— Tudo bem.
— O que você acha da possibilidade de não se tratar de um assediador, e sim de alguém próximo a mim querendo me perturbar?
— Qual é a diferença?
— Um assediador é uma pessoa desconhecida que teria desenvolvido uma fixação por mim. A outra variante é alguém querendo se vingar ou sabotar a minha vida por motivos pessoais.
— E uma idéia interessante. De onde você tirou?
— Eu... eu conversei sobre o assunto hoje com uma pessoa. Não posso te dizer quem é, mas ela veio com a tese de que as ameaças de um autêntico pervertido sexual seriam de outro jeito. E, principalmente, que esse tipo de cara jamais teria escrito aquele e-mail para a Eva Carlsson, da Cultura. E um comportamento completamente fora do contexto.
Susanne Linder meneou a cabeça devagar.
— O que você está dizendo faz sentido. Sabe que eu ainda não li esses e-mails? Você me mostra?
Erika pegou seu laptop e abriu-o sobre a mesa da cozinha.
Ao saírem do Palácio da Polícia por volta das dez da noite, Rosa Figuerola deu carona para Mikael Blomkvist. Pararam no mesmo local do dia anterior, no parque de Kronoberg.
— Aqui estamos nós, no mesmo lugar. Você pretende sumir para trabalhar ou quer ir para a minha casa fazer amor?
— Bem...
— Mikael, não se sinta pressionado. Se você está precisando trabalhar, fique à vontade.
— Caramba, Rosa, você é mesmo viciada.
— E você não quer depender de ninguém. E o que você está querendo dizer?
— Não. Não desse jeito. Mas eu tenho que falar com uma pessoa hoje à noite, e vai levar um tempinho. Ou seja, até eu me liberar você já vai estar dormindo.
Ela balançou a cabeça.
— Até.
Ele beijou-a no rosto e começou a andar até o ponto de ônibus de Frid-hemsplan.
— Blomkvist! — ela gritou.
— O que foi?
— Eu não trabalho amanhã também. Se tiver tempo, venha tomar o café da manhã comigo.
21. SÁBADO 4 DE JUNHO – SEGUNDA-FEIRA 6 DE JUNHO
Lisbeth Salander sentiu uma onda de vibrações negativas assim que começou a trabalhar no chefe de Atualidades Lukas Holm. Ele tinha cinqüenta e oito anos e estava fora do padrão, mas Lisbeth o incluíra mesmo assim, já que ele e Erika Berger andavam se estranhando. Era um intrigante, do tipo que fica mandando e-mails comentando que Fulano fez um trabalho lamentável.
Lisbeth constatou que Holm não gostava de Erika Berger e que gastava um tempo considerável com comentários sobre essa mulherzinha que andou fazendo isso e aquilo. Quanto à internet, ele navegava exclusivamente em sites relacionados com seu trabalho. Se tinha outros interesses, dedicava-se a eles durante seu tempo livre ou usando outro computador.
Ela o manteve como candidato ao papel de Pena Podre, mas isso seria bom demais. Por um momento, Lisbeth se perguntou por que não acreditava realmente que fosse ele e concluiu que Holm era tão cheio de si que não iria querer se esconder atrás de e-mails anônimos. Se quisesse chamar Erika de puta nojenta, ele o faria abertamente. E não parecia ser do tipo que se dá ao trabalho de arrombar a casa de Erika Berger no meio da noite.
Por volta das dez da noite, ela fez uma pausa e entrou em [Tavola-Biruta], só para constatar que Mikael Blomkvist ainda não aparecera. Sentiu uma onda de irritação e se perguntou o que ele andava fazendo, se tinha chegado a tempo ao encontro de Teleborian.
Em seguida, voltou ao servidor do SMP.
Pegou o nome seguinte da lista, o assistente de redação da página de Esportes, Claes Lundin, vinte e nove anos. Acabava de abrir a caixa postal dele quando se deteve e mordeu o lábio inferior. Deixou Lundin para lá e abriu a correspondência de Erika Berger.
Foi percorrendo a lista de e-mails, mas ela era relativamente pequena, já que sua conta só fora aberta em 2 de maio. O primeiro e-mail era uma pauta da manhã enviada pelo assistente de redação Peter Fredriksson. Naquele primeiro dia, várias pessoas tinham lhe enviado um e-mail de boas-vindas.
Lisbeth leu com atenção cada um dos e-mails recebidos por Erika Berger. Reparou no tom hostil, desde o primeiro dia, da correspondência com o editor de Atualidades Lukas Holm. Eles pareciam não concordar em nada, e Lisbeth constatou que Holm complicava as coisas mandando dois ou três e-mails por qualquer bobagem.
Ela pulou propagandas, spams e pautas só de notícias. Concentrou-se nas mensagens de tom pessoal. Leu cálculos de orçamentos, resultados das áreas de publicidade e marketing, uma troca de e-mails com o diretor financeiro Christer Sellberg que se estendia por uma semana e quase podia ser classificada como um mega desentendimento sobre cortes de pessoal. Ela recebera e-mails exasperados do editor de Direito sobre um substituto chamado Johannes Frisk, que Erika Berger aparentemente incumbira de uma matéria que não agradava. Com exceção dos primeiros e-mails de boas--vindas, tinha-se a impressão de que nenhum funcionário em cargo de chefia via nada de positivo nos argumentos ou nas propostas de Erika.
Pouco depois, ela voltou ao início da lista e fez um cálculo mental. Constatou que, de todos os executivos de alto nível do SMP que rodeavam Erika Berger, apenas quatro não tentavam solapar sua posição: Borgsjõ, o presidente do conselho administrativo; Peter Fredriksson, assistente de redação; Gunder Storman, responsável pelo editorial; e Sebastian Strandlund, chefe da seção Cultura.
Será que eles nunca ouviram falar em mulher no SMP? Os chefes são todos homens.
A pessoa com quem Erika Berger tinha menos envolvimento era o editor da seção de Cultura. Desde que trabalhava lá, Erika trocara apenas dois e-mails com Sebastian Strandlund. Os e-mails mais cordiais, e manifestamente os mais simpáticos, vinham do redator editorial Storman. Borgsjõ era sucinto e áspero. Todos os demais chefes estavam envolvidos numa autêntica guerrilha.
Por que essa merda de grupo de homens foi contratar a Erika Berger, se só o que eles querem é acabar com ela?
A pessoa com quem ela parecia ter mais contato era o assistente de redação Peter Fredriksson. Era sempre ele quem redigia as atas das reuniões. Ele preparava os caminhos, brifava Erika sobre diferentes textos e problemas, fazia girar a engrenagem.
Trocava uns doze e-mails por dia com Erika.
Lisbeth reuniu todos os e-mails de Peter Fredriksson para Erika e os leu um por um. Duas ou três vezes, ele tinha se oposto a uma decisão de Erika. Explicara quais eram seus motivos. Erika Berger parecia confiar nele, pois voltara atrás em suas decisões ou aceitara seus argumentos. Ele nunca fora hostil. Em compensação, não havia nenhum indício de uma relação pessoal com Erika.
Lisbeth fechou a caixa postal de Erika Berger e refletiu por um instante.
Então abriu a conta de Peter Fredriksson.
Praga revirara os computadores pessoais de vários funcionários do SMP desde o início da noite, em vão. Conseguira entrar na casa do chefe de Atualidades, Lukas Holm, já que ele tinha uma conexão permanente com sua sala na redação, para poder intervir a qualquer momento do dia ou da noite na coordenação dos trabalhos. O computador pessoal de Holm era um dos mais tediosos que Praga já tinha pirateado. Em compensação, fracassaia com os outros dezoito nomes da lista de Lisbeth Salander. Um dos motivos é que nenhum deles estava on-line num sábado à noite. Começava a se cansar um pouco daquela tarefa impossível quando Lisbeth Salander deu sinal, por volta das dez e meia.
[O quê foi?]
[Peter Fredriksson.]
[Certo.]
[Deixe os outros para lá. Concentre-se nele.]
[Por quê?]
[Pressentimento.]
[Vai demorar um tempinho.]
[Existe um atalho. O Fredriksson é assistente de redação e trabalha com um programa chamado Integrator para verificar de casa o que acontece no seu computador do SMP.]
[Não sei nada sobre o Integrator.]