— Não tenho nada a ver com esses assassinatos — disse Wadensjõõ assim que Edklinth tornou a ligar o gravador.
— Esses assassinatos — disse Mikael Blomkvist para Rosa Figuerola.
— Shhh — ela respondeu.
— Foram o Clinton e o Gullberg. Eu ignorava totalmente o que eles iam fazer. Juro. Fiquei chocado quando soube que o Gullberg tinha matado o Za-lachenko. Custei a acreditar que era verdade... custei a acreditar. E, quando soube o que tinha acontecido com o Bjõrck, por pouco não tive um infarto.
— Me fale sobre o assassinato de Bjõrck — disse Edklinth sem alterar o tom de voz. — Como foi?
— O Clinton contratou uma pessoa. Não sei como foi, mas sei que foram dois iugoslavos. Sérvios, acho. Foi o Georg Nystrõm quem instruiu e pagou os dois. Quando soube, me dei conta de que estávamos caminhando para a catástrofe.
— Que tal a gente voltar ao início de tudo? — propôs Edklinth.
- Quando você começou a trabalhar para a Seção?
- Uma vez que Wadensjõõ se pôs a falar, foi impossível contê-lo. O interrogatório se estendeu por quase cinco horas.
26. SEXTA-FEIRA 15 DE JULHO
No banco das testemunhas, na sexta-feira à tarde, o Dr. Peter Teleborian revelou ser um homem que inspirava confiança. Foi interrogado pelo procurador Ekstrõm por mais de noventa minutos e respondeu com calma e autoridade a todas as perguntas. Em alguns momentos seu semblante assumia um ar preocupado, em outros ele parecia estar se divertindo.
— Ou seja... — disse Ekstrõm, folheando suas anotações — sua impressão, do alto de sua experiência como psiquiatra em todos esses anos, é de que Lisbeth Salander sofre de esquizofrenia paranóica?
— Eu sempre digo que é extremamente difícil fazer uma avaliação precisa do estado dela. A paciente, como sabem, deve ser vista quase como uma autista na sua relação com médicos e autoridades. Calculo que ela sofra de uma doença psíquica grave, mas neste momento não tenho como fornecer um diagnóstico acurado. Também não tenho como definir em que estágio de psicose ela se encontra sem antes proceder a exames mais profundos.
— Seja como for, o senhor considera que ela não goza de boa saúde mental.
— Toda a história de vida dela é uma prova eloqüente disso.
— O senhor teve a oportunidade de ler a suposta autobiografia que Lisbeth Salander escreveu para se explicar e que encaminhou a este tribunal Que comentários o senhor tem a fazer?
Peter Teleborian afastou as mãos e deu de ombros, permanecendo em silêncio.
— Que credibilidade, digamos, o senhor atribui a esse relato?
— Credibilidade nenhuma. Trata-se de uma série de afirmações sobre várias pessoas, uma história mais fantasiosa que a outra. De modo geral, sua explicação por escrito apenas reforça as suspeitas de que ela sobre de esquizofrenia paranóica.
— O senhor poderia citar alguns exemplos?
— O mais flagrante é o relato do estupro de que ela acusa seu tutor Bjurman.
— Poderia falar um pouco mais sobre isso?
— O relato é extremamente detalhado. É um exemplo clássico do tipo de imaginação delirante que crianças podem apresentar. Existe uma grande quantidade de ocorrências similares nos casos de incesto, em que a criança oferece descrições inaceitáveis de tão impossíveis, e com total falta de provas. Trata-se, digamos, de fantasias eróticas que podem se desenvolver mesmo em crianças muito pequenas... É um pouco como se elas assistissem a filmes de terror na televisão.
— Lisbeth Salander não é mais uma criança, é uma mulher adulta — disse Ekstrõm.
— Sim, e sem dúvida ainda será preciso definir com precisão em que nível mental ela se encontra. Mas o senhor está certo. Ela é adulta e provavelmente acredita no próprio relato.
— Na sua opinião, trata-se de mentiras.
— Não, se ela acredita no que diz não se trata de mentira. É uma história que só demonstra que ela não sabe distinguir entre imaginação e realidade.
— Quer dizer que ela não foi estuprada pelo doutor Bjurman?
— Não. Pode-se considerar a verossimilhança inexistente. Lisbeth Salander necessita de tratamento especializado.
— O senhor é citado no relato de Lisbeth Salander...
— Sim, e é um detalhe que não deixa de ser picante. Mais uma vez, porém, quem está falando é a imaginação dela. A julgar por essa pobre moça, eu seria quase um pedófilo...
Ele sorriu e continuou:
— Mas o que ela expressa lá é o que eu não canso de dizer. A biografia de Salander nos revela que ela foi maltratada ao ser mantida imobilizada na maior parte do tempo que passou em Sankt Stefan e que eu ia visitá-la em seu quarto à noite. Eis aí um caso praticamente clássico de incapacidade de interpretação da realidade. Ou, para ser mais preciso, é desse modo que ela interpreta a realidade.
— Obrigado. E agora a defesa, se a doutora Giannini tiver alguma pergunta...
Como nos dois primeiros dias do julgamento Annika Giannini tinha feito poucas perguntas e objeções, todos esperavam que mais uma vez ela apenas colocasse uma ou outra questão por desencargo de consciência e em seguida concluísse o interrogatório. A atuação da defesa está tão deplorável que começa a ficar constrangedor, pensou Ekstrõm.
— Tenho, sim — disse Annika Giannini. — Tenho diversas perguntas e pode ser que demore algum tempo. São onze e meia da manhã. Sugiro que façamos um intervalo, para que eu possa interrogar a testemunha depois do almoço, sem interrupção.
O juiz Iversen decidiu que o tribunal iria almoçar.
Curt Bolinder estava acompanhado de dois policiais uniformizados quando, ao meio-dia em ponto, pôs sua mão imensa no ombro do delegado Georg Nystrõm em frente ao restaurante Master Anders na Hantverkargatan. Nystrõm olhou estupefato para Curt Bolinder, que brandiu suas credenciais diante do nariz do outro.
— Bom dia. Você está preso por cumplicidade em homicídio e tentativa de homicídio. Os itens da acusação lhe serão comunicados ainda esta tarde pelo procurador-geral da nação. Eu o aconselho a me acompanhar de livre e espontânea vontade — disse Curt Bolinder.
Georg Nystrõm parecia não entender que língua Curt Bolinder estava falando. Mas percebeu que o melhor era seguir aquele homem sem protestar.
O inspetor Jan Bublanski estava acompanhado de Sonja Modig e de sete policiais fardados quando seu colega Stefan Bíadh, da Proteção à Constituição, os introduziu, ao meio-dia em ponto, no departamento confidencial que constituía os domínios da Sapo em Kungsholmen. Eles andaram pelos corredores até Stefan se deter e apontar para uma sala. A secretária do secretário-geral pareceu totalmente atônita quando Bublanski mostrou suas credenciais.
— Fique sentada, por favor. É uma intervenção policial.
Ele foi até a porta interna e interrompeu o secretário-geral Albert Shenke em meio a uma conversa telefônica.
— O que é isso? — perguntou Shenke.
— Sou o inspetor Jan Bublanski. O senhor está preso por infringir a Constituição sueca. Os vários itens da acusação lhe serão comunicados hoje à tarde.
— Isso ultrapassa todos os limites — disse Shenke.
— Sim, exatamente — disse Bublanski.
Ele mandou interditar a sala de Shenke e destacou dois policiais para guardar a porta, com ordens de não deixar ninguém entrar. Estavam autorizados a usar o cassetete, e até a arma, caso alguém tentasse entrar à força.
Continuaram a procissão pelos corredores até Stefan apontar para outra porta, e ali repetiram o procedimento com o chefe da contabilidade Gustav Atterbom.
Jerker Holmberg contava com o auxílio da Brigada de Intervenção de Sôdermalm quando, ao meio-dia em ponto, bateu à porta de um escritório alugado temporariamente no segundo andar de um prédio em frente à redação da revista Millennium, na Gôtgatan.