Выбрать главу

O anúncio chegou quando todos os funcionários da Millennium se encontravam na redação. O telefone não tinha parado de tocar desde que os primeiros exemplares começaram a ser distribuídos por entrega especial para outras redações de Estocolmo. Durante a tarde, a Tv4 levara ao ar os primeiros programas especiais sobre Zalachenko e a Seção. Aquilo estava virando uma verdadeira festa da mídia.

Mikael foi até o meio da sala, pôs os dedos na boca e assobiou forte.

— Acabo de ser informado que a Lisbeth foi totalmente absolvida.

Os aplausos brotaram espontaneamente. Em seguida, cada um continuou falando ao seu telefone como se nada tivesse acontecido.

Mikael ergueu os olhos e observou a tevê ligada no meio da redação. Acabava de começar o Nyheterna na TV4. O tema incluía um trecho do filme que mostrava Jonas Sandberg plantando cocaína no apartamento da Bellmansgatan.

— Aqui, um funcionário da Sapo escondendo cocaína na casa do jornalista Mikael Blomkvist da revista Millennium.

Em seguida, teve início o telejornal.

— Cerca de dez funcionários da Polícia de Segurança foram presos hoje por crimes agravados, entre eles assassinatos. Bem-vindos ao programa desta noite, uma longa edição especial.

Mikael cortou o som quando a Moça da TV4 apareceu e ele viu a si próprio sentado na poltrona do estúdio. Já sabia o que tinha dito. Seu olhar foi para a mesa que Dag Svensson usara para trabalhar. Os vestígios de sua reportagem sobre o tráfico de mulheres haviam desaparecido e a mesa tinha virado um depósito de jornais e pilhas de papéis desarrumados que ninguém guardava.

Naquela mesa é que o caso Zalachenko começara para Mikael. Gostaria muito que Dag Svensson pudesse assistir ao seu final. Alguns exemplares do livro de Dag sobre o tráfico de mulheres, com a tinta ainda fresca, estavam expostos ali, junto com o livro sobre a Seção.

Você teria gostado, Dag.

Ouviu o telefone tocando em sua sala, mas não encontrou forças para ir atender. Fechou a porta e entrou na sala de Erika Berger, deixando-se cair numa das confortáveis poltronas diante da janela. Erika estava ao telefone. Ele olhou ao redor. Fazia um mês que ela tinha voltado, mas ainda não tivera tempo de encher a sala com todos os objetos pessoais que ela havia levado ao partir, em abril. As prateleiras da estante estavam vazias e não havia quadros nas paredes.

— Qual é a sensação? — ela perguntou depois que desligou.

— Acho que estou feliz — disse ele. Ela riu.

— A Seção vai causar devastações. O pessoal está a mil em tudo que é redação. O que você acha de aparecer na Aktuellt agora às nove?

— Não.

— Foi o que eu pensei.

— Vamos ter que falar sobre isso por meses. Não precisamos tirar o pai da forca.

Ela concordou com a cabeça.

— O que você vai fazer hoje à noite?

— Não sei.

Ele mordeu o lábio inferior.

— Erika... eu...

— Rosa — disse Erika Berger, sorrindo. Ele fez que sim com a cabeça.

— E sério?

— Não sei.

— Ela está superapaixonada.

— Acho que eu também estou apaixonado — disse ele.

— Vou manter distância até você ter certeza. Ele meneou a cabeça.

— Talvez — disse ela.

Às oito da noite, Dragan Armanskij e Susanne Linder foram até a redação da Millennium. Achavam que a ocasião pedia champanhe e chegaram com uma sacola repleta de garrafas. Erika Berger abraçou Susanne Linder e lhe mostrou toda a redação, enquanto Armanskij se sentava na sala de Mikael.

Beberam. Durante algum tempo, nenhum dos dois falou. Armanskij foi quem quebrou o silêncio.

— Sabe o que mais, Blomkvist? Quando a gente se conheceu durante aquele caso em Hedestad, eu francamente te detestava.

— Ah, é?

— Vocês dois apareceram depois que você contratou a Lisbeth para fazer umas pesquisas.

— Lembro.

— Acho que fiquei com ciúmes. Vocês se conheciam havia apenas algumas horas. Ela ria com você. Eu tentei ser amigo da Lisbeth durante anos e nunca consegui que ela relaxasse.

— Bem... eu também não consegui grande coisa. Permaneceram algum tempo em silêncio.

— Que bom que acabou — disse Armanskij.

— Amém — disse Mikael.

O interrogatório oficial de Lisbeth Salander foi conduzido pelos inspetores Jan Bublanski e Sonja Modig. Eles tinham acabado de estar com suas respectivas famílias depois de um dia de trabalho especialmente longo, e precisaram voltar quase em seguida para o Palácio da Polícia em Kungsholmen.

Salander estava sendo assistida por Annika Giannini, a qual, porém, não teve motivo para muitas intervenções. Lisbeth Salander expressava de modo bem preciso suas respostas a todas as perguntas de Bublanski e Modig.

Coerente com seu jeito de ser, mentiu em dois pontos centrais. Ao descrever o que se passara durante a luta em Stallarholmen, teimou que Benny Nieminen é quem tinha, por engano, atirado no pé de Carl-Magnus "Magge" Lundin no momento em que ela o atingira com o cassetete elétrico. Onde conseguira o cassetete elétrico? Arrancara-o de Magge Lundin, afirmou.

Tanto Bublanski como Modig exibiram uma expressão bastante cética. Mas não havia nenhuma prova ou testemunha para contradizer sua versão. Benny Nieminen, a rigor, poderia protestar, mas ele se negava a comentar o incidente. O fato é que ele ignorava tudo o que acontecera nos segundos que se seguiram ao seu nocaute pelo cassetete elétrico.

Quanto à viagem de Lisbeth para Gosseberga, ela explicou que o objetivo havia sido se encontrar com o pai e convencê-lo a se entregar para a polícia.

Ao dizer isso, Lisbeth Salander exibiu a maior candura.

Ninguém tinha como definir se ela estava ou não dizendo a verdade. Annika Giannini não tinha a menor idéia a respeito.

A única pessoa que sabia que Lisbeth Salander fora até a granja de Gosseberga com a firme intenção de dar um fim definitivo em seu relacionamento com o pai era Mikael Blomkvist. Mas ele fora retirado da sala de audiências pouco após o reinicio do julgamento. Ninguém sabia que ele e Lisbeth Salander haviam mantido longas conversas noturnas via internet durante a estada dela em Sahlgrenska.

A imprensa perdeu a libertação de Lisbeth Salander. Se o horário tivesse sido divulgado, teria havido um ajuntamento gigantesco diante do Palácio da Polícia. Mas os repórteres estavam exaustos depois do caos instalado naquele dia com a publicação da Millennium, dia em que também alguns policiais da Sapo prenderam outros policiais da Sapo.

A Moça da TV4, como sempre, foi a única jornalista a saber o que estava acontecendo. Sua reportagem de uma hora tornou-se um clássico que, alguns meses depois, receberia o prêmio de Melhor Reportagem Informativa da Televisão.

Sonja Modig tirou Lisbeth Salander do Palácio da Polícia simplesmente levando-a até a garagem çom Annika Giannini e de lá para o escritório da advogada em Kungsholms Kyrkoplan. Ao chegar, trocaram de carro e pegaram o de Annika Giannini. Annika esperou Sonja sumir de vista para ligar o motor. Foi pegando a direção de Sõdermalm. Quando passavam perto do Palácio do Parlamento, ela quebrou o silêncio.

— Para onde vamos? — perguntou. Lisbeth pensou por alguns segundos.

— Você pode me deixar num ponto qualquer da Lundagatan.

— A Miriam Wu não está lá.

Lisbeth lançou um olhar de esguelha para Annika Giannini.

—  Ela foi para a França pouco depois que teve alta do hospital. Está morando com os pais, caso queira entrar em contato com ela.

— Por que você não me contou?

— Você não perguntou.

— Humm.

— Ela precisava de um tempo. O Mikael, hoje cedo, me pediu para te entregar isto aqui. Disse que você provavelmente ia querer de volta.

Estendeu um molho de chaves. Lisbeth o pegou sem dizer uma palavra