Como ninguém apareceu para abrir a porta, Jerker Holmberg ordenou que a brigada a arrombasse. Mas a porta se entreabriu antes que o pé de cabra entrasse em ação.
— Polícia — disse Jerker Holmberg. — Deixe as mãos bem à vista.
— Eu sou da polícia — disse o inspetor Gôran Mârtensson.
— Eu sei. E você tem porte de armas para uma porção de armas de fogo.
— Sim, mas sou um policial em serviço.
— Conta outra! — disse Jerker Holmberg.
Com a ajuda dos outros, prensou Mârtensson contra a parede e tirou sua arma.
— Você está preso por escuta ilegal, falta profissional grave, diversas violações do domicílio do jornalista Mikael Blomkvist, na Bellmansgatan, e provavelmente vários outros itens de acusação. Ponham as algemas nele.
Jerker Holmberg realizou uma rápida revista no escritório e constatou que havia ali material eletrônico suficiente para montar um estúdio de gravação. Destacou um policial para vigiar o local, com ordens de ficar sentado numa cadeira e não deixar nenhuma impressão digital.
Quando Mârtensson foi levado pela porta do prédio, Henry Cortez ergueu sua Nikon digital e bateu uma seqüência de vinte e duas fotos. Com certeza ele não era um fotógrafo profissional, e suas fotos deixavam um bocado a desejar no quesito qualidade. Mas foram vendidas no dia seguinte para um tablóide por uma quantia indecente.
Rosa Figuerola foi a única, entre os agentes que participavam das batidas policiais daquele dia, a enfrentar um incidente. Auxiliada pela Brigada de Intervenção de Norrmalm e mais três colegas da Sapo, ao meio-dia em ponto ela entrou no prédio da Artillerigatan e subiu a escada que levava ao apartamento do último andar, de propriedade da empresa Bellona.
A operação tinha sido montada num espaço muito curto de tempo. Assim que a força de intervenção chegou à porta do apartamento, ela deu o sinal verde. Dois policiais muito fortes e uniformizados da brigada de Norrmalm ergueram um aríete de aço de quarenta quilos e abriram a porta com dois golpes bem dados. A força de intervenção, munida de coletes à prova de balas e armas à altura, ocupou o apartamento nos dez segundos que se seguiram ao arrombamento da porta.
A vigilância montada desde o amanhecer indicava que cinco indivíduos identificados corno colaboradores da Seção haviam passado pela porta durante a manhã. Os cinco foram localizados em poucos segundos e algemados.
Rosa Figuerola usava um colete à prova de balas. Percorreu o apartamento que fora o QG da Seção desde os anos 1960 e, uma por uma, foi abrindo brutalmente as portas. Constatou que ia precisar de um arqueólogo para ajudá-la a fazer a triagem da imensa quantidade de pastas que lotavam os cômodos.
Poucos segundos depois de invadir o apartamento, ela abriu a porta de uma salinha mais afastada e descobriu um quarto de dormir. De repente, viu-se frente a frente com Jonas Sandberg. Ele representara um ponto de interrogação quando as tarefas foram divididas de manhã. Na noite anterior, o investigador encarregado de vigiar Sandberg o perdera de vista. Seu carro estava estacionado em Kungsholmen e ele não fora visto em sua casa à noite. De manhã, não sabiam onde ele estava para ir prendê-lo.
Por motivos de segurança eles mantêm uma equipe noturna. E óbvio. E o Sandberg dormiu aqui depois que seu plantão terminou.
Jonas Sandberg estava apenas de cuecas e parecia mal ter acordado. Vi-rou-se para apanhar a arma no criado-mudo. Rosa Figuerola se inclinou para a frente e empurrou a arma pelo chão para longe de Sandberg.
— Jonas Sandberg, você está preso por cumplicidade nos assassinatos de Gunnar Bjõrck e Alexander Zalachenko, e de cumplicidade na tentativa de assassinato de Michael Blomkvist e Erika Berger. Vista a calça.
Jonas Sandberg levantou o punho na direção de Rosa Figuerola. Ela aparou o golpe por mero reflexo, sem prestar um centésimo de segundo sequer de atenção a Jonas Sandberg.
— Você está brincando? — disse ela. Pegou o braço dele e torceu-lhe o pulso com tanta força que Sandberg caiu de costas no chão. Ela o virou de bruços e enfiou-lhe um joelho na parte inferior das costas. Ela própria o algemou. Era a primeira vez, desde que trabalhava na Sapo, que usava as algemas em serviço.
Deixou Sandberg aos cuidados de um policial e prosseguiu sua busca. Para encerrar, abriu a última porta no fundo do apartamento. De acordo com a planta fornecida pela prefeitura, tratava-se de um pequeno cômodo que dava para um pátio. Deteve-se na soleira da porta e contemplou o espectro mais descarnado que já tinha visto na vida. Percebeu de imediato que se achava diante de um homem que estava morrendo.
— Fredrik Clinton, você está preso por cumplicidade em assassinato, tentativa de homicídio e uma série de outros crimes — disse ela. — Não saia da cama. Vamos chamar uma ambulância para transportá-lo para Kungsholmen.
Christer Malm estava postado junto à entrada do prédio da Artillerigatan. Ao contrário de Henry Cortez, ele sabia manejar sua Nikon digital. Usou uma pequena teleobjetiva e as fotos saíram muito profissionais.
Mostravam os membros da Seção deixando o prédio, um por um, cercados de policiais e sendo empurrados para as viaturas policiais; e por fim uma ambulância vindo buscar Fredrik Clinton. Seus olhos fitaram a objetiva bem no momento em que Christer clicava o botão. Parecia inquieto e preocupado.
Uma foto que mais tarde seria considerada A Foto do Ano.
27. SEXTA-FEIRA 15 DE JULHO
O juiz Iversen bateu o martelo na mesa às doze e trinta e declarou reaberta a sessão do Tribunal Correcional. Reparou imediatamente numa terceira pessoa sentada à mesa de Annika Giannini. Holger Palmgren, numa cadeira de rodas.
— Boa tarde, Holger — disse o juiz Iversen. — Faz séculos que não o vejo numa sala de audiência.
— Boa tarde, juiz Iversen. Você sabe, alguns casos são tão complexos que os jovens precisam de alguma assistência.
— Pensei que você tivesse encerrado suas atividades profissionais.
— Estive doente. Mas a doutora Giannini recorreu a mim para assessorada neste caso.
— Entendo.
Annika Giannini deu uma tossidinha.
— Cabe lembrar, também, que por vários anos Holger Palmgren representou Lisbeth Salander.
— Bem, vamos deixar a conversa de lado — disse o juiz Iversen. Com um sinal de cabeça, indicou que Annika Giannini podia começar.
Ela se levantou. Nunca apreciara o mau hábito sueco de conduzir as audiências num tom informal, todos sentados ao redor de uma mesa intimista, quase como se estivessem num jantar. Sentia-se muito melhor quando podia falar de pé, portanto se levantou.
— Acho que poderíamos começar pelos comentários que encerraram a sessão desta manhã. Senhor Teleborian, por que o senhor desaprova sistematicamente todas as afirmações de Lisbeth Salander?
— Porque está muito claro que elas são falsas — respondeu Peter Teleborian.
Ele estava calmo e relaxado. Annika Giannini meneou a cabeça e se voltou para o juiz Iversen.
— Excelência, Peter Teleborian afirma que Lisbeth Salander está mentindo e fantasiando. A defesa vai demonstrar agora que cada palavra da autobiografia de Lisbeth Salander é verídica. Vamos apresentar provas. Escritas e testemunhais. Nesse estágio do julgamento, o procurador já expôs as linhas gerais de sua argumentação. Nós o ouvimos e agora sabemos no que consistem precisamente as acusações contra Lisbeth Salander.
De repente, Annika Giannini sentiu a boca seca e que sua mão tremia. Respirou fundo e tomou um gole de água mineral. Então segurou com firmeza o encosto da cadeira para que o tremor das mãos não traísse seu nervosismo.
— Da argumentação do procurador, podemos concluir que ele dispõe de uma abundância de opiniões, mas de pouquíssimas provas. Ele acredita que Lisbeth Salander atirou em Carl-Magnus Lundin em Stallarholmen. Ele afirma que ela foi até Gosseberga para matar o pai. Ele supõe que minha cliente sofre de esquizofrenia paranóica e que tem todos os tipos de doenças mentais que se possa imaginar. E ele fundamenta essa suposição nos dados fornecidos por uma única fonte, o doutor Peter Teleborian.