As sete e meia, deixou Lars dormindo, entrou na sua BMW e foi para a redação do SMP em Norrtull. Deixou o carro na garagem, pegou o elevador até a redação e se instalou no seu aquário. Sua primeira providência foi chamar um faxineiro.
— O Peter Fredriksson se demitiu do SMP — disse ela. — Encontre uma caixa, recolha todos os objetos pessoais da sala dele e cuide para que sejam levados à casa dele agora de manhã.
Contemplou o pólo Atualidades. Lukas Holm acabava de chegar. Ele cruzou o olhar com o dela e dirigiu-lhe um aceno de cabeça.
Ela retribuiu.
Holm era um babaca nojento, mas depois da briga de poucas semanas antes ele tinha parado de criar caso. Se continuasse com a mesma atitude positiva, talvez sobrevivesse como chefe de Atualidades. Talvez.
Sentiu que ia conseguir dar uma guinada.
Às 8h45, viu Borgsjo saindo do elevador e desaparecendo na escada interna em direção à sua sala, no andar de cima. Preciso falar com ele ainda hoje.
Foi buscar café e então dedicou algum tempo à pauta da manhã. Era uma manhã pobre em notícias. O único texto interessante era uma notinha bem neutra informando que Lisbeth Salander tinha sido transferida para a casa de detenção de Gõteborg no domingo. Deu sinal verde para a matéria e enviou para Lucas Holm por e-mail.
Às 8h59, Borgsjo ligou.
— Berger. Venha imediatamente à minha sala. E desligou.
Magnus Borgsjo estava lívido quando Erika Berger abriu a porta da sala. Estava de pé, virou-se para ela e então jogou uma pilha de papéis em cima da mesa.
— Que porcaria é essa? — berrou.
O coração de Erika Berger se desmanchou dentro do peito. Uma rápida olhada na primeira página foi suficiente para ela entender o que Borgsjo tinha encontrado na correspondência da manhã.
Fredriksson não tivera tempo de cuidar das fotos. Mas tivera tempo de mandar o artigo de Henry Cortez para Borgsjo.
Ela se sentou calmamente diante dele.
— É um texto escrito pelo jornalista Henry Cortez que a revista Millen-nium planejava publicar na edição da semana passada.
Borgsjõ parecia desesperado.
— Mas que porra de jeito de agir é esse? Eu te trouxe para o SMP e a primeira coisa que você faz é manobrar pelas minhas costas. Quem é você alguma puta de merda da mídia?
Os olhos de Erika Berger se estreitaram e ela ficou gelada. Estava saturada da palavra "puta".
— Você acha mesmo que alguém vai dar importância a isso? Acha que pode me derrubar inventando besteiras? E por que me mandar isso anonimamente, puta que pariu?
— Não foi assim que as coisas aconteceram, Borgsjõ.
— Então como foi?
— Quem te mandou esse texto anonimamente foi o Peter Fredriksson. Eu o despedi ontem do SMP.
— O que você está dizendo?
— É uma longa história. Mas faz mais de duas semanas que estou enrolando com esse texto, sem saber como tocar no assunto com você.
— Você é que está por trás desse texto.
— Não, não sou. O Henry Cortez investigou e escreveu isso. Eu não sabia de nada.
— E quer que eu acredite nisso?
— Quando meus colegas da Millennium perceberam que você era mencionado no texto, o Mikael Blomkvist freou a publicação. Ele me chamou e me deu uma cópia. Para me poupar. Essa cópia foi roubada e agora apareceu aqui. A Millennium fazia questão que eu pudesse conversar com você antes que eles publicassem. Isso vai acontecer na edição de agosto.
— Nunca conheci um jornalista tão sem escrúpulos. Essa você ganhou disparado.
— Bem. Já que você leu a reportagem, talvez também tenha dado uma olhada no índice de referências. A versão do Cortez faz sentido para ser publicada. E você sabe disso.
— Isso significa o quê, exatamente?
— Se você ainda estiver no cargo de presidente do conselho administrativo quando a Millennium for para a impressão, vai prejudicar o SMP. Eu já quebrei a cabeça tentando achar uma solução, mas não achei.
— O que você quer dizer com isso?
— Você precisa se demitir.
— Está brincando? Não cometi rigorosamente nenhuma infração à lei
— Magnus, você não está percebendo o alcance dessa revelação. Não me obrigue a convocar o conselho administrativo. Seria doloroso demais.
— Você não vai convocar coisa nenhuma. Seu tempo no SMP acabou.
— Sinto muito. Só o conselho administrativo é que pode me mandar embora. Acho que você vai ter que convocar uma reunião extraordinária. Sugiro que seja hoje à tarde.
Borgsjõ deu a volta na mesa e se colocou tão próximo de Erika que ela sentiu seu hálito.
— Berger... você ainda tem uma chance de sobrevida por aqui. Você vai falar com os seus malditos colegas da Millennium e dar um jeito para esse artigo nunca ser publicado. Se você agir direito, posso considerar a hipótese de esquecer o que você fez.
Erika Berger suspirou.
— Magnus, você não está percebendo que a coisa é séria. Não tenho nenhuma influência no que a Millennium publica ou deixa de publicar. Eu posso falar o quanto quiser, essa história vai vir a público. A única coisa que me interessa é saber que conseqüências isso vai ter para o SMP. Por isso é que você precisa se demitir.
Borgsjõ pôs as mãos no encosto da cadeira e se inclinou na direção de Erika.
— Os seus amiguinhos da Millennium talvez pensem duas vezes se souberem que você vai ser despedida assim que eles tornarem públicas essas asneiras.
Ele se reergueu.
— Estou indo hoje para uma reunião em Norrkõping. — Olhou para ela e acrescentou uma palavra, com ênfase: — Svea-Bygg.
— Ah, é?
— Até a minha volta, amanhã, você vai me deixar um relatório contando que o caso está encerrado. Entendido?
Ele vestiu o paletó. Erika Berger ficou observando-o, olhos semicerrados.
— Conduza esse caso direitinho e talvez você sobreviva no SMP. E agora saia da minha sala.
Ela se levantou, voltou para o aquário e permaneceu uns vinte minutos totalmente imóvel em sua cadeira. Então pegou o telefone e pediu a Lukas Holm que viesse até sua sala. Ele aprendera a lição de seus erros passados e chegou um minuto depois.
— Sente-se.
Lukas Holm ergueu uma sobrancelha e se sentou.
— Bem, o que foi que eu fiz desta vez? — perguntou, irônico.
— Lukas, hoje é o meu último dia de trabalho no SMP. Estou me demitindo neste momento. Vou chamar o vice-presidente e os demais membros do conselho para uma reunião na hora do almoço.
Ele a fitou com genuína surpresa.
— Pretendo indicar você para redator-chefe interino.
— O quê?
— Tudo bem para você?
Lukas Holm se recostou na poltrona e observou Erika Berger.
— Puta merda, mas eu nunca quis ser redator-chefe — disse ele.
— Eu sei. Mas você tem a fibra necessária. E é capaz de passar por cima de muitos cadáveres para conseguir publicar uma boa matéria. Eu só queria que tivesse um pouco mais de bom-senso nessa sua cabeça.
— O que aconteceu?
— Tenho um estilo diferente do seu. Nós dois brigamos o tempo todo sobre a maneira de orientar as matérias e nunca vamos nos entender.
— É, é verdade que a gente nunca vai se entender — disse ele. — Pode ser que o meu estilo é que seja meio ultrapassado.
— Não sei se "ultrapassado" é a palavra certa. Você é fera em Atualidades, mas age como um idiota. Não precisava. O que mais nos dividiu é você ter sustentado o tempo todo que, como editor de Atualidades, não pode deixar que considerações de ordem pessoal influenciem a avaliação das notícias.
De repente, Erika Berger sorriu maldosamente para Lukas Holm. Abriu sua bolsa e pegou o original do artigo sobre Borgsjõ.
— Vamos fazer um teste sobre a sua capacidade de avaliar uma notícia. Estou aqui com um artigo que o Henry Cortez me passou, ele é colaborador da revista Millennium. Decidi, agora de manhã, que vamos pegar esse texto como a matéria principal do dia.