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O fato de Alexander Zalachenko (de acordo com o relato de Lisbeth Salander), ou, a rigor, Ronald Niedermann, que assassinara um policial (de acordo com o depoimento dado por Zalachenko antes de ser assassinado no hospital de Sahlgrenska), ter tentado matar Lisbeth Salander e ela ter sido enterrada num buraco dentro da mata não atenuava em nada o fato de que ela seguira a pista do pai até Gosseberga com a intenção de matá-lo. Aliás por pouco não conseguira, ao golpeá-lo no rosto com um machado. Ekstrõm exigiu que Lisbeth Salander fosse condenada por tentativa de homicídio, homicídio premeditado e, de qualquer forma, por violências agravadas.

Segundo a versão de Lisbeth Salander, ela fora a Gosseberga para se confrontar com o pai e fazê-lo confessar o assassinato de Dag Svensson e Mia Bergman. Esse dado era de fundamental importância no tocante à pre-meditação.

Assim que Ekstrõm havia acabado de interrogar a testemunha Melker Hansson, da Brigada Técnica de Gõteborg, a Dra. Annika Giannini fizera algumas perguntas rápidas.

— Senhor Hansson, existe alguma coisa na sua investigação e em toda a documentação técnica reunida pelo senhor que permita afirmar que Lisbeth Salander está mentindo sobre a premeditação de sua visita a Gosseberga? Tem como provar que ela foi até lá com a intenção de matar o pai?

Melker Hansson refletiu por um instante.

— Não — respondeu afinal.

— A conclusão do procurador Ekstrõm, portanto, embora eloqüente e loquaz, não passa de especulação?

— Suponho que sim.

— Existe algum elemento entre as provas técnicas que contradiga Lisbeth Salander quando ela diz ter levado a pistola polonesa, uma Wanad P-83, por acaso, simplesmente porque a arma estava em sua bolsa e ela não sabia o que fazer com ela depois que a tirou de Benny Nieminen em Stallarholmen, no dia anterior?

— Não.

— Obrigada — disse Annika Giannini, tornando a se sentar. Foram suas únicas palavras no interrogatório de Hansson, que se estendera por uma hora.

Por volta das seis da tarde da quinta-feira, Birger Wandensjõõ deixou o prédio da Seção da Artillerigatan com a sensação de estar cercado por nuvens ameaçadoras e de estar caminhando para um naufrágio iminente. Havia várias semanas percebera que seu título de diretor, e, portanto, de chefe, da Seção de Análise Especial não passava de um rótulo sem sentido. Suas opiniões protestos e súplicas não tinham o menor peso. Fredrik Clinton reassumira o comando. Se a Seção fosse uma instituição aberta e oficial, isso não teria tido importância — ele simplesmente teria se dirigido ao seu superior direto e exposto suas queixas.

Na atual situação, porém, não havia a quem se queixar. Estava sozinho e dependente da boa vontade de um homem que ele considerava um doente mental. E o pior era que a autoridade de Clinton mostrava-se absoluta. Fedelhos do tipo de Jonas Sandberg ou seguidores fiéis como Georg Nystrõm pareciam entrar de imediato no esquema e obedecer religiosamente ao velho moribundo.

Reconhecia que Clinton era uma autoridade discreta que não trabalhava para enriquecimento próprio. Admitia que Clinton trabalhava apenas tendo em mente o bem da Seção. Mas era como se toda a organização estivesse em queda livre, num estado de sugestão coletiva em que profissionais tarimbados se recusavam a perceber que cada movimento, cada decisão tomada e posta em prática só os aproximava cada vez mais do abismo.

Wadensjõõ sentia um peso no peito quando entrou na Linnegatan. Achou um lugar para estacionar, desligou o alarme, pegou as chaves e estava prestes a abrir a porta do carro quando escutou uma movimentação atrás de si. Ele se virou. A contraluz o atrapalhou. Precisou de alguns segundos para reconhecer o homem alto parado na calçada.

—  Boa noite, senhor Wadensjõõ — disse Torsten Edklinth, diretor da Proteção à Constituição. — Faz anos que eu não ponho os pés em campo, mas hoje senti que minha presença era necessária.

Wadensjõõ fitou, perturbado, os dois policiais à paisana que acompanhavam Edklinth. Eram Jan Bublanski e Marcus Ackerman. De repente se deu conta do que estava para acontecer.

— Tenho o triste dever de lhe comunicar que, por decisão do Ministério Público, você está sendo detido por uma série tão extensa de delitos e infrações que decerto levará semanas para que se defina a relação completa deles.

— O que significa isso? — disse Wadensjõõ fora de si.

— Significa que você está preso, acusado, e de maneira bem fundamentada, de cumplicidade num homicídio. Também está sendo acusado de chantagem, corrupção, escuta ilegal, de diversos casos de falsificação de documentos agravada e prevaricação agravada, cumplicidade em arrombamento abuso de autoridade, espionagem e outras coisinhas mais. No momento, nós dois vamos até Kungsholmen para ter uma conversa tranqüila e séria já esta noite.

— Eu não matei ninguém — disse Wadensjõõ num sopro.

— Isso quem vai dizer é a investigação.

— Foi o Clinton. Foi o Clinton o tempo todo — disse Wadensjõõ. Torsten Edklinth assentiu com a cabeça, satisfeito.

Qualquer policial sabe perfeitamente que existem duas formas clássicas de conduzir o interrogatório de um suspeito. A do policial malvado e a do policial bonzinho. O policial malvado ameaça, xinga, dá socos na mesa e, de modo geral, se comporta de maneira brutal com o intuito de assustar o acusado, de submetê-lo e induzi-lo a confessar. O policial bonzinho, de preferência um velhinho grisalho, oferece cigarros e café, balança a cabeça com simpatia e adota um tom razoável.

A maioria dos policiais — mas não todos — também sabe que a técnica de interrogatório do policial bonzinho é a mais eficiente. O criminoso veterano, duro na queda, não se impressiona nem um pouco com o policial malvado. E o criminoso amador, inseguro, que se assusta com o policial malvado e acaba confessando, provavelmente acabaria confessando qualquer que fosse a técnica utilizada.

Mikael Blomkvist assistiu ao interrogatório de Birger Wadensjõõ de uma sala contígua. Sua presença fora objeto de algumas discussões internas, até Edklinth decidir que talvez pudesse tirar vantagem das observações de Mikael.

Mikael observou que Torsten Edklinth recorria a uma terceira variante de interrogatório, a do policial indiferente, que nesse caso específico parecia funcionar ainda melhor. Edklinth entrou na sala, serviu café em canecas de porcelana, ligou o gravador e recostou-se na poltrona.

— Já temos contra você todas as provas técnicas que se possa imaginar. De modo geral, não temos nenhum interesse em escutar sua versão, a não ser para confirmar o que já sabemos. Mas gostaríamos de ter a resposta a uma pergunta: por quê? Como vocês podem ter sido loucos a ponto de resolverem eliminar pessoas, aqui na Suécia, como se estivessem no Chile do Pinochet? O gravador está ligado. Se quiser dizer alguma coisa, este é o momento. Se não quiser falar, desligo o gravador, tiramos sua gravata e seus cadarços e te hospedamos na casa de detenção enquanto você espera por seu advogado, pelo julgamento e pela sentença.

Edklinth tomou um gole de café e não disse mais nada. Depois que dois minutos se passaram sem que nenhuma palavra fosse dita, ele estendeu a mão e desligou o gravador. Levantou-se.

— Vou pedir que venham buscá-lo daqui a alguns minutos. Boa noite.

— Eu não matei ninguém — disse Wadensjõõ, quando Edklinth já havia aberto a porta. Edklinth estacou.

— Não estou interessado em conversar amenidades com você. Se quiser se explicar, eu me sento e ligo o gravador. Todas as autoridades suecas — em especial o primeiro-ministro — estão impacientes para ouvir o que você tem a dizer. Se você falar, posso ir até o primeiro-ministro ainda esta noite e contar a ele a sua versão sobre o que aconteceu. Se não falar, será processado e condenado da mesma forma.

— Sente-se — disse Wadensjõõ.

Sua resignação não passou despercebida. Mikael suspirou aliviado. Com ele estavam Rosa Figuerola, a procuradora Ragnhild Gustavsson, Stefan, um colaborador anônimo da Sapo, e mais duas pessoas desconhecidas. Mikael desconfiava que pelo menos uma delas representava o ministro da Justiça.