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—  Obrigado, mas não será necessário — disse Iversen. — Senhorita Salander...

Por um momento, ele perdeu o fio da meada e não soube como prosseguir.

— Senhorita Salander, por que fez esse filme?

— O Bjurman já tinha me violentado uma vez e estava exigindo mais. Na primeira vez, fui forçada a chupar aquele velho nojento. Achei que ele ia repetir a dose e queria ter provas suficientes para poder chantagear o velho e mantê-lo bem longe de mim. Mas eu o subestimei.

—  Mas por que não o denunciou por estupro agravado, já que tinha provas... tão contundentes?

— Eu não falo com policiais — disse Lisbeth Salander em tom monocórdio.

Então, de repente, Holger Palmgren se levantou da cadeira de rodas. Apoiou-se na beira da mesa. Sua voz estava muito clara.

— Por princípio, nossa cliente não fala com policiais e com qualquer pessoa investida de alguma autoridade, muito menos com psiquiatras. O motivo é muito simples. Desde criança, ela tentou o tempo todo contar à polícia, aos assistentes sociais e às autoridades que sua mãe era violentamente agredida por Alexandre Zalachenko. Todas as vezes, ela é que foi punida, porque os funcionários do Estado tinham resolvido que Zalachenko era mais importante que Salander.

Ele pigarreou e prosseguiu.

— Quando ela acabou se dando conta de que ninguém lhe daria ouvidos, a única saída foi tentar salvar a mãe sendo violenta com Zalachenko E aí esse canalha que se diz médico — ele apontou para Teleborian — redigiu um diagnóstico psiquiátrico falsificado, declarando-a doente mental, o que lhe permitiu manter Lisbeth imobilizada na Sankt Stefan por trezentas e oitenta noites. Que merda! E o que eu tenho a dizer.

Palmgren se sentou. Iversen parecia surpreso com a explosão de Palm-gren. Dirigiu-se a Lisbeth Salander.

— A senhorita talvez queira fazer uma pausa...

— Por quê? — perguntou Lisbeth.

—  Bem, então vamos continuar. Doutora Giannini, esse vídeo vai ser examinado, vou pedir uma avaliação técnica sobre a autenticidade dele. Por enquanto vamos dar seguimento à audiência.

— Naturalmente. Eu também acho isso muito desagradável. Mas a verdade é que minha cliente foi vítima de abusos físicos, psíquicos e judiciários. E a pessoa responsável por essa situação deplorável é Peter Teleborian. Ele traiu seu juramento de médico e traiu sua paciente. Junto com Gunnar Bjõrck, colaborador de um grupo irregular dentro da Polícia de Segurança, ele forjou uma avaliação psiquiátrica com o objetivo de trancafiar uma testemunha incômoda. Acho que deve ser um caso único na história jurídica da Suécia.

— Essas acusações são inacreditáveis — disse Peter Teleborian. — Eu procurei ajudar Lisbeth Salander da melhor maneira possível. Ela tentou matar o pai. Era evidente que havia algo errado...

Annika Giannini o interrompeu.

— Eu agora gostaria de chamar a atenção do tribunal para outras avaliações psiquiátricas médico-legais da minha cliente realizadas pelo doutor Teleborian. A avaliação mencionada hoje, nesta audiência. Afirmo que ela é falsa, tão falsa quanto a de 1991.

— Mas afinal, isso é...

— Excelência, poderia pedir à testemunha que pare de me interromper?

— Senhor Teleborian...

— Eu vou me calar. Mas são acusações inconcebíveis. É natural que eu me insurja...

—  Senhor Teleborian, fique calado até que lhe façam uma pergunta. Prossiga, doutora Giannini.

— Aqui está o relatório de psiquiatria legal que o doutor Teleborian apresentou a este tribunal. Baseia-se em supostas observações da minha cliente, que teriam ocorrido após sua transferência para a casa de detenção de Kronoberg, em 6 de junho, e se estendido até o dia 5 de julho.

— Foi o que entendi — disse o juiz Iversen.

— Doutor Teleborian, é verdade que o senhor não teve a oportunidade de realizar testes ou observações com minha cliente antes do dia 6 de junho? Antes disso, sabemos que ela se encontrava isolada num quarto do hospital Sahlgrenska.

— Sim — disse Teleborian.

— Por duas vezes o senhor tentou ter acesso à minha cliente no Sahlgrenska. Nas duas vezes, esse acesso lhe foi negado. Correto?

— Sim.

Annika Giannini abriu novamente sua pasta e dela tirou um documento. Contornou a mesa e o entregou ao juiz Iversen.

— Bem, certo — disse Iversen. — É uma cópia da avaliação do doutor Teleborian. O que isso pretende provar?

— Eu gostaria de chamar duas testemunhas que estão aguardando do lado de fora da sala.

— Quem são elas?

— Mikael Blomkvist, da revista Millennium, e o delegado Torsten Edk-linth, diretor da Proteção à Constituição da Polícia de Segurança, ou seja, da Sapo.

— E eles estão esperando lá fora?

— Sim.

— Faça-os entrar — disse o juiz Iversen.

— Isso é contra as regras — reclamou o procurador Ekstrõm, que fazia algum tempo estava calado.

Quase em estado de choque, Ekstrõm se deu conta de que Annika Giannini estava reduzindo a pó sua principal testemunha. O filme era arrasador.

Iversen ignorou Ekstrõm e fez sinal ao meirinho para que abrisse a porta Mikael Blomkvist e Torsten Edklinth entraram.

— Em primeiro lugar, gostaria de chamar Mikael Blomkvist.

— Eu pediria a Peter Teleborian que se retirasse por um instante.

— Já terminou comigo? — perguntou Teleborian.

— Não, longe disso — disse Annika Giannini.

Mikael Blomkvist tomou o lugar de Teleborian no banco das testemunhas. O juiz Iversen passou rapidamente pelas formalidades e Mikael jurou falar apenas a verdade.

Annika Giannini se aproximou de Iversen e pediu emprestado, por um momento, o relatório psiquiátrico médico-legal que acabara de lhe entregar. Estendeu a cópia para Mikael.

— Você já viu este documento?

— Já vi, sim. Tenho três versões dele. Obtive a primeira por volta de 12 de maio, a segunda em 19 de maio e a terceira — esta, portanto — em 3 de junho.

— Poderia nos dizer como essa cópia chegou às suas mãos?

— Eu a obtive, na condição de jornalista, de uma fonte que não pretendo revelar.

Lisbeth Salander tinha os olhos grudados em Peter Teleborian. De repente, ele ficou lívido.

— O que você fez com esse relatório?

— Entreguei a Torsten Edklinth, da Proteção à Constituição.

— Obrigada, Mikael. Vou chamar agora Torsten Edklinth — disse Annika Giannini pegando de volta o relatório. Ela o entregou a Iversen, que o segurou, pensativo.

Repetiu-se a formalidade do juramento.

—  Delegado Edklinth, é verdade que o senhor recebeu de Mikael Blomkvist um relatório médico-legal sobre Lisbeth Salander?

— Sim.

— Quando foi isso?

— Está registrado na DGPN/Sâpo em 4 de junho.

— E trata-se da mesma avaliação que acabo de entregar ao juiz Iversen?

— Se a minha assinatura está no verso do relatório, trata-se da mesma avaliação.

Iversen virou o documento e constatou que havia a assinatura de Torsten no verso.

—  Delegado Edklinth, poderia nos explicar como é possível o senhor ter recebido uma avaliação psiquiátrica médico-legal de uma pessoa que se encontrava isolada no hospital Sahlgrenska?

— Sim.

— Pode falar.

— A avaliação médico-legal de Peter Teleborian é uma falsificação que ele redigiu junto com um tal de Jonas Sandberg, da mesma forma como em 1991 ele produziu uma falsificação similar junto com Gunnar Bjõrck.

— Isso é mentira — disse Teleborian num fio de voz.

— E mentira? — perguntou Annika Giannini.

— Não, de forma alguma. Eu talvez deva mencionar que Jonas Sandberg é uma das cerca de dez pessoas que foram detidas hoje por ordem do procurador-geral da nação. Ele foi preso por cumplicidade no assassinato de Gunnar Bjõrck. Ele integra um grupo irregular que operava no coração da Polícia de Segurança e protegeu Alexander Zalachenko a partir dos anos 1970. Esse mesmo grupo está por trás da decisão de internar Lisbeth Salander em 1991. Temos uma enorme quantidade de provas, assim como a confissão do chefe do grupo.