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Pegou seu Palm e em seguida chamou um táxi. Foi para o aeroporto de Arlanda, onde chegou um pouco antes das seis da manhã. Olhou o painel de embarques e comprou uma passagem para o primeiro destino que viu indicado. Usou seu passaporte com o próprio nome. Ficou surpresa que ninguém no balcão de reservas ou no check-in demonstrasse reconhecê-la ou reagisse ao ver seu nome.

Encontrara um lugar num vôo matutino para Málaga, onde aterrissou por volta do meio-dia sob um sol escaldante. Permaneceu algum tempo no terminal, hesitante. Então resolveu consultar um mapa, perguntando-se o que iria fazer na Espanha. Minutos depois, já tomara sua decisão. Não estava com a menor vontade de ficar pensando em ônibus ou em qualquer outro meio de transporte. Comprou óculos de sol numa loja do aeroporto, saiu do terminal e se acomodou no banco traseiro do primeiro táxi vazio que apareceu.

— Gibraltar. Vou pagar com cartão de crédito.

O trajeto durou três horas pela nova autoestrada ao longo da costa sul. O táxi a deixou no posto de fronteira do território britânico e ela seguiu a pé até a Europa Road e o Rock Hotel, situado na subida do rochedo de quatrocentos e vinte e cinco metros, onde perguntou se tinham um quarto disponível. Tinham um quarto duplo. Fez a reserva por duas semanas e apresentou seu cartão de crédito.

Tomou um banho e se sentou na sacada, enrolada numa toalha de banho, contemplando o estreito de Gibraltar. Avistou uns cargueiros e alguns veleiros. Distinguiu vagamente o Marrocos do lado de lá do estreito. Uma paisagem serena.

Passado algum tempo, voltou para o quarto, deitou-se e dormiu.

Na manhã seguinte, Lisbeth Salander acordou às cinco e meia. Levantou-se, passou rapidamente pelo chuveiro e foi tomar café da manhã no térreo, no restaurante do hotel. Às sete horas, deixou o hotel e foi comprar mangas e maçãs, depois pegou um táxi para o The Peak e foi ver os macacos. Chegou cedo, havia pouquíssimos turistas, portanto se viu quase sozinha com os animais.

Ela gostava de Gibraltar. Era a terceira vez que visitava aquele estranho rochedo que dava para o Mediterrâneo, com sua cidade inglesa de uma densidade populacional absurda. Gibraltar não se parecia com nenhum outro lugar. A cidade permanecera isolada durante décadas, uma colônia que se negava persistentemente a ser anexada à Espanha. Os espanhóis protestavam, é claro, contra a ocupação. Mas Lisbeth achava que era melhor eles calarem a boca enquanto estivessem ocupando o enclave de Ceuta em território marroquino, do outro lado do estreito. Era um lugar curioso, afastado do resto do mundo, uma cidade de pouco mais de dois quilômetros quadrados constituída de um rochedo singular e um aeroporto que avançava sobre o mar. Era uma povoação tão pequena que cada centímetro quadrado era aproveitado e a expansão se dava necessariamente em direção ao mar. Para entrar na cidade, os visitantes eram obrigados a atravessar a pista de pouso do aeroporto.

Gibraltar era um exemplo notável do conceito de compact living.

Lisbeth viu um macaco macho, grande, trepar numa mureta próxima à trilha de passeio. Olhava para ela com o rabo dos olhos. Um Barbary ape. Ela sabia que não dava para tentar acariciar aqueles bichos.

— E aí, cara? — disse ela. — Sou eu, voltei.

Antes de sua primeira estada em Gibraltar, ela nunca tinha ouvido falar nesses macacos. Subira no alto do Rochedo apenas para admirar a vista e fora pega totalmente de surpresa, quando acompanhava um grupo de turistas, ao se ver no meio de um bando de macacos trepando por tudo, de um lado a outro do caminho.

Tinha sido uma sensação esquisita estar caminhando por uma trilha e topar de repente com mais de vinte macacos. Olhou para eles bem desconfiada. Não eram perigosos nem agressivos. Em compensação, eram fortes o bastante para morder seriamente se estivessem nervosos ou se sentissem ameaçados.

Ela localizou um dos guardas, mostrou sua sacola e perguntou se podia dar frutas aos animais. O homem não fez nenhuma objeção.

Pegou uma manga e colocou-a na mureta, a alguma distância do macho.

—  Café da manhã — disse, apoiando-se na mureta para comer uma maçã.

O macaco olhou para ela, arreganhou os dentes e então pegou a manga, feliz da vida.

Cinco dias depois, por volta das quatro da tarde, Lisbeth Salander caiu de um banco do Harry's Bar, numa rua lateral da Main Street, a dois quarteirões de seu hotel. Tinha estado regularmente bêbada desde que deixara a montanha dos macacos, e a maior parte de sua bebedeira acontecera no bar de Harry O'Connell, o proprietário do bar que tinha um sotaque irlandês adquirido a grande custo, já que nunca na vida pusera os pés na Irlanda. Ele a observava com ar preocupado.

Quando ela pediu o primeiro copo, quatro tardes antes, ele quis ver seu passaporte, julgando estar diante de uma menina. Sabia que seu nome era Lisbeth e a chamava de Liz. Ela em geral chegava na hora do almoço, sentava-se num banco do fundo do bar e se encostava na parede. Em seguida, dedicava seu tempo a enxugar um número considerável de cervejas ou uísques.

Quando tomava cerveja, não ligava para a marca; aceitava o que ele servisse. Quando pedia uísque, sempre escolhia o Tullamore Dew, com exceção de uma vez em que examinara as garrafas atrás do balcão e pedira para experimentar o Lagavulin. Ela havia cheirado o copo, erguido as sobrancelhas e então tomara um gole bem pequeno. Descansara o copo na mesa e continuara olhando para ele durante um minuto, com uma expressão que dava a entender que considerava seu conteúdo um inimigo perigoso.

Acabara empurrando o copo de lado e pedindo que Harry lhe desse alguma coisa não destinada à calafetagem de barcos. Ele voltara a lhe servir Tullamore Dew e ela recomeçou a bebedeira. Nos últimos quatro dias, esvaziara uma garrafa sozinha. Ele não tinha contado as cervejas. Harry estava muito surpreso que uma moça com aquela modesta massa corpórea conseguisse absorver tantas, mas ponderava que se ela estava pretendendo beber, iria beber, fosse no seu bar ou em qualquer outro lugar.

Ela bebia devagar, não falava com ninguém e não criava caso. Sua única ocupação, fora o consumo de álcool, parecia ser brincar com um computador de mão que, de vez em quando, ela conectava ao celular. Ele tinha tentado várias vezes iniciar uma conversa, mas fora recebido por um silêncio obstinado. Ela parecia evitar qualquer companhia. Algumas vezes, quando havia gente demais no bar, ela tinha fugido para o terraço, e em outras ocasiões fora comer num restaurante italiano duas portas adiante. Depois voltara ao Harry's para pedir mais um Tullamore Dew. Em geral, deixava o bar por volta das nove da noite e seguia na direção norte.

Naquele dia em particular, bebera mais e mais depressa que nos outros, e Harry começou a vigiá-la. Ela já havia entornado sete copos de Tullamore Dew em duas horas, quando ele decidiu que se recusaria a lhe servir mais um. Não teve tempo de pôr em prática sua decisão, pois um estrondo anunciou que ela tinha caído do banco.

Ele largou o copo que estava enxugando, foi para o outro lado do balcão e levantou-a. Ela fez um ar ofendido.

— Acho que você já preencheu sua cota de hoje — disse ele. Ela o fitou com olhos turvos.

— Acho que você tem razão — respondeu, com voz surpreendentemente clara.

Agarrou-se ao balcão com uma das mãos, tirou algumas cédulas do bolso superior da jaqueta e então foi cambaleando em direção à porta. Ele segurou seu ombro com suavidade.

— Espere um pouco. Queria que você fosse até o banheiro vomitar os últimos copos e depois ficasse mais um tempo no bar. Não posso te deixar sair nesse estado.

Ela não reclamou quando ele a acompanhou até o banheiro. Ela enfiou os dedos na garganta e fez o que ele tinha mandado. Quando voltou para o bar, ele lhe serviu um copo grande de água mineral. Ela o tomou inteiro e arrotou. Ele lhe serviu mais um.