela desconhecia por completo.
Era um pensamento desagradável.
O mais preocupante, porém, era o ataque à sua casa.
O ataque significava que alguém havia se dado ao trabalho de ir até Saltsjõbaden, achar sua residência e jogar um tijolo pela janela. O ataque fora planejado — o agressor trouxera tinta spray. Em seguida, sentiu um calafrio percorrê-la quando percebeu que talvez devesse acrescentar outra agressão à lista. Seu carro amanhecera com os quatro pneus furados na noite que ela estivera com Mikael Blomkvist no Hilton de Slussen.
A conclusão era tão desagradável quanto óbvia. Ela estava sendo perseguida por um maníaco perigoso.
Em algum lugar lá fora havia um sujeito que, por alguma razão, gastava seu tempo assediando Erika Berger.
Que sua casa fosse objeto de um ataque, era compreensível — ela não podia ser removida nem escondida. Mas se seu carro sofria um ataque quando estava estacionado casualmente numa Rua de Sõdermalm, isso queria dizer que o tal maníaco rondava o tempo todo as proximidades.
18. QUINTA-FEIRA 2 DE JUNHO
Erika Berger foi despertada pelo toque de seu celular às 9h05.
— Bom dia, senhorita Berger. Quem fala é Dragan Armanskij. Soube que teve problemas esta noite.
Erika explicou o que acontecera e perguntou se a Milton Security poderia substituir a Nacka Integrated Protection.
— Podemos pelo menos instalar um alarme que funcione — disse Armanskij em tom sarcástico. — O problema é que o nosso veículo mais próximo à noite fica no centro de Nacka. Ele levaria uns trinta minutos para chegar aí. Se fecharmos negócio, vou ter que terceirizar o serviço para a sua casa. Temos um acordo com uma empresa de segurança local, a Adam Sakerhet, em Fisksãtra, que se compromete a chegar ao local num prazo de dez minutos, se tudo funcionar como deve.
— Melhor do que a NIP, que nem chega.
— É preciso dizer que se trata de uma empresa familiar, com o pai, dois filhos e alguns primos. São gregos, pessoas honestas, conheço o pai há vários anos. Eles dão cobertura trezentos e sessenta e cinco dias por ano. Nos dias em que não podem vir, devido a férias e coisas assim, avisam com antecedência e o nosso carro de Nacka assume o serviço.
— Para mim está bem.
— Vou lhe mandar alguém agora de manhã. O nome dele é David Rosin e já está a caminho. Vai fazer uma análise de segurança. Ele vai precisa da chave, se você não estiver em casa, e de uma autorização sua para per correr a casa do porão ao sótão. Vai tirar fotografias da casa, do terreno e das proximidades.
— Entendo.
— O Rosin tem muita experiência. Depois, vamos lhe apresentar sugestões de segurança. Teremos um projeto no papel em alguns dias. Vai incluir o alarme contra ataque e contra incêndio, a evacuação e uma proteção contra arrombamento.
— Perfeito.
— Também vamos querer que você saiba o que fazer, se for o caso, durante os dez minutos que o carro de Fisksátra vai levar para chegar à sua casa.
— Sei.
— Vamos instalar o sistema hoje à tarde. Depois você terá de assinar o contrato.
Logo depois do telefonema de Dragan Armanskij, Erika se deu conta de que não tinha acordado a tempo. Pegou o celular e ligou para Peter Fredriksson, o assistente de redação, explicou que tinha se machucado e pediu que ele desmarcasse a reunião das dez.
— Você está bem? — ele perguntou.
— Fiz um belo corte no pé — disse Erika. — Vou chegar mancando o mais rápido possível.
Primeiro foi ao banheiro de seu quarto. Então vestiu uma calça preta e pegou emprestada do marido uma pantufa que ela conseguia calçar com o pé machucado. Escolheu uma camisa preta e foi buscar o casaco. Antes de tirar o calço de borracha que enfiara debaixo da porta, armou-se com a bomba de gás lacrimogêneo.
Andou pela casa, todos os sentidos alertas, e então ligou a cafeteira. Tomou o café da manhã à mesa da cozinha, o tempo todo espreitando o mais leve ruído. Acabava de se servir de uma segunda xícara de café quando David Rosin, da Milton Security, bateu à porta.
Rosa Figuerola foi a pé até a Bergsgatan e reuniu seus quatro colaboradores para uma conversa matinal.
- Agora temos um deadline — disse Rosa Figuerola. — Nosso trabalho precisa estar concluído até 13 de julho, quando começa o julgamento de Lisbeth Salander. Isso significa que temos pouco mais de um mês pela frente. Vamos repassar a situação e decidir o que é mais importante no momento. Quem quer começar?