Começou com Ernst Teodor Billing, quarenta e três anos, um dos chefes do SMP no turno da noite. Abriu seu e-mail e foi voltando no tempo. Demorou cerca de dois segundos em cada e-mail, só para ter uma idéia do remetente e do assunto. Passados alguns minutos, já apreendera a correspondência de rotina em forma de menus, planejamento e outras coisas sem nenhum interesse. Pulou essa parte.
Conferiu e-mail por e-mail num período de três meses. Em seguida, foi olhando de mês em mês, mas verificando apenas o assunto e só abrindo a mensagem se alguma coisa lhe chamava a atenção. Soube que Ernst Billing relacionava-se com uma certa Sofia, à qual se dirigia num tom desagradável. Constatou que não havia nada de estranho nisso, pois Billing tinha um tom desagradável com a maioria das pessoas com quem se comunicava — jornalistas, designers gráficos e outros. Achou incrível, porém, que vim homem pudesse se dirigir sem nenhum constrangimento à sua namorada chamando-a de balofa, sua abobada ou estúpida.
Depois de ver os e-mails de até um ano antes, ela parou. Entrou então no Explorer de Billing e analisou a maneira como ele navegava na internet. Observou que, como a maioria dos homens de sua faixa etária, ele acessava regularmente páginas pornográficas, mas que a maior parte de sua navegação parecia estar relacionada com o trabalho. Constatou também que se interessava por carros e visitava com freqüência sites que apresentavam novos modelos.
Depois de quase uma hora de exploração, encerrou a pesquisa sobre Billing e eliminou-o da lista. Passou para Lars Õrjan Wollberg, cinqüenta e um anos, jornalista veterano da editoria de Direito.
Torsten Edklinth chegou ao Palácio da Polícia, em Kungsholmen, por volta das sete e meia da noite de sábado. Rosa Figuerola e Mikael Blomkvist o aguardavam. Estavam sentados à mesa de reuniões que Blomkvist já conhecia desde o dia anterior.
Edklinth achava que tinha se aventurado sobre uma camada de gelo muito fina e que algumas regras internas haviam sido infringidas quando autorizara Blomkvist a entrar naquele corredor. Definitivamente, Rosa Figuerola não devia tê-lo convidado. Via de regra, nem mesmo as esposas e os maridos eram autorizados a pisar nos corredores secretos da Sapo — tinham de aguardar lá embaixo, na portaria, quando vinham visitar seus companheiros. E Blomkvist, ainda por cima, era jornalista! No futuro, Blomkvist só receberia permissão para entrar no escritório provisório da Fridhemsplan.
Por outro lado, pessoas não autorizadas também costumavam circular pelos corredores com um convite especial. Colegas estrangeiros, pesquisadores, professores universitários, consultores ocasionais... Ele podia incluir Blomkvist na categoria "consultores ocasionais". Afinal, essa história de classificação de segurança não passava de conversa-fiada. Sempre havia alguém para concluir que outro alguém podia ser considerado "pessoa autorizada". E Edklinth resolvera que, caso houvesse críticas, iria declarar que ele próprio incluíra Blomkvist entre as pessoas autorizadas.
Desde que o caso não enveredasse para o enfrentamento. Edklinth se sentou e fitou Rosa Figuerola.
— Como você soube dessa reunião?
— O Blomkvist me ligou lá pelas quatro da tarde — ela respondeu sorrindo.
— E você, como soube?
— Uma fonte me passou a dica — disse Mikael Blomkvist.
— Devo concluir que você colocou o Teleborian sob algum tipo de vigilância?
Rosa Figuerola negou com a cabeça.
— Foi o que eu também pensei no início — disse ela com voz alegre, como se Mikael Blomkvist não estivesse na sala. — Mas não faz sentido. Mesmo que alguém tivesse seguido o Teleborian a pedido de Blomkvist, esse alguém não tinha como deduzir de antemão que ele ia se encontrar justamente com o Jonas Sandberg.
Edklinth balançou a cabeça devagar.
— Então... o que mais pode ser? Escuta ilegal ou o quê?
— Posso garantir que não pratico escuta ilegal com quem quer que seja, nem sequer ouvi dizer que esse tipo de coisa poderia acontecer — disse Mikael Blomkvist, só para lembrar que estava presente na sala. — Seja um pouco realista. As escutas ilegais são competência do Estado.
Edklinth fez uma expressão melindrada.
— Quer dizer que você não vai me contar como soube desse encontro.
— Vou, sim. Já disse. Uma fonte me passou a dica. A fonte é protegida. E se a gente se concentrasse no resultado dessa dica?
— Não gosto de floreios — disse Edklinth. — Mas tudo bem. O que a gente tem?
— O cara se chama Jonas Sandberg — disse Rosa. — Diploma de mergulhador de combate, cursou a Escola de Polícia no início dos anos 1990. Trabalhou primeiro em Uppsala, depois em Sõdertálje.
— Você também esteve em Uppsala.
— E, mas nos desencontramos por questão de um ano ou dois. Eu entrei justamente quando ele foi para Sõdertálje.
— Certo.
— Ele foi recrutado pela contra-espionagem da Sapo em 1998. Em 2000, recolocado num posto secreto no exterior. De acordo com a nossa própria documentação, encontra-se oficialmente na embaixada de Madri. Verifiquei na embaixada. Não fazem a menor idéia de quem é Jonas Sandberg.
— A mesma coisa com o Mârtensson. Oficialmente, foi transferido para um lugar onde ele não está.
— Só o secretário-geral da administração tem condições de fazer regularmente esse tipo de coisa e dar um jeito para que funcione.
— Numa situação normal, isso seria explicado como uma confusão na papelada burocrática. Nós só percebemos porque estamos mexendo com isso. Se alguém insistir, eles vão simplesmente alegar sigilo ou que o caso tem a ver com terrorismo.
— Ainda temos um bocado de contabilidade para conferir.
— O chefe do orçamento?
— Pode ser.
— Certo. Que mais?
— Jonas Sandberg mora em Sollentuna. Não é casado, mas tem um filho com uma professora de Sõdertãlje. Não há nada que o desabone em lugar nenhum. Licença para porte de duas armas de fogo. Tranqüilo, não bebe. A única coisa que pega um pouco é ele ser crente; era seguidor da Palavra de Vida nos anos 1990.
— Como você sabe?
— Falei com o meu antigo chefe de Uppsala. Ele se lembra muito bem de Sandberg.
— Certo. Um mergulhador de combate cristão com duas armas e um filho em Sõdertãlje. Que mais?
— Faz só três horas que o identificamos. Até que a gente trabalhou bem rápido.
— Desculpe. O que se sabe sobre o prédio da Artillerigatan?
— Por enquanto, não muita coisa. O Stefan teve que recorrer a uma pessoa da prefeitura para consultar a planta do imóvel. E um prédio de direito cooperativo construído em 1900. Cinco andares, vinte e dois apartamentos ao todo, mais oito num edifício anexo no pátio. Investiguei os moradores, mas não achei nada muito fora do comum. Dois moradores têm passagem na polícia.
— Quem?
— Um tal de Lindstrõm, do térreo. Sessenta e três anos. Condenado por fraudar o seguro nos anos 1970. E um tal de Wittfelt, do segundo andar. Quarenta e sete anos. Condenado em duas ocasiões por violência contra a ex-mulher.
— Humm.
— As pessoas que moram ali são do tipo classe média bem-comportada. Só um apartamento chama a atenção.
— Qual?
— No último andar. Onze cômodos, tem todo o jeito de um apartamento para eventos. Pertence a uma empresa chamada Bellona S.A.
— Que faz o quê?
— Só Deus sabe. Eles fazem análise de marketing e têm um faturamento anual de mais de trinta milhões de coroas. Todos os donos da Bellona no exterior.
— Ahá.
— Como assim, ahá?
— Só isso, ahá. Continue com a Bellona.
Nesse instante, o funcionário que Mikael só conhecia pelo nome de Stefan entrou na sala e dirigiu-se a Torsten Edklinth.