Que a Lisbeth Salander era fera em computação, todo mundo sabia na Milton Security. Ninguém tinha idéia de onde vinham esses conhecimentos, e Susanne nunca ouvira dizer que Salander era uma hacker. Mas Dragan Armanskij mencionara certa vez que Salander entregava relatórios simplesmente espantosos quando fazia investigações sobre pessoas. Uma hacker...
Mas, puta merda, a Salander está isolada em Gõteborg!
Não fazia sentido.
— Estamos falando da Salander? — perguntou Susanne Linder. Foi como se Erika Berger tivesse sido atingida por um raio.
— Não posso contar a origem da informação. Nenhuma palavra sobre isso.
De repente, Susanne Linder começou a rir.
É a Salander. A confirmação da Erika não poderia ser mais clara. Ela está completamente perdida.
Só tem uma impossibilidade séria.
Mas o que está acontecendo, porra?
Durante seu cativeiro, Lisbeth Salander teria se encarregado da tarefa de descobrir quem era Pena Podre. Possibilidade zero.
Susanne Linder refletiu intensamente.
Não fazia nenhuma idéia muito precisa sobre Lisbeth Salander ou sobre o que as pessoas diziam a respeito dela. Tinha cruzado com Lisbeth umas cinco vezes, talvez, durante os anos em que ela trabalhara na Milton Security, e nunca tiveram uma só conversa pessoal. A imagem que tinha de Salander era de uma criadora de casos, uma pessoa tão antissocial e com uma couraça tão dura que nem uma perfuradora seria capaz de romper. Também havia constatado que Dragan Armanskij estendera sobre Lisbeth Salander suas asas protetoras. Como Susanne Linder respeitava Dragan Armanskij, supunha, portanto, que ele tivesse bons motivos para adotar essa atitude em relação àquela moça complicada.
Peter Fredriksson é o Pena Podre.
Será que ela estava certa? Será que havia provas?
Em seguida, Susanne Linder passou uma hora interrogando Erika Berger sobre tudo que ela sabia a respeito de Peter Fredriksson, qual era o papel dele no SMP e como era a relação profissional entre os dois. As respostas não levavam a lugar nenhum.
Erika Berger hesitou até se sentir frustrada, oscilando entre o desejo de ir à casa de Fredriksson ouvir suas explicações e a dúvida sobre a veracidade da informação. Por fim, Susanne Linder a convenceu de que não podia correr para Peter Fredriksson com acusações — se ele fosse inocente, Berger faria papel de idiota.
Susanne Linder prometeu cuidar do caso. Uma promessa de que se arrependeu assim que a pronunciou, pois não fazia idéia de como poderia cumpri-la.
Em todo caso, estacionou seu Fiat Strada o mais próximo possível do apartamento de Fredriksson, em Fisksátra. Trancou as portas e olhou ao redor. Não estava muito certa do que faria, mas ponderou que deveria chamá-lo na casa dele e, de alguma maneira, induzi-lo a responder a algumas perguntas. Tinha consciência de que aquilo nada tinha a ver com o trabalho combinado com a Milton Security e de que Dragan Armanskij ficaria furioso se soubesse o que ela estava aprontando.
Não era um bom plano. E, de todo modo, fracassou antes mesmo que ela tivesse tempo de colocá-lo em ação.
Quando estava entrando no pátio e aproximando-se do prédio de Peter Fredriksson, a porta se abriu. Susanne Linder o reconheceu de imediato, lembrando-se da foto do departamento pessoal que vira no computador de Erika Berger. Ela seguiu em frente e os dois se cruzaram. Susanne Linder parou, hesitante, virou-se e o viu desaparecer na direção da garagem. Então constatou que eram quase onze da noite e que Peter Fredriksson estava indo para algum lugar. Perguntou-se para onde ele poderia estar indo e correu até seu próprio carro.
Mikael Blomkvist permaneceu um bom tempo contemplando seu celular depois que Erika Berger interrompeu a ligação. Perguntou-se o que estava acontecendo. Lançou um olhar frustrado ao computador de Lisbeth Salan-der. Aquela hora ela já teria sido transferida para a casa de detenção de Gõteborg e não havia a menor possibilidade de lhe perguntar nada.
Ligou seu TIO azul e telefonou para Idris Ghidi, em Angered.
— Oi. É o Mikael Blomkvist.
— Oi — disse Idris Ghidi.
— Era só para dizer que você pode encerrar o serviço que estava fazendo para mim.
Idris Ghidi assentiu com a cabeça sem falar nada. Já imaginava que Mikael Blomkvist iria ligar, uma vez que Lisbeth Salander tinha sido levada para a casa de detenção.
— Entendo — disse.
— Você pode ficar com o celular, conforme a gente combinou. Te mando seu pagamento durante a semana.
— Obrigado.
— Eu é que agradeço pela ajuda.
Ligou seu iBook e se pôs ao trabalho. Em função dos acontecimentos dos últimos dias, boa parte do original teria de ser alterado, e uma história nova precisaria, sem dúvida, ser incluída. Ele suspirou.
Às onze e quinze da noite, Peter Fredriksson estacionou o carro a três quarteirões da casa de Erika Berger. Susanne Linder já sabia para onde ele ia e se distanciara para não chamar a atenção. Continuou rodando por mais de dois minutos depois que ele estacionou. Constatou que o carro estava vazio. Passou pela casa de Erika Berger e foi um pouco mais adiante, para estacionar sem ser vista. Suas mãos estavam molhadas de suor.
Pegou uma lata de Catch Dry e pôs na boca um pouco de fumo de mascar.
Então abriu o carro e olhou em redor. Assim que percebera que Fredriksson se dirigia para Saltsjõbaden, compreendeu que a pista oferecida por Salander estava certa. Ignorava como Salander tinha conseguido descobrir, mas não havia mais nenhuma dúvida de que Fredriksson era Pena Podre. Com toda certeza, ele não estava indo à noite para Saltsjõbaden por acaso. Alguma coisa estava sendo tramada.
O que era perfeito para que ela o pegasse em flagrante.
Pegou o cassetete telescópico no compartimento lateral da porta e avaliou seu peso rapidamente. Destravou o cabo, soltando o pesado fio de aço flexível. Cerrou os dentes.
Por isto deixara de trabalhar na patrulha de intervenção de Sõdermalm.
Certo dia, ficara absolutamente enfurecida quando a patrulha, pela terceira vez em três dias, fora a um endereço em Hâgersten depois de uma mulher, sempre a mesma, ter chamado a polícia e gritado por socorro porque o marido a espancava. E, como nas duas primeiras vezes, a situação se acalmara antes de a patrulha chegar.
Por pura rotina, levaram o homem para a escadaria do prédio enquanto interrogavam a mulher. Não, ela não queria registrar uma queixa. Não, era um engano. Não, ele era bonzinho... na verdade, a culpa era dela. Ela é que tinha provocado...
Enquanto isso, o safado ficara rindo o tempo todo, encarando Susanne Linder.
Não saberia explicar por que tinha agido daquela maneira. Mas de repente alguma coisa explodiu dentro dela, ela pegou o cassetete e o golpeou na boca. O primeiro golpe teve pouca força. Ele se esquivou e ela só lhe estourou o lábio. Nos dez segundos que se seguiram — até que seus colegas a agarrassem e a levassem para fora à força — deixara as cassetadas choverem nas costas do homem, na lombar, nos quadris e nos ombros.
Não tinha sido indiciada. Pedira demissão naquela mesma tarde e fora para casa, onde passara uma semana chorando. Então se recobrou e foi bater à porta de Dragan Armanskij. Contou-lhe o que tinha feito e por que saíra da polícia. Estava procurando emprego. Armanskij hesitou e lhe pediu um prazo para pensar. Ela já tinha perdido as esperanças quando ele ligara, seis semanas depois, dizendo-se disposto a contratá-la para um período de experiência.
Susanne Linder fez uma careta de ódio e enfiou o cassetete no cinturão, às costas. Verificou se a bomba de gás lacrimogêneo estava mesmo no bolso direito da jaqueta e se os cadarços de seu tênis estavam bem amarrados. Caminhou até a casa de Erika Berger e se esgueirou pelo terreno.
Sabia que o detector de movimentos no pátio dos fundos ainda não estava instalado e avançou sem fazer barulho pelo gramado rente à sebe que contornava o terreno. Não estava vendo o homem. Deu a volta na casa e parou, imóvel. Avistou-o de repente, uma sombra em meio à escuridão, junto ao ateliê de Lars Beckman.