Jogou a pasta no colo de Holm.
— Você é o chefe de Atualidades. Vai ser interessante ver se você partilha a minha opinião.
Lukas Holm abriu a pasta e começou a ler. Já na introdução, seus olhos se arregalaram. Aprumou-se na cadeira e fitou Erika Berger. Em seguida baixou os olhos e leu o texto inteiro, do começo ao fim. Abriu a parte das "referências" e leu atentamente. Levou uns dez minutos. Então foi largando devagar a pasta na mesa.
— Vai ser um puta de um escândalo.
— Eu sei. Por isso é que hoje é o meu último dia de trabalho aqui. A Mülennium pretendia publicar a matéria na edição de junho, mas o Mikael Blomkvist deu uma segurada. Ele me passou o texto para que eu pudesse conversar com o Borgsjõ antes de ser publicado.
— E?
— O Borgsjõ me mandou abafar o caso.
— Entendo. Aí você pensou em publicar no SMP por puro despeito.
— Não. Por despeito, não. É a única solução. Se o SMP publicar a matéria, temos uma chance de escapar dessa confusão com a dignidade intacta. O Borgsjõ precisa sair. Mas isso também significa que eu não posso ficar.
Holm se manteve calado por cerca de dois minutos.
— Puta merda, Berger... Eu não imaginava que você tivesse tanta coragem. Nunca pensei que um dia eu ainda fosse dizer isto, mas se você tem essa audácia toda, francamente, vou lamentar sua saída.
— Você também poderia impedir a publicação do texto, mas se nós dois aprovarmos... Você pretende ir em frente?
— Sim, é claro que vamos publicar. Cedo ou tarde isso vai vir a público.
— Exato.
Lukas Holm se levantou e parou, hesitante, diante da mesa de Erika.
— Vá trabalhar — disse Erika.
Depois que Holm saiu, ela esperou cinco minutos e pegou o telefone para ligar para Malu Eriksson, da Milennium.
— Oi, Malu. O Henry Cortez está por aí?
— Está na sala dele.
— Você pode pedir a ele que venha até sua sala e depois ligar o viva-voz? Precisamos conversar.
Henry Cortez apareceu em quinze segundos.
— O que houve?
— Henry, hoje eu fiz uma coisa amoral.
— Ah, é?
— Dei o seu artigo sobre a Vitavara para o Lukas Holm, o editor de Atualidades aqui do SMP.
— Sim...
— Mandei ele publicar o artigo no SMP de amanhã. Assinado por você. E você vai receber por isso, claro. É só dar o preço.
— Erika... que confusão é essa?
Ela resumiu os acontecimentos das últimas semanas e contou como Peter Fredriksson por pouco não acabara com ela.
— Puta merda! — disse Henry Cortez.
— Eu sei que a matéria é sua, Henry. Mas eu simplesmente não tenho escolha. Você pode nos dar essa força?
Henry Cortez permaneceu calado por alguns segundos.
— Obrigado por ligar, Erika. Tudo bem vocês publicarem a matéria, assinada por mim. Quero dizer, se estiver tudo bem para a Malu.
— Por mim tudo bem — disse Malu.
— Certo — disse Erika. —Vocês poderiam informar o Mikael? Imagino que ele ainda não esteja aí.
— Eu falo com o Mikael — disse Malu Eriksson. — Mas, Erika, isso não significa que a partir de hoje você está desempregada?
Erika começou a rir.
— Resolvi tirar umas férias até o final do ano. Acredite, essas poucas semanas no SMP foram mais que suficientes.
— Não é uma boa idéia começar a fazer planos para as férias — disse Malu.
— Por que não?
— Você poderia dar um pulo aqui na Millenníum hoje à tarde?
— Por quê?
— Preciso de ajuda. Se você quiser ser redatora-chefe, pode começar amanhã de manhã.
-— Malu, a redatora-chefe da Millennium é você. Nem pensar em mudar isso.
— Tudo bem. Então você poderia começar como assistente de redação disse Malu, rindo.
— Você está falando sério?
— Porra, Erika, você me faz tanta falta que eu estou desabando. Aceitei esse emprego na Millennium, entre outras coisas, para ter a oportunidade de trabalhar com você. E aí você pega e vai para outro veículo.
Erika Berger ficou calada durante um minuto. Nem tinha tido tempo de pensar na possibilidade de voltar para a Millennium.
— E eu seria bem-vinda? — ela perguntou, devagar.
— O que você acha? Imagino que para começar a gente faria uma megafesta, organizada por você. E você voltaria exatamente na hora de a gente publicar você sabe o quê.
Erika olhou para o relógio da sua sala. 9h55. Em uma hora, o seu mundo tinha desabado. De repente, sentiu o quanto tinha vontade de voltar a subir a escada da Millennium.
— Tenho umas duas, três coisas a fazer aqui no SMP nas próximas horas. Tudo bem se eu passar aí lá pelas quatro?
Susanne Linder encarou Dragan Armanskij olho no olho enquanto lhe contava detalhadamente o que acontecera à noite. A única coisa que ela omitiu foi sua súbita convicção de que a invasão do computador de Peter Fredriksson era obra de Lisbeth Salander. Absteve-se por dois motivos. Por um lado, achava muito irreal. Por outro, sabia que Dragan Armanskij estava intimamente ligado ao caso Salander junto com Mikael Blomkvist.
Armanskij escutou atentamente. Uma vez concluído o seu relato, Susanne Linder aguardou em silêncio a reação dele.
— O Lars Beckman ligou uma hora atrás — disse ele.
— Ah, é?
— Ele e a Erika Berger vão passar por aqui durante a semana para assinar alguns contratos. Fazem questão de agradecer a Milton Security pela intervenção, e principalmente a sua.
— Entendo. É legal quando os clientes ficam satisfeitos.
— Ele também quer encomendar um armário de segurança para a casa dele. Vamos fechar o kit de alarmes e instalar durante a semana.
— Que bom.
— Ele insiste que a gente cobre pela sua intervenção desse fim de semana.
— Humm.
— Em outras palavras, vai ser uma conta salgada para eles.
— Ahã. Armanskij suspirou.
— Susanne, você está ciente de que o Fredriksson pode ir à polícia dar queixa contra você por uma série de coisas.
Ela fez que sim com a cabeça.
— É claro que ele também seria preso, em grande estilo, mas ele pode achar que vale a pena.
— Não acho que ele tenha colhões para ir à polícia.
— Que seja, mas você agiu contra todas as instruções que eu lhe dei.
— Eu sei — disse Susanne Linder.
— E na sua opinião, como eu deveria reagir?
— Isso só você pode decidir.
— Mas como é que você acha que deveria ser a minha reação?
— O que eu acho não interessa. Você pode me mandar embora.
— É difícil. Não posso me permitir perder um colaborador do seu calibre.
— Obrigada.
— Mas se você me aprontar outra dessas de novo, eu vou ficar muito, muito zangado.
Susanne Linder assentiu com a cabeça.
— O que você fez com o disco rígido?
— Destruí. Prendi o disco num torno hoje de manhã. Ficou reduzido a farelos,
— Certo. E^ntão vamos virar a página.
Erika Berger passou a manhã ligando para os membros do conselho administrativo do SMP. Localizou o vice-presidente na sua casa de campo em l Vaxholm e conseguiu que ele concordasse em pegar o carro e ir o quanto \ antes para a redação. Depois do almoço, reuniu-se um conselho bastante f reduzido. Erika Berger passou uma hora relatando a origem do dossiê Cortez e suas conseqüências.
Como era previsto, assim que ela acabou de falar surgiram propostas de que eles encontrassem uma solução alternativa. Erika explicou que pretendia publicar a matéria no jornal do dia seguinte. Explicou também que aquele era o seu último dia de trabalho e que sua decisão era irrevogável.
Erika fez com que o conselho administrativo aprovasse e registrasse em ata duas decisões. Primeiro, Magnus Borgsjõ seria convidado a deixar vago, imediatamente, seu cargo no conselho e, segundo, Lukas Holm seria nomeado redator-chefe interino. Em seguida, pediu licença para sair da sala e deixou os membros do conselho discutirem a situação entre si.