Um silêncio mortal caiu sobre a sala.
— Doutor Peter Teleborian, o senhor gostaria de fazer algum comentário sobre o que acaba de ser dito? — perguntou o juiz Iversen.
Teleborian balançou a cabeça.
— Nesse caso, aviso-lhe que o senhor pode ser processado por perjúrio e, eventualmente, sofrer outras acusações — disse o juiz Iversen.
— Se me permite... — disse Mikael Blomkvist.
— Sim? — disse Iversen.
— O Peter Teleborian está com problemas muito mais sérios do que esse. Atrás dessa porta há duas policiais que gostariam de vê-lo.
— O senhor quer dizer que eu deveria mandá-las entrar?
— Sem dúvida seria uma boa idéia.
Iversen fez sinal ao meirinho, que deixou entrar a inspetora Sonja Modig e uma mulher que o procurador Ekstrõm reconheceu de imediato. Chamava--se Lisa Collsjõ, inspetora da Brigada de Proteção de Menores, a unidade da Polícia Nacional que tinha por missão, entre outras, investigar abusos sexuais e pedofilia.
— Por que as senhoras estão aqui? — perguntou Iversen.
— Para dar voz de prisão a Peter Teleborian tão logo seja possível, sem que a nossa intervenção perturbe as deliberações deste tribunal.
Iversen olhou para Annika Giannini.
— Eu ainda não terminei com ele, mas, enfim, tudo bem.
— Façam seu trabalho — disse Iversen.
Lisa Collsjõ acercou-se de Peter Teleborian.
— O senhor está preso por violação agravada das leis de pornografia infantil.
Peter Teleborian já não respirava. Annika Giannini reparou que a luz parecia ter sumido de seus olhos.
— Mais precisamente pela apreensão de mais de oito mil fotos de pornografia infantil em seu computador.
Ela se inclinou e pegou a maleta de Peter Teleborian, onde estava seu computador.
— O computador está sendo apreendido — disse ela.
Enquanto o levavam para fora do tribunal, o olhar de Lisbeth Salander ardia feito fogo nas costas de Peter Teleborian.
28. SEXTA-FEIRA 15 DE JULHO – SÁBADO 16 DE JULHO
O juiz Iversen bateu com a caneta na beirada da mesa para fazer cessar o burburinho que se irrompera depois da prisão de Peter Teleborian. Então, permaneceu um longo momento calado, claramente inseguro quanto à maneira de dar seguimento aos trabalhos. Dirigiu-se ao procurador Ekstrõm.
— O senhor tem algo a acrescentar aos fatos ocorridos nessa última hora?
Richard Ekstrõm não fazia a menor idéia do que dizer. Levantou-se e olhou para Iversen, depois para Torsten Edklinth, antes de virar a cabeça e encontrar o olhar implacável de Lisbeth Salander. Entendeu que a batalha estava perdida. Voltou o olhar para Mikael Blomkvist e se deu conta, repentinamente apavorado, de que ele próprio estava arriscado a aparecer na revista Milennium... O que seria uma catástrofe impensável.
Em compensação, ele, que chegara ao julgamento certo de conhecer todos os diferentes aspectos do caso, não entendia o que se passara.
Ele compreendera o delicado equilíbrio necessário para a segurança da nação após várias conversas francas com o delegado Georg Nystrõm. Tinham lhe garantido que o relatório Salander de 1991 era forjado. Recebera toda a informação confidencial de que precisava. Fizera perguntas — centenas delas — para as quais obtivera todas as respostas. Mentiras. E agora estava reduzido a nada, a julgar pelo que dizia a Dra. Giannini. Ele confiara em Peter Teleborian, que parecia tão... tão competente e sensato. Tão convincente
Meu Deus. No que é que eu fui me meter?
E em seguida:
Como vou fazer para sair desta encrenca?
Passou a mão pelo cavanhaque. Tossiu de leve. Tirou lentamente os óculos.
— Lamento, mas, ao que parece, fui muito mal informado sobre muitos pontos deste processo.
Perguntou-se se poderia incriminar os investigadores e, de repente, veio--lhe a imagem do inspetor Bublanski. Bublanski jamais o apoiaria. Se ele ultrapassasse o limite, Bublanski convocaria no ato uma coletiva de imprensa. Acabaria com ele.
Ekstrõm cruzou o olhar com Lisbeth Salander. Ela esperava pacientemente, com os olhos repletos de curiosidade e sede de vingança.
Não havia concessão possível.
Ele ainda poderia pegá-la por violências agravadas em Stallarholmen. Provavelmente pudesse pegá-la pela tentativa de assassinato de seu pai em Gosseberga. Isso significava que ele teria de modificar, de improviso, toda a sua estratégia e livrar-se de tudo o que estava ligado a Peter Teleborian. Significava que todas as explicações que a faziam passar por uma psicopata iriam ruir, significava também que a versão de Lisbeth estaria retroativamente fortalecida até 1991. A colocação sob tutela também iria ruir e...
E ela ainda tinha o maldito filme que...
Então uma certeza o invadiu.
Meu Deus. Ela é inocente!
— Excelência... eu não sei o que aconteceu, mas percebo que não posso mais me fiar nos documentos que tenho em mãos.
— De fato, é isso mesmo — disse Iversen com um tom seco.
— Acho que preciso solicitar uma pausa, ou a interrupção do julgamento até que eu consiga esclarecer o que aconteceu exatamente.
— Doutora Giannini? — disse Iversen.
— Peço que minha cliente seja inocentada de todos os crimes de que está sendo acusada e seja imediatamente posta em liberdade. Peço também que o tribunal de instâncias se pronuncie sobre a tutela da senhorita Salander. Considero que ela deva ser indenizada pelas violações de que foi vítima.
Lisbeth Salander voltou os olhos para o juiz Iversen.
Sem concessões.
O juiz Iversen desviou o olhar para a autobiografia de Lisbeth Salander, e depois para o procurador Ekstrõm.
— Eu também acho uma boa idéia esclarecer o que aconteceu. Mas temo que o senhor não seja a pessoa indicada para conduzir essa instrução.
Ele refletiu por um momento.
— Nesses anos todos como juiz e magistrado, jamais vivi algo nem parecido com a situação jurídica deste caso. Devo admitir que me sinto acuado. Jamais tinha ouvido falar numa testemunha principal de um procurador que tivesse sido presa em pleno tribunal, durante as deliberações. Jamais tinha visto provas que pareciam tão convincentes se revelarem falsas. Francamente, não sei se, no atual contexto, resta algum ponto de acusação do procurador.
Holger Pahngren deu uma tossidinha, pedindo a palavra.
— Sim? — perguntou Iversen.
— Como representante da defesa, só me resta partilhar seus sentimentos. Às vezes, somos obrigados a dar um passo atrás e deixar que o bom-senso volte a prevalecer. Gostaria de esclarecer que, enquanto juiz, o senhor só viu o começo de um caso que vai abalar a Suécia até o alto de suas instituições. Cerca de dez policiais da Sapo foram presos hoje. Eles serão indiciados por assassinatos e por mais uma lista tão extensa de crimes que vai levar um bocado de tempo até que a instrução se conclua.
— Suponho que eu deva me decidir por uma pausa no julgamento.
— Com todo o respeito, acho que não seria uma boa decisão.
— Estou ouvindo.
Palmgren claramente estava tendo dificuldade em articular as palavras. Mas, falando devagar, conseguiu não gaguejar.
— A Lisbeth Salander é inocente. Sua autobiografia fantasiosa, como dizia o senhor Ekstrõm com tanto desprezo, é verídica. E isso pode ser provado. Ela foi vítima de um escandaloso abuso do Poder Judiciário. Este tribunal pode ater-se às normas e seguir com o julgamento por mais algum tempo, até a absolvição. Mas também temos outra alternativa óbvia. Deixar que uma nova instrução se encarregue de tudo o que diz respeito a Lisbeth Salander.
Esta investigação já está atolada numa lama que cabe ao procurador-geral da nação limpar.