— Você está muito machucado?
— Levei alguns socos. Meus dentes continuam no lugar. Estourei o dedo.
— Vamos para o pronto-socorro de Sankt Gõran.
— O que aconteceu? — perguntou Erika Berger. — Quem é você?
— Me desculpem — disse Mikael. — Erika, essa é a Rosa Figuerola. Ela trabalha na Sapo. Rosa, essa é a Erika Berger.
— Eu imaginei — disse Rosa Figuerola com uma voz sem expressão. Ela não encarava Erika Berger.
— Eu e a Rosa nos conhecemos durante as investigações. Ela é o meu contato na Sapo.
— Entendo — disse Erika Berger, que de repente começou a tremer por causa do choque.
Rosa Figuerola observou Erika Berger.
— O que aconteceu? — perguntou Mikael.
— A gente entendeu errado o lance da cocaína — disse Rosa Figuerola. — Achamos que eles tinham preparado uma armadilha para te comprometer. Na verdade, a intenção deles era te matar e deixar a polícia encontrar a cocaína durante o exame técnico do seu apartamento.
— Que cocaína? — perguntou Erika Berger. Mikael fechou os olhos por um instante.
— Me leve para Sankt Gõran — disse.
— Presos? — exclamou Fredrik Clinton. Sentiu um ligeiro aperto no coração.
— Achamos que não há perigo — disse Georg Nystrõm. — Parece que foi puro acaso.
— Acaso?
— O Miro Nikoliç estava sendo procurado por uma história antiga de golpes e ferimentos. Um tira da Segurança Pública o reconheceu e prendeu quando ele entrou no Samirs Gryta. O Nikoliç entrou em pânico e tentou escapar atirando.
— E o Blomkvist?
— Não se envolveu no incidente. Nem sabemos se ele estava no Samirs Gryta na hora da prisão.
— Porra, eu não acredito — disse Fredrik Clinton. — O que os irmãos Nikoliç sabem?
— Sobre nós? Nada. Eles acham que o Bjõrck e o Blomkvist eram serviços ligados ao tráfico de mulheres.
— Mas eles sabem que o alvo era o Blomkvist?
— Sabem, mas eles não vão sair contando que aceitaram um serviço. Vão ficar'bem quietinhos até o julgamento. Vão ser condenados por porte ilegal de armas e, imagino, por agressão a um agente do governo.
— Autênticos amadores — disse Clínton.
— É, eles pisaram mesmo na bola. Só nos resta deixar o Blomkvist à solta por enquanto, mas nada está perdido.
Eram onze da noite quando Susanne Linder e dois saradões da proteção pessoal da Milton Security vieram buscar Mikael Blomkvist e Erika Berger em Kungsholmen.
— Pode-se dizer que você realmente não perde uma — disse Susanne Linder para Erika Berger.
— Pois é... — respondeu Erika com voz neutra.
Só dentro do carro, a caminho do hospital de Sankt Góran, é que Erika se deu conta do que havia acontecido. De repente concluiu que tanto ela como Mikael Blomkvist por pouco não haviam sido mortos.
Mikael ficou uma hora no pronto-socorro, tempo para que cuidassem do seu rosto, tirassem uma radiografia e enfaixassem seu dedo médio esquerdo. Tinha uma contusão grave na ponta do dedo e provavelmente iria perder a unha. O ferimento mais sério, por ironia do destino, ocorrera durante a intervenção de Curt Bolinder, quando ele puxara Miro Nikoliç para trás. O dedo de Mikael ficara preso no protetor do gatilho e se quebrara na hora. Sentia uma dor insuportável, mas sua vida certamente não corria risco.
Mikael só foi sentir o impacto de tudo aquilo quase duas horas depois, quando chegou à Proteção à Constituição da Sapo para fazer um relatório ao inspetor Bublanski e à procuradora Ragnhild Gustavsson. De repente, começou a tremer da cabeça aos pés e se sentiu tão cansado que por pouco não dormiu entre uma pergunta e outra. Discutiram um pouco o assunto.
— Não sabemos o que eles pretendem fazer — disse Rosa Figuerola. — Não sabemos se eles queriam dar um fim apenas no Blomkvist ou se a Berger também seria morta. Não sabemos se eles vão tentar de novo nem se mais alguém da Millennium está ameaçado... E por que não matar a Salander, que representa a verdadeira ameaça à Seção?
— Enquanto o Mikael estava sendo atendido, liguei para o pessoal da Millennium para contar o que tinha acontecido — disse Erika Berger. — Eles vão sair um pouco de circulação até a revista ser publicada. A redação vai ficar vazia.
A primeira reação de Torsten Edklinth tinha sido pedir de imediato proteção pessoal para Mikael Blomkvist e Erika Berger. Depois, ele e Rosa Fi-guerola ponderaram que talvez não fosse a melhor coisa chamar a Brigada de Proteção à Pessoa da Sapo.
Erika Berger resolvera o problema declarando que não queria nenhuma proteção policial. Pegou o telefone, ligou para Dragan Armanskij e explicou a situação. Assim, Susanne Linder foi chamada de volta ao trabalho, às pressas, tarde da noite.
Mikael Blomkvist e Erika Berger foram instalados no piso superior de uma safe house situada pouco depois de Drottningholm, na estrada do centro de Ekerõ. Era uma casa grande dos anos 1930, com vista para o mar, um jardim espetacular, construções anexas e cercada de terras. A propriedade pertencia à Milton Security, mas era ocupada por Martina Sjõgren, de sessenta e oito anos, viúva de Hans Sjõgren, um antigo e fiel funcionário, morto num acidente quinze anos antes. Durante uma missão, ele caíra sobre o piso apodrecido de uma casa abandonada na região de Sala. Depois do enterro, Dragan Armanskij conversara com Martina Sjõgren e a contratara como intendente e administradora da propriedade. Ela morava de graça num anexo do térreo e mantinha o primeiro piso em ordem para ocasiões como aquelas, que ocorriam algumas vezes ao ano, quando a Milton Security precisava abrigar pessoas que, por motivos reais ou imaginários, temiam por sua segurança.
Rosa Figuerola acompanhou-os. Deixou-se cair numa cadeira da cozinha e aceitou o café que Martina Sjõgren lhe servia, enquanto Erika Berger e Mikael Blomkvist iam se instalar no andar de cima e Susanne Linder verificava os alarmes e o equipamento eletrônico de vigilância em volta da propriedade.
— Temos escovas de dentes e artigos de higiene pessoal na cômoda em frente ao banheiro — gritou Martina Sjõgren na escada.
Susanne Linder e os dois guarda-costas da Milton Security se acomodaram num cômodo do andar térreo.
— Eu ainda não parei desde que me acordaram às quatro da manhã — disse Susanne Linder. — Vocês podem montar um rodízio, mas me deixem dormir pelo menos uma hora.
— Pode dormir a noite toda, a gente cuida disso — disse um dos agentes.
— Obrigada — disse Susanne Linder, e foi se deitar.
Rosa Figuerola escutou, distraída, os guarda-costas ligarem os sensores de movimento no jardim e jogarem no palitinho para ver quem ficaria com o primeiro turno do plantão. O perdedor preparou um sanduíche e se instalou numa sala de televisão ao lado da cozinha. Rosa Figuerola examinou as xícaras de café floridas. Ela também estava de pé desde muito cedo e também se sentia esgotada. Estava pensando em voltar para casa quando Erika Berger desceu e serviu-se de uma xícara de café. Sentou-se do outro lado da mesa.
— O Mikael desabou no sono assim que se deitou.
— Uma reação à adrenalina — disse Rosa Figuerola.
— O que vai acontecer agora?
— Vocês vão ficar bem quietinhos por alguns dias. Daqui a uma semana vai estar tudo acabado, seja qual for o fim da história. Como está se sentindo?
— Ufa. Ainda meio abalada. Não é todo dia que acontece uma coisa assim. Acabo de ligar para o meu marido para explicar por que não vou para casa hoje.
— Humm.
— Eu sou casada com...
— Eu sei com quem você é casada.
Silêncio. Rosa Figuerola esfregou os olhos e bocejou.
— Preciso ir para casa dormir — disse.
— Por favor, pare com essa bobagem e vá se deitar com o Mikael — disse Erika.