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Passou uma hora varrendo, tirando pó, limpando o chuveiro, ligando a geladeira, conferindo os registros de água e trocando a roupa de cama do mezanino. Deu um pulo na mercearia e comprou o necessário para o fim de semana. Depois, ligou a cafeteira elétrica, foi sentar-se no pontão, lá fora e fumou um cigarro sem pensar em nada de especial.

Pouco antes das cinco da tarde, desceu até o cais para ir buscar Rosa Figuerola.

— Achei que você não ia conseguir se liberar — disse ele, dando-lhe um beijo.

— Eu também. Mas simplesmente expliquei ao Edklinth em que pé estavam as coisas. Que eu tinha trabalhado cada minuto em que estive acordada nessas últimas semanas e que estava começando a ficar improdutiva. Que precisava de dois dias de folga para recarregar as baterias.

— Em Sandhamm?

— Eu não contei para onde estava indo — disse ela, com um sorriso. Durante alguns instantes, Rosa vasculhou todos os cantos dos vinte e

cinco metros quadrados da cabana de Mikael. Examinou a copa ao fundo, o banheiro e o mezanino, antes de balançar a cabeça, satisfeita. Refrescou-se rapidamente e pôs um vestido leve de verão enquanto Mikael preparava umas costelas de cordeiro ao molho de vinho e arrumava a mesa no pontão. Comeram em silêncio, contemplando os vários veleiros que entravam e saíam da marina de Sandhamm. Dividiram uma garrafa de vinho.

—  E maravilhosa a sua cabana. É para cá que você traz todas as suas namoradas? — perguntou, de repente, Rosa Figuerola.

— Nem todas. Só as mais importantes.

— A Erika Berger já veio aqui?

— Várias vezes.

— E a Lisbeth Salander?

— Ela passou umas semanas aqui quando eu estava escrevendo o livro sobre o Wennerstrõm. E há dois anos passamos o Natal, aqui, juntos.

— Conclusão, a Berger e a Salander são importantes na sua vida?

— A Erika é a minha melhor amiga. Somos amigos há mais de vinte e cinco anos. A Lisbeth é outra história. Ela é muito especial, é a pessoa mais antissocial que eu já vi. Mas confesso que ela realmente me impressionou quando a conheci. Gosto dela. E uma amiga.

— Você tem pena dela?

— Não. Ela própria atraiu boa parte da encrenca em que está metida Mas sinto uma enorme simpatia por ela e a compreendo muito.

— E você não está apaixonado por ela ou pela Berger?

Ele deu de ombros. Rosa Figuerola acompanhou com os olhos um Amigo 23 retornando tardiamente ao porto, luzes acesas, motor roncando.

— Se estar apaixonado significa gostar imensamente de alguém, então imagino que eu esteja apaixonado por várias pessoas — disse ele.

— Inclusive por mim agora?

Mikael assentiu com a cabeça. Rosa Figuerola fez uma careta e observou-o.

— Isso te incomoda? — ele perguntou.

— Que tenha havido várias mulheres na sua vida? Não. Mas me perturba não saber exatamente o que está acontecendo entre a gente. Eu não vou conseguir ter um relacionamento com um cara que fica transando à toa por aí...

— Eu não pretendo me desculpar pela vida que levo.

—  Mas eu também penso que, de algum modo, você me atrai exatamente por ser do jeito que é. E fácil fazer amor com você porque você é descomplicado, eu me sinto segura ao seu lado. Mas isso só começou porque cedi a um impulso maluco. Não é coisa que me aconteça com freqüência, eu não tinha planejado. E agora estamos no estágio em que eu sou uma das mulheres que foram convidadas para vir aqui.

Mikael ficou um instante calado.

— Você não precisava vir.

— Precisava. Claro que precisava. Puxa, Mikael, que merda...

— Eu sei.

— Estou mal. Eu não queria me apaixonar por você. Vai doer para caramba quando acabar.

— Eu herdei essa cabana depois que meu pai morreu e que minha mãe foi para Norrland. Eu e minha irmã fizemos uma divisão, ela ficou com o apartamento e eu com a cabana. Vai fazer vinte e cinco anos.

— Ahã.

— Com exceção de alguns conhecidos ocasionais no início dos anos 1980, antes de você estiveram aqui exatamente cinco mulheres. A Erika, a Lisbeth, a minha ex, com quem vivi no início dos anos 1980, uma moça com quem namorei firme no final dos anos 1990 e uma mulher alguns anos mais velha que eu, que conheci há dois anos e com a qual me encontro de vez em guando. Uma situação meio especial...

—Ah, sim.

— Eu tenho essa cabana para poder fugir da cidade e ficar em paz. Venho para cá quase sempre sozinho. Leio livros, escrevo, relaxo, e fico no pontão olhando os barcos. Aqui não é nenhum trepódromo secreto de um solteirão.

Ele se levantou e foi pegar a garrafa de vinho que deixara à sombra, ao lado da porta.

— Eu não vou prometer nada — disse ele. — O meu casamento acabou porque eu e a Erika não conseguíamos nos comportar. Você estava aonde? Fazendo o quê? Que camiseta é essa?

Ele encheu as taças.

— Há séculos eu não conhecia uma pessoa tão interessante como você. E como se a nossa relação funcionasse com tudo desde o primeiro dia. Acho que eu me entreguei naquele momento em que você estava me esperando na escadaria do meu prédio. Nas poucas vezes em que dormi na minha casa, acordei no meio da noite desejando você. Não sei se quero uma relação estável, mas tenho um medo tremendo de te perder.

Ele olhou para ela.

— Então, o que você acha que a gente faz?

— Precisamos pensar — disse Rosa Figuerola. — Eu também sinto uma atração enorme por você.

— Essa história está ficando séria — disse Mikael.

Ela concordou com a cabeça e, de repente, sentiu uma imensa melancolia. Ficaram um bom tempo calados. Quando começou a anoitecer, tiraram a mesa e entraram na cabana fechando a porta atrás de si.

Na sexta-feira da semana anterior ao julgamento, Mikael parou na banca de jornal de Slussen e deu uma olhada nas manchetes. O diretor e presidente do conselho administrativo do Svenska Morgon-Posten, Maguns Borgsjõ, cedera e anunciara sua demissão. Ele comprou os jornais e foi a pé até o Java da Hornsgatan para tomar um café da manhã tardio. Borgsjõ alegava razões familiares para sua repentina demissão. Não queria comentar os boatos que associavam sua demissão ao fato de Erika Berger ter se sentido obrigada ela própria a se demitir depois de ele ordenar que ela omitisse o envolvimento dele na Vitavara S.A. Contudo, um boxe informava que, no intuito de esclarecer a situação dos profissionais, o presidente da Svenskt Náringsliv decidira criar uma comissão de ética para investigar o comportamento das empresas suecas em relação a empresas do Extremo Oriente que exploravam o trabalho infantil.

De repente, Mikael Blomkvist caiu na risada.

Então voltou a dobrar os jornais matutinos, pegou seu Ericsson TIO e ligou para a Moça da TV4, deixando um pouco de lado seu sanduíche.

— Oi, querida — disse Mikael Blomkvist. — Imagino que você continue não querendo sair comigo uma noite dessas.

— Oi, Mikael — respondeu a Moça da TV4, rindo. — Sinto muito, é que você é mais ou menos o oposto do meu tipo de homem. Mas digamos que você é divertido.

— Mas será que você poderia pelo menos considerar jantar comigo hoje para falarmos de trabalho?

— O que você está aprontando desta vez?

— A Erika Berger fez um acordo com você há dois anos sobre o caso Wennerstrõm. Funcionou legal. Queria fazer um acordo do mesmo tipo.

— Fale.

— Não antes de acertarmos as condições. A gente vai fazer exatamente o que fez no caso Wennerstrõm: publicar um livro junto com uma edição temática da revista. Uma matéria que vai fazer barulho. Minha proposta é te passar todo o material com exclusividade, e em troca você não deixa vazar nada antes da publicação. Nesse caso, a publicação está mais complicada porque deve acontecer numa data determinada.

— Que tipo de barulho essa matéria vai fazer?

—  Maior que o do Wennerstrõm — disse Mikael Blomkvist. — Está interessada?

— Sério? Onde a gente se encontra?