Uma das moças, que se chamava Sara, deu-lhe dois cigarros. Sara passara alguns Marlboro light a Lisbeth durante aquele mês. Também lhe dera um isqueiro, que Lisbeth escondia atrás do criado-mudo. Lisbeth era-lhe grata por poder fumar na frente do sistema de ventilação, à noite, quando não havia mais perigo de ninguém aparecer.
A tranqüilidade só retornou por volta das duas da tarde. Lisbeth pegou o Palm e se conectou. Pensara inicialmente em voltar aos arquivos do SJVfP mas se lembrou que tinha seus próprios problemas para administrar. Efetuou a varredura diária, começando pelo grupo Yahoo [Tavola-Biruta]. Constatou que Mikael Blomkvist não aparecera com nenhuma novidade nos últimos três dias e se perguntou o que ele andava fazendo. Não me espantaria esse safado estar se divertindo com uma perua bem peituda.
Em seguida entrou no grupo Yahoo [Os-Cavaleiros] para conferir se Praga tinha deixado alguma contribuição. Nada.
Depois examinou o disco rígido do procurador Richard Ekstrõm (uma correspondência pouco interessante, relacionada com o julgamento por vir) e o do Dr. Peter Teleborian.
Cada vez que entrava no disco rígido de Teleborian, Lisbeth tinha a impressão de que sua temperatura corporal baixava alguns graus.
Deparou com a avaliação psiquiátrica legal sobre ela, que ele já redigira, mas que, claro, oficialmente não poderia estar escrita antes que ele a examinasse. Ele tinha aprimorado sua prosa, mas no geral não trazia nada de novo. Ela leu, um por um, todos os e-mails de Teleborian das últimas vinte e quatro horas, e quase deixou passar uma breve mensagem fundamental.
[Sábado, 15 horas no poço da estação central. Jonas.]
Merda. Jonas. Aparece num monte de e-mails para o Teleborian. Tem uma conta hotmail. Não identificado.
Lisbeth Salander olhou para o relógio digital sobre o criado-mudo. 14h28. Chamou imediatamente Mikael Blomkvist pelo ICQ. Não obteve resposta.
Mikael Blomkvist imprimira as duzentas e vinte páginas do manuscrito que já estavam prontas. Depois, desligara o computador e se instalara à mesa da cozinha de Lisbeth Salander com um lápis para corrigir as provas.
Estava satisfeito com a narrativa. Só que ainda havia um buraco imenso.
Como ele iria descobrir o resto da Seção? Malu Eriksson estava certa. Era possível. Ele não dispunha de tempo.
Frustrada, Lisbeth Salander resmungou um palavrão e tentou achar Praga no ICQ. Ele não respondeu. Ela olhou para o relógio. 14h30.
Sentou-se na beira da cama e tentou lembrar de outras contas do ICQ. Primeiro, tentou Henry Cortez, depois Malu Eriksson. Ninguém respondeu. Hoje é sábado. Eles não estão trabalhando. Olhou a hora. 14h32.
Em seguida tentou Erika Berger. Sem sucesso. Eu falei para ela ir para casa. Droga. 14h33.
Podia mandar uma mensagem de texto para o celular de Mikael Blomkvist..., mas ele estava grampeado. Mordeu o lábio inferior.
Por fim, virou-se desesperada para o criado-mudo e tocou a campainha para chamar a enfermeira. O relógio marcava 14h35 quando escutou a chave na fechadura. Uma enfermeira de uns cinqüenta anos, Agneta, apontou a cabeça.
— Oi. Algum problema?
— O doutor Anders Jonasson está no hospital?
— Você não está se sentindo bem?
— Eu estou bem, mas precisava falar com ele. Se possível.
— Eu vi o doutor Anders não faz muito tempo. Sobre o que seria?
— Preciso falar com ele.
Agneta franziu o cenho. A paciente Lisbeth Salander raramente chamava as enfermeiras, a não ser que estivesse com muita dor de cabeça ou algum outro problema sério. Nunca tinha criado caso e até então nunca havia pedido para falar com determinado médico. No entanto Agneta tinha reparado que Anders Jonasson se demorava com aquela paciente com mandato de prisão, que, aliás, costumava se mostrar fechada com as pessoas. Ele talvez tivesse conseguido estabelecer algum tipo de contato com ela.
— Está bem. Vou ver se ele está disponível — disse Agneta com gentileza, e fechou a porta. A chave. O relógio marcava 14h36, então passou para 14h37.
Lisbeth saiu da cama e se aproximou da janela. De tempo em tempo, dava uma olhada no relógio. 14h39. 14h40.
Às 14h44, ouviu passos no corredor e o tilintar do molho de chaves do vigia da Securitas. Anders Jonasson lançou-lhe um olhar inquisitivo e estacou ao ver o olhar desesperado de Lisbeth.
— Aconteceu alguma coisa?
— Está acontecendo neste exato momento. Você tem um celular?
— O quê?
— Um celular. Preciso fazer uma ligação.
Anders Jonasson deu uma espiada na porta, hesitante.
— Anders... Preciso de um celular. Agora!
Ele percebeu o desespero em sua voz, enfiou a mão no bolso e estendeu seu Motorola para Lisbeth. Ela praticamente o arrancou de suas mãos. Não podia ligar para Mikael Blomkvist, já que ele parecia estar sob escuta do inimigo. O problema é que ele não lhe passara o número do seu Ericsson sigiloso, o TIO azul. Não havia por quê, pois a princípio estava fora de questão ela ligar do isolamento de seu quarto. Lisbeth hesitou um décimo de segundo, então ligou para o celular de Erika Berger. Ouviu o telefone tocar três vezes antes de Erika atender.
Erika Berger estava na sua BMW, a um quilômetro de casa em Saltsjõbaden, quando recebeu uma chamada inesperada. E Lisbeth Salander já a surpreendera um bocado naquela manhã.
— Berger.
— Salander. Não dá tempo de eu explicar. Você teria o número do celular sigiloso do Mikael? O que não está grampeado?
— Tenho.
— Ligue para ele. Agora! O Teleborian vai se encontrar com Jonas às três da tarde no poço da estação central, sabe, aquela rótula grande aberta para os três andares.
— O que é...
— Ande logo. Teleborian, Jonas. Poço da estação central. Três horas. Ele só tem quinze minutos.
Lisbeth desligou o celular para que Erika não se visse tentada a desperdiçar segundos preciosos com perguntas inúteis. Olhou para o relógio quando ele estava justamente passando para 14h46.
Erika Berger freou e estacionou à beira da estrada. Inclinou-se para pegar caderninho de endereços da bolsa e o folheou procurando o número que Mikael lhe passara na noite em que tinham se encontrado no Samirs Gryta.
Mikael Blomkvist escutou o toque do celular. Levantou-se da mesa da cozinha, voltou ao escritório de Lisbeth Salander e pegou o celular em cima da mesa.
— Sim?
— Erika.
— Oi.
— O Teleborian vai se encontrar com o Jonas no poço da estação central às três horas. Você só tem alguns minutos para ir até lá.
— O quê? O quê?
— O Teleborian...
— Eu escutei. Como você sabe disso?
— Pare de discutir e se mande. Mikael espiou a hora. 14h47.
— Obrigado. Tchau.
— Pegou a mochila do laptop e desceu pela escada em vez de esperar pelo elevador. Enquanto corria, teclou o número do TIO de Henry Cortez.
— Cortez.
— Onde você está?
— Na livraria da universidade.
— O Teleborian vai se encontrar com o Jonas no poço da estação central às três horas. Estou voando para lá, mas você está mais perto.
— Puta merda! Estou indo.
Mikael foi correndo até a Gõtgatan e depois correu ainda mais rápido na direção de Slussen. Olhou para o relógio ao chegar, sem fôlego, a Slussplan. Rosa Figuerola estava certa ao insistir que ele deveria começar a correr. 14h56. Não ia dar tempo. Buscou um táxi com o olhar.
Lisbeth Salander estendeu o celular a Anders Jonasson.
— Obrigada — disse.
— Teleborian? — inquiriu Anders Jonasson. Acabará ouvindo o nome dele.
Ela assentiu com a cabeça e cruzou o olhar com Anders Jonasson.
— O Teleborian é perverso, você nem imagina o quanto.